Estou sim?
Linha de atendimento SOS 2009.
Bom, eu tenho um problema muito grave.
Diga.
Preciso de falar com alguém antes deste ano acabar.
Diga. Qual é o seu problema?
É esse.
Qual?
Preciso de falar com alguém antes deste ano acabar.
…
Estou?
Sim sim. Desculpe. Estava a pensar o que havia de lhe dizer. E é comigo que quer falar?
Se me ouvir, claro. E se puder dê algum feedback, para ter a certeza que aí está…
Claro.
Um confirmador. Está óptimo. Permite estabelecer empatia. Vou então começar. Prazo de validade. Uma carne óptima, olhava para ela. Um lombo daqueles. Mas o prazo acabava-se em pouco tempo. Comecei então a pensar se seria boa ideia
Hum hum.
Porque não sei se passarei cá os próximos dias. Posso entretanto não comer a carne, o que se torna mesmo muito desagradável, tendo em conta vários factores, como o de haver muita gente com fome e também o de eu ter pouco dinheiro. Não posso desperdiçar as oportunidades. O tempo, o tempo. Incrível como sem querer os textos se ligam com o que vai acontecendo, e digo-lhe que acontece depois de escrever, o que é bastante desconcertante.
Prevê o que vai acontecer?
Está mesmo aí! Não só a ouvir-me, como a tentar compreender-me! É fantástico este vosso sistema. Claro que não peço que me compreenda de facto. Mas confirmadores, reguladores e perguntas…deveríamos aprender a fazer mais perguntas. Não há forma melhor de nos sentirmos compreendidos. Ele dizia-me que me ouvia, e que eu não podia querer que me desse respostas aos problemas. Claro. Confirmo. Mas na realidade não era isso que eu queria. Queria apenas perguntas genuínas, entende? O que eu queria realmente era achar-me na cara dele. Ou, enfim, que me dissesse “claro”, quando lhe perguntava se entendia. Precisava realmente de qualquer coisa, mas não era de uma solução imediata e estúpida. Finge que estás bem, dizia-me. Isto não é de todo estúpido, mas dependerá muito da forma como se diz. A forma, sabia que a forma é o que realmente determina? Os eventos relatados podem ser os mesmos, ou de teor ainda mais negativo do que anteriormente, mas a forma é determinante. Estou absolutamente cheia de dores de barriga hoje, e acho que é porque engoli ar naquele almoço. A conversa do lombo fora de validade começou a enjoar-me. Nem foi bem o conteúdo, digo-lhe, foi a forma desprendida com que enviaram o lombo para o lixo. O modelo que nos foram metendo na cabeça. Já não bastam as hormonas. PARA O LIXO! LOMBO PARA O LIXO! NÃO VÊS O PRAZO? Gritam o modelo em uníssono. ATENÇÃO! URGÊNCIA! CORRE! E eu a esbracejar. E afinal o que é isso de ser feliz? Uma infelicidade a invenção dessa palavra. Felicidade. Sim, é só uma palavra. Não pense que eu digo isto e não sou apanhada, faço é por reinventá-la a cada dia que passa. Um congresso sobre a felicidade, próximo ano, na faculdade. Todos a dizerem mal, totós dos optimistas, e olha. É uma questão de moda, tudo uma questão de moda.
Hum hum.
O último regulador desta conversa. Já estou muito melhor. A Sra foi fantástica. Fico contente de ver que aprendem umas coisas sobre comunicação na faculdade. Mas que tenho eu de ficar contente? Agradeço-lhe apenas. E desejo-lhe um bom ano de 2009. Do fundo do coração.
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Úrsula maior
Não consigo explicar este cansaço que sinto.
É permanente?
Sim. Um peso nos olhos.
Anda a pensar em muitas coisas?
Nem por isso. Ontem, no meio do jardim, senti que precisava apenas daquilo. Um sossego.
O que a impede de fazer isso?
A minha vida. A minha cabeça. Não me permite fazer apenas parte desse conjunto. Rapidamente sinto o barulho dos aviões aqui ao lado. E mesmo quando consigo, fico desprotegida.
Como assim?
As minhas bases são outras. E bem sabe como precisamos de seguranças. Nem que seja do barulho dos aviões. Lembrei-me logo daquele fim de semana no Alentejo, e do espanto que causei nos outros. Uma libertação. Poder correr. Acho muitas vezes que não faço parte deste lugar. Mas logo vem uma parte de mim que diz que sim, que faço. Tenho nós por desatar, Dra. Acha que se os desatar a minha vida vai mudar?
Depende do significado que lhes der. E do modo como os vai gerir.
Tenho a vaga esperança de que tudo se desvaneça quando eu os compreender. Um desejo de simplicidade. Talvez aí saiba o que fazer. Aproveitar o ano novo para mudar a minha vida. Sento-me em frente ao computador para escrever. Ponto um. Não passo daí. Sempre a iminência da mudança. Serei eu que a procuro, não consigo viver sem sentir que me transformo. Uma frustração quando vejo que me repito.
Há coisas que repetirá sempre. Tente aceitá-las. Talvez a estratégia que utiliza não seja a melhor. O tempo, o tempo. Mude, mas dê-se tempo a si mesma.
E como distingo o que devo mudar e o que faz parte de mim? Não quero andar a reboque, ouço. A minha vida teria sido um conto de fadas, mas apareceste tu. Amiga, como hei-de fazer para ela me tratar bem? Trata-te bem a ti. Maria, os meus filhos fazem desenhos horríveis, quererá dizer alguma coisa? Dra, tenho medo dos outros. E a história da sra que viveu 6 meses naquelas condições. Um horror, dizem. E eu a compreender tudo. Aguenta-te sozinha. E o ar a cheirar a lareira, e as casas cheias de gente, se fosse mosca perdia-me, e já assim é o que é. Não és a minha querida porque isso seria injusto. E eu a compreender tudo, a compreender tudo. Não posso dar outra coisa senão insegurança, compreende. A compreender tudo. Não te armes em especial, que eu não aguento, compreende. Devagar, peço. Devagar! grito. Assim, como poderás prestar atenção a todos os sinais?! Observa. Tenho uma Úrsula maior no braço e nem davas conta. Queria crer que esses olhos me chegam cá ao fundo, mas julgo que não é verdade. Se chegassem saberias. Seguramente que saberias. Compreender tudo.
É permanente?
Sim. Um peso nos olhos.
Anda a pensar em muitas coisas?
Nem por isso. Ontem, no meio do jardim, senti que precisava apenas daquilo. Um sossego.
O que a impede de fazer isso?
A minha vida. A minha cabeça. Não me permite fazer apenas parte desse conjunto. Rapidamente sinto o barulho dos aviões aqui ao lado. E mesmo quando consigo, fico desprotegida.
Como assim?
As minhas bases são outras. E bem sabe como precisamos de seguranças. Nem que seja do barulho dos aviões. Lembrei-me logo daquele fim de semana no Alentejo, e do espanto que causei nos outros. Uma libertação. Poder correr. Acho muitas vezes que não faço parte deste lugar. Mas logo vem uma parte de mim que diz que sim, que faço. Tenho nós por desatar, Dra. Acha que se os desatar a minha vida vai mudar?
Depende do significado que lhes der. E do modo como os vai gerir.
Tenho a vaga esperança de que tudo se desvaneça quando eu os compreender. Um desejo de simplicidade. Talvez aí saiba o que fazer. Aproveitar o ano novo para mudar a minha vida. Sento-me em frente ao computador para escrever. Ponto um. Não passo daí. Sempre a iminência da mudança. Serei eu que a procuro, não consigo viver sem sentir que me transformo. Uma frustração quando vejo que me repito.
Há coisas que repetirá sempre. Tente aceitá-las. Talvez a estratégia que utiliza não seja a melhor. O tempo, o tempo. Mude, mas dê-se tempo a si mesma.
E como distingo o que devo mudar e o que faz parte de mim? Não quero andar a reboque, ouço. A minha vida teria sido um conto de fadas, mas apareceste tu. Amiga, como hei-de fazer para ela me tratar bem? Trata-te bem a ti. Maria, os meus filhos fazem desenhos horríveis, quererá dizer alguma coisa? Dra, tenho medo dos outros. E a história da sra que viveu 6 meses naquelas condições. Um horror, dizem. E eu a compreender tudo. Aguenta-te sozinha. E o ar a cheirar a lareira, e as casas cheias de gente, se fosse mosca perdia-me, e já assim é o que é. Não és a minha querida porque isso seria injusto. E eu a compreender tudo, a compreender tudo. Não posso dar outra coisa senão insegurança, compreende. A compreender tudo. Não te armes em especial, que eu não aguento, compreende. Devagar, peço. Devagar! grito. Assim, como poderás prestar atenção a todos os sinais?! Observa. Tenho uma Úrsula maior no braço e nem davas conta. Queria crer que esses olhos me chegam cá ao fundo, mas julgo que não é verdade. Se chegassem saberias. Seguramente que saberias. Compreender tudo.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Fim
Boa tarde. Há quanto tempo!
É verdade…Tenho andado bem. Mas ontem senti-me desesperada, por isso lhe telefonei.
Eu entendi. Então?
Não aguento esta oscilação.
Explique-me melhor.
É que já não sinto que seja uma oscilação de humor. Sinto que é uma oscilação entre duas pessoas. Ou entre várias pessoas.
Como assim? Não é apenas outra forma de tratar a oscilação?
Talvez, mas sinto dessa maneira. Como se tivesse duas vidas.
Isso é óptimo, aproveita a dobrar.
Não brinque com isto, Dra.
Desculpe, estava a desdramatizar.
Isso só funciona com uma parte da Rosa. Começo a enlouquecer com a consciência desta separação. Quero voltar a estar tranquila.
Essa Rosa também é apenas uma parte. Vai sentir-se mal quando estiver apenas tranquila.
Mas preciso de uma margem de segurança para poder actuar dentro da intranquilidade. Senão começo a passar-me para o lado de lá. E nos últimos dias tenho-me alimentado disso. Do medo. O que faz com que não haja espaço para mais nada. Tento encher, tento encher, mas tudo me parece ridículo.
Observe-o. Esse medo, não é ridículo também?
É.
De que lhe serve? Que função tem?
A função do sintoma. Não a sabia de primeira ordem. Preenche-me. O medo. O desespero. O drama. Apesar de eu conseguir actuar no outro registo, quando assim é necessário. Estás boa, Rosa? Respondo que estou tranquila, e o que é facto é que estou, dentro dessa personagem. Não é uma questão de fingimento, o pior é que nesse momento sinto isso, o que me desconcerta. Cada vez menos tempo, cada vez menos tempo. O tempo é um conceito, o tempo não existe. E no entanto a Rosa tranquila e a Rosa intranquila vivem dele, e de saberem que a uma se sucederá outra, afinal como tudo na vida, sempre tudo a mudar. Se calhar passo bocados exageradamente longos em cada personagem, e começo a descontrolar-me. Deixa um dedo de fora, Rosa. Ou a cabeça de fora? Passam mesmo a personagens, as Rosas. Desculpa, não tenho conclusão, e tudo se tornaria demasiadamente longo. A conclusão terá de ser simples. Curta. A matar. Mas nesta sessão não consegui chegar à Rosa que queria. Como no conto sistémico, cada um lhe dá o fim que quiser. Sem esforço. Sem esforço. Ele há-de chegar.
É verdade…Tenho andado bem. Mas ontem senti-me desesperada, por isso lhe telefonei.
Eu entendi. Então?
Não aguento esta oscilação.
Explique-me melhor.
É que já não sinto que seja uma oscilação de humor. Sinto que é uma oscilação entre duas pessoas. Ou entre várias pessoas.
Como assim? Não é apenas outra forma de tratar a oscilação?
Talvez, mas sinto dessa maneira. Como se tivesse duas vidas.
Isso é óptimo, aproveita a dobrar.
Não brinque com isto, Dra.
Desculpe, estava a desdramatizar.
Isso só funciona com uma parte da Rosa. Começo a enlouquecer com a consciência desta separação. Quero voltar a estar tranquila.
Essa Rosa também é apenas uma parte. Vai sentir-se mal quando estiver apenas tranquila.
Mas preciso de uma margem de segurança para poder actuar dentro da intranquilidade. Senão começo a passar-me para o lado de lá. E nos últimos dias tenho-me alimentado disso. Do medo. O que faz com que não haja espaço para mais nada. Tento encher, tento encher, mas tudo me parece ridículo.
Observe-o. Esse medo, não é ridículo também?
É.
De que lhe serve? Que função tem?
A função do sintoma. Não a sabia de primeira ordem. Preenche-me. O medo. O desespero. O drama. Apesar de eu conseguir actuar no outro registo, quando assim é necessário. Estás boa, Rosa? Respondo que estou tranquila, e o que é facto é que estou, dentro dessa personagem. Não é uma questão de fingimento, o pior é que nesse momento sinto isso, o que me desconcerta. Cada vez menos tempo, cada vez menos tempo. O tempo é um conceito, o tempo não existe. E no entanto a Rosa tranquila e a Rosa intranquila vivem dele, e de saberem que a uma se sucederá outra, afinal como tudo na vida, sempre tudo a mudar. Se calhar passo bocados exageradamente longos em cada personagem, e começo a descontrolar-me. Deixa um dedo de fora, Rosa. Ou a cabeça de fora? Passam mesmo a personagens, as Rosas. Desculpa, não tenho conclusão, e tudo se tornaria demasiadamente longo. A conclusão terá de ser simples. Curta. A matar. Mas nesta sessão não consegui chegar à Rosa que queria. Como no conto sistémico, cada um lhe dá o fim que quiser. Sem esforço. Sem esforço. Ele há-de chegar.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Dois em um
Estou tão perdida…
Então?
Ando aqui às voltas com tanta informação. Estruturas, essências, polaridades, palavras. Há já tempo que estas coisas andavam por aqui a borbulhar. E parece que agora se juntaram todas, numa massa ainda indefinida. Até aquele seminário sobre as polaridades semânticas nas famílias me veio à cabeça. Lembras-te?
Lembro. Comentámo-lo um pouco nesse dia, enquanto comíamos pizza no Prat.
Umas pizzas fantásticas essas. Tenho saudades. Vês, sinto-me tão afastada da realidade. Outra polaridade. Eu e a realidade. Faço parte e não faço parte. Quero voltar a conseguir desfrutar dessas sensações. Conscientemente, e tranquilamente. Mas ter cabeça para as sentir.
Cabeça para as sentir é engraçado.
Mas é a verdade. Quando consigo unir a mente com a sensação mais básica. Tento fazê-lo com estas conversas, e por vezes consigo. Senti-lo. Será a felicidade da mão de que o outro fala?
Se tu o sentes, será o necessário. Um feedback é apenas um feedback. Esta é a tua verdade. Esta água continua má. Eu é que já não noto, ando por aqui há tanto tempo. Sinto muitas vezes que tomei o caminho errado.
Nunca é o caminho errado. É apenas um caminho possível. Fizeste o melhor que podias, a cada momento. Nada de culpas. Desculpa, tomo aqui palavras que não são minhas. Tornaram-se minhas. Ou redescobri-as. Será todo o conhecimento um reconhecimento?
Não entendi esse parágrafo. São várias ideias juntas. Tens de parar essa cabeça, senão torna-se difícil perceber-te.
É que as várias ideias estão juntas. É um trabalho analítico, este de as separar. E parece tornar-se menos verdadeiro quando a faço. A análise. Bem sabes que o todo não é igual à soma das partes. Integrar, integrar. Separo-as para voltar a juntá-las. Há momentos breves em que sinto que o faço. Integrar os dois caminhos. São ambos tu. Sem os dois não faria sentido.
Mas perdi o caminho anterior.
Não…tens consciência dele, de certa forma reganhaste-o. Olho-me repentinamente pelo espelho do computador. Várias vezes me acontece ver uma imagem que julgo não ser eu. Tomo atenção aos pormenores. A curva do olho, a definição da minha boca. Como se estivesse a olhar para um outro que afinal sou eu. Apaixono-me momentaneamente por essa imagem, pelos próprios pormenores. Afinal não é o que fazemos sempre? Descobrimo-nos através dos outros. Os pormenores dos outros. As particularidades dos outros. As qualidades dos outros. Os defeitos dos outros. Que afinal também são nossas. Disse-te que iria mudar de vida, mas não disse que implicações é que isso teria na minha relação contigo. Porque realmente não as sei. Senti cá por dentro que isso iria acontecer. Fosse qual fosse a forma. Caminho entre a luta e a espera. Luto, luto, luto. Por mim. Espero pacientemente, pacientemente, pacientemente. Por mim.
Então?
Ando aqui às voltas com tanta informação. Estruturas, essências, polaridades, palavras. Há já tempo que estas coisas andavam por aqui a borbulhar. E parece que agora se juntaram todas, numa massa ainda indefinida. Até aquele seminário sobre as polaridades semânticas nas famílias me veio à cabeça. Lembras-te?
Lembro. Comentámo-lo um pouco nesse dia, enquanto comíamos pizza no Prat.
Umas pizzas fantásticas essas. Tenho saudades. Vês, sinto-me tão afastada da realidade. Outra polaridade. Eu e a realidade. Faço parte e não faço parte. Quero voltar a conseguir desfrutar dessas sensações. Conscientemente, e tranquilamente. Mas ter cabeça para as sentir.
Cabeça para as sentir é engraçado.
Mas é a verdade. Quando consigo unir a mente com a sensação mais básica. Tento fazê-lo com estas conversas, e por vezes consigo. Senti-lo. Será a felicidade da mão de que o outro fala?
Se tu o sentes, será o necessário. Um feedback é apenas um feedback. Esta é a tua verdade. Esta água continua má. Eu é que já não noto, ando por aqui há tanto tempo. Sinto muitas vezes que tomei o caminho errado.
Nunca é o caminho errado. É apenas um caminho possível. Fizeste o melhor que podias, a cada momento. Nada de culpas. Desculpa, tomo aqui palavras que não são minhas. Tornaram-se minhas. Ou redescobri-as. Será todo o conhecimento um reconhecimento?
Não entendi esse parágrafo. São várias ideias juntas. Tens de parar essa cabeça, senão torna-se difícil perceber-te.
É que as várias ideias estão juntas. É um trabalho analítico, este de as separar. E parece tornar-se menos verdadeiro quando a faço. A análise. Bem sabes que o todo não é igual à soma das partes. Integrar, integrar. Separo-as para voltar a juntá-las. Há momentos breves em que sinto que o faço. Integrar os dois caminhos. São ambos tu. Sem os dois não faria sentido.
Mas perdi o caminho anterior.
Não…tens consciência dele, de certa forma reganhaste-o. Olho-me repentinamente pelo espelho do computador. Várias vezes me acontece ver uma imagem que julgo não ser eu. Tomo atenção aos pormenores. A curva do olho, a definição da minha boca. Como se estivesse a olhar para um outro que afinal sou eu. Apaixono-me momentaneamente por essa imagem, pelos próprios pormenores. Afinal não é o que fazemos sempre? Descobrimo-nos através dos outros. Os pormenores dos outros. As particularidades dos outros. As qualidades dos outros. Os defeitos dos outros. Que afinal também são nossas. Disse-te que iria mudar de vida, mas não disse que implicações é que isso teria na minha relação contigo. Porque realmente não as sei. Senti cá por dentro que isso iria acontecer. Fosse qual fosse a forma. Caminho entre a luta e a espera. Luto, luto, luto. Por mim. Espero pacientemente, pacientemente, pacientemente. Por mim.
domingo, 30 de novembro de 2008
BI
Idade.
30.
Humm. Então diga-me lá.
Precisava de fazer umas análises.
Como assim?
Umas análises ao sangue.
Mas de que se queixa?
Disseram-me que a minha índole era preguiçosa. Queria averiguar isso.
Quem lhe disse?
Alguém. Disse-me que se baseava em factos. E como ando a produzir pouco, gostava de saber se era esse o problema. Ficava resolvido.
Ficava resolvido?
Sim. Se esse é o meu problema, já me posso tratar.
Não existem análises à índole.
Não existem?! Que quer dizer índole?
Carácter. Temperamento. Não é quantificável. E não fazemos análises qualitativas.
E sabe como poderei então averiguar isso?
Terá de auto-analisar-se. Julgo ser a única forma. Ou a mais directa.
Oh!...mas isso é terrível. Posso nunca chegar a conclusão nenhuma.
Será o mais provável, sim.
Mas Dr, eu preciso de me dar um nome. Não aguento viver sem nome. Por favor diga-me de sua justiça sobre a minha índole. Toda a vida me foram dando nomes diferentes para ela. Preciso da opinião de um especialista. Diga-me quem sou por favor. Para a semana vou tirar um novo BI, coisa de que já deveria ter tratado há um ano. Será mais um facto para a história da preguiça? Julgo que não, porque, pensando bem, é um grande passo, e grandes passos necessitam de tempo. E a fotografia tem sempre de mudar. A do BI. Não podemos aceitar uma igual, dizem-me na loja do cidadão, ali nas laranjeiras. Sabemos que foi há pouco tempo, mas a sua cara já não é a mesma. Está outra cidadã, seria uma fraude. De modo que esperei saber a que correspondia a nova cara. E nada. Passou-se o tempo, e continuo uma cara sem nome. Acontece que para a semana…
Não pode adiar? Aproveitava e controlava o seu imediatismo.
O meu imediatismo?
Essa sua necessidade de que tudo seja resolvido no momento.
Ooooh…! O meu imediatismo…! Imediatista e preguiçosa! Mas que conjunto. Dr., e se começar a controlar ou a eliminar esses nomes, fico vazia. Não poderá atribuir-me um nome que me passe a definir positivamente? Queria também algo para manter, para poder eliminar o resto à vontade.
Desculpe, estamos proibidos de o fazer. Há muitos falsos positivos. Para os defeitos, menos mal, pode estar simplesmente a eliminar algo que não tem, e por isso me aventuro. Mas para as qualidades, imagine-se a manter algo que não é...e todos lhe dizemos que tem coisas muito boas. Já a elogiei várias vezes. Não me culpe de não saber quem é. É tarefa sua.
É certo. Eu é que ando perdida com os adjectivos, aqui encafuada. Precisava de uma boa nota, e tenho dificuldade em fazê-lo. Não te vou dar 20 no primeiro período, deixas de trabalhar com a arrogância. Pensas que é tudo assim fácil? Não não não. A vida é dura, minha amiga. No fim do ano, veremos se manténs essas notas. Tens de provar o que vales, tens de provar o que és, sua mimada, sem resistência à frustração, imediatista, preguiçosa, com padrões disfuncionais e sei lá que mais. No fim do ano. No fim. Só mesmo no fim.
30.
Humm. Então diga-me lá.
Precisava de fazer umas análises.
Como assim?
Umas análises ao sangue.
Mas de que se queixa?
Disseram-me que a minha índole era preguiçosa. Queria averiguar isso.
Quem lhe disse?
Alguém. Disse-me que se baseava em factos. E como ando a produzir pouco, gostava de saber se era esse o problema. Ficava resolvido.
Ficava resolvido?
Sim. Se esse é o meu problema, já me posso tratar.
Não existem análises à índole.
Não existem?! Que quer dizer índole?
Carácter. Temperamento. Não é quantificável. E não fazemos análises qualitativas.
E sabe como poderei então averiguar isso?
Terá de auto-analisar-se. Julgo ser a única forma. Ou a mais directa.
Oh!...mas isso é terrível. Posso nunca chegar a conclusão nenhuma.
Será o mais provável, sim.
Mas Dr, eu preciso de me dar um nome. Não aguento viver sem nome. Por favor diga-me de sua justiça sobre a minha índole. Toda a vida me foram dando nomes diferentes para ela. Preciso da opinião de um especialista. Diga-me quem sou por favor. Para a semana vou tirar um novo BI, coisa de que já deveria ter tratado há um ano. Será mais um facto para a história da preguiça? Julgo que não, porque, pensando bem, é um grande passo, e grandes passos necessitam de tempo. E a fotografia tem sempre de mudar. A do BI. Não podemos aceitar uma igual, dizem-me na loja do cidadão, ali nas laranjeiras. Sabemos que foi há pouco tempo, mas a sua cara já não é a mesma. Está outra cidadã, seria uma fraude. De modo que esperei saber a que correspondia a nova cara. E nada. Passou-se o tempo, e continuo uma cara sem nome. Acontece que para a semana…
Não pode adiar? Aproveitava e controlava o seu imediatismo.
O meu imediatismo?
Essa sua necessidade de que tudo seja resolvido no momento.
Ooooh…! O meu imediatismo…! Imediatista e preguiçosa! Mas que conjunto. Dr., e se começar a controlar ou a eliminar esses nomes, fico vazia. Não poderá atribuir-me um nome que me passe a definir positivamente? Queria também algo para manter, para poder eliminar o resto à vontade.
Desculpe, estamos proibidos de o fazer. Há muitos falsos positivos. Para os defeitos, menos mal, pode estar simplesmente a eliminar algo que não tem, e por isso me aventuro. Mas para as qualidades, imagine-se a manter algo que não é...e todos lhe dizemos que tem coisas muito boas. Já a elogiei várias vezes. Não me culpe de não saber quem é. É tarefa sua.
É certo. Eu é que ando perdida com os adjectivos, aqui encafuada. Precisava de uma boa nota, e tenho dificuldade em fazê-lo. Não te vou dar 20 no primeiro período, deixas de trabalhar com a arrogância. Pensas que é tudo assim fácil? Não não não. A vida é dura, minha amiga. No fim do ano, veremos se manténs essas notas. Tens de provar o que vales, tens de provar o que és, sua mimada, sem resistência à frustração, imediatista, preguiçosa, com padrões disfuncionais e sei lá que mais. No fim do ano. No fim. Só mesmo no fim.
sábado, 22 de novembro de 2008
Por me teres obrigado a comer (clique aqui)
Porque pediste esta música?
Não sei bem. Ando a acordar a trauteá-la. Conheces-me, sabes como isto me acontece tantas vezes.
Sim, uma característica tua engraçada. Um traço obsessivo numa cabeça criativa.
Oh…só tu para falares de mim dessa maneira.
Porque te conheço. E ao contrário do que diz o João, o meu traço, também obsessivo, de tanto escolher as palavras, tem a ver com o facto de não te querer reduzir a elas. Não é medo de revelar demais, mas sim de menos.
Não sei se tem a ver com os meus sonhos…Esta escolha.
Sonhos que tens tido?
Não falava desses. Antes uma certa nostalgia de sonhos futuros passados. Com a perfeita consciência de que hoje em dia não fariam sentido, mas sinto uma certa ternura por eles. Passou mais de um ano.
Sim. Estás diferente. De certa forma mais parecida com o que já conheci de ti há mais tempo. Sabes que construímos a trajectória da nossa história desde pequenos. Dão-nos histórias possíveis, dentro de um leque mais ou menos variado. Nichos, ou lugares mais ou menos fixos, com formas também elas mais ou menos fixas de nascer, crescer, lutar, esperar, morrer. É duro constatar que se calhar temos de mudar. As nossas trajectórias. E não é só à conta dos acasos.
Queria agradecer-te por tudo. Um longo e ao mesmo tempo rápido ano para mim. Por me teres acolhido em tua casa naquele dia, e me teres obrigado a comer. Por acreditares tanto em mim. Por me ouvires tantas horas com discursos tão iguais. Por me teres garantido que ia passar sem que ficasse amarga. Por me teres dito que tudo ia correr bem, porque não podia ser de outra maneira. Por me admirares e o dizeres. Pelos emails diários. Por compreenderes o mesmo esqueleto por baixo do farrapo. Por me deixares ajudar-te. Por comentares os meus textos. Por sempre teres achado que o que diziam ser uma fragilidade minha para ti era uma força. És forte e frágil pelas mesmas razões, e não deram conta. Passaram ao lado, não perceberam nada. Inês, Rosa, Maria, Marília, João, António, José era o meu avô, que acabo de me lembrar dele. Imagina que me alertou na véspera, e nós que pensávamos que ele não estaria muito bem. O mais lúcido. Por te rires tanto comigo, e isso é a melhor prenda que me podem dar. Este texto é nostálgico, que é como eu estou hoje. Para não utilizar outros rótulos para estes estados. Não gosto de fazer destes textos diários sentimentais, com música de fundo a alimentar-me as lágrimas. Mas repara, não é tão dramática como o seria há uns anos, e contém esperança. A função auto-terapêutica sobrepõe-se neste caso, e por isso escrevo. Escrevo. Escrevo. Porque também mereço dar-me tréguas. Porque preciso de ir dormir. Porque já passou mais de um ano.
Não sei bem. Ando a acordar a trauteá-la. Conheces-me, sabes como isto me acontece tantas vezes.
Sim, uma característica tua engraçada. Um traço obsessivo numa cabeça criativa.
Oh…só tu para falares de mim dessa maneira.
Porque te conheço. E ao contrário do que diz o João, o meu traço, também obsessivo, de tanto escolher as palavras, tem a ver com o facto de não te querer reduzir a elas. Não é medo de revelar demais, mas sim de menos.
Não sei se tem a ver com os meus sonhos…Esta escolha.
Sonhos que tens tido?
Não falava desses. Antes uma certa nostalgia de sonhos futuros passados. Com a perfeita consciência de que hoje em dia não fariam sentido, mas sinto uma certa ternura por eles. Passou mais de um ano.
Sim. Estás diferente. De certa forma mais parecida com o que já conheci de ti há mais tempo. Sabes que construímos a trajectória da nossa história desde pequenos. Dão-nos histórias possíveis, dentro de um leque mais ou menos variado. Nichos, ou lugares mais ou menos fixos, com formas também elas mais ou menos fixas de nascer, crescer, lutar, esperar, morrer. É duro constatar que se calhar temos de mudar. As nossas trajectórias. E não é só à conta dos acasos.
Queria agradecer-te por tudo. Um longo e ao mesmo tempo rápido ano para mim. Por me teres acolhido em tua casa naquele dia, e me teres obrigado a comer. Por acreditares tanto em mim. Por me ouvires tantas horas com discursos tão iguais. Por me teres garantido que ia passar sem que ficasse amarga. Por me teres dito que tudo ia correr bem, porque não podia ser de outra maneira. Por me admirares e o dizeres. Pelos emails diários. Por compreenderes o mesmo esqueleto por baixo do farrapo. Por me deixares ajudar-te. Por comentares os meus textos. Por sempre teres achado que o que diziam ser uma fragilidade minha para ti era uma força. És forte e frágil pelas mesmas razões, e não deram conta. Passaram ao lado, não perceberam nada. Inês, Rosa, Maria, Marília, João, António, José era o meu avô, que acabo de me lembrar dele. Imagina que me alertou na véspera, e nós que pensávamos que ele não estaria muito bem. O mais lúcido. Por te rires tanto comigo, e isso é a melhor prenda que me podem dar. Este texto é nostálgico, que é como eu estou hoje. Para não utilizar outros rótulos para estes estados. Não gosto de fazer destes textos diários sentimentais, com música de fundo a alimentar-me as lágrimas. Mas repara, não é tão dramática como o seria há uns anos, e contém esperança. A função auto-terapêutica sobrepõe-se neste caso, e por isso escrevo. Escrevo. Escrevo. Porque também mereço dar-me tréguas. Porque preciso de ir dormir. Porque já passou mais de um ano.
domingo, 9 de novembro de 2008
Desencontros opacos
Esse livro não é teu.
Como?
O livro a fechar. Não é teu, acho que me interpretaste mal. Não estava a falar de ti. Vim para cá a pensar nestes equívocos. Por vezes a transparência é impossível. Quero tanto clarificar esta cabeça.
Andamos todos assim.
Nem todos, mas bastantes, sim. Esta pressão, esta tensão, esta urgência. Desculpa ter ido buscar estas palavras, só agora dei conta que são repetidas de outro contexto. Somos assim, sempre a repetir-nos, sempre a repetir-nos. Animais de hábitos. Ter consciência de alguns deles pode-nos fazer conseguir mudar.
Era bom este filme.
Era. Tantos rodeios. Pensei várias vezes antes de ser explícita, e a Dolly Bell a insinuar-se no ecrã, e as torradas com queijo, e a ternura por alguém que esteve lá, na altura certa, no momento certo. Acho que é o que procuramos todos. Já viste que a relação com os terapeutas não é senão isso? Alguém preocupado connosco durante uma hora. Uma reprodução do que procuramos. Andava bem sozinha, Raul. E juro-te que esta aproximação não foi deliberada ou estratégica. Dizem-me em sessão que mudei tanto, como conseguiu tomar essa decisão em prol de um longo prazo mais adaptado, e eu que sim, que contente que estou com o facto deste hábito, ou rotina, ou padrão ter sido cortado. Pena que tenha sido contigo, Raul. E depois não é que é o Raul que me telefona e se preocupa? Um mistério. E tudo ficou repentinamente mais tranquilo nessa nossa relação, nesse dia, nessa altura. Um acaso exterior, uma catástrofe, uma desgraça. Acho que me mudou o comportamento com ele, e ele comigo, e cá está o famoso “nós” das aulas do último ano. E a verdade é que estava a precisar que me dessem uma torrada com queijo. No livro que tenho a fechar esqueceram-se de me dar torradas. Ou não podiam, ou eu não as soube receber, não quero vitimizar-me. Sim, estou a dirigir-me a ti.
A mim?
Não, isto são devaneios meus, bem sabes que as personagens podem ir mudando. Melhor, elas são quase sempre várias. O que acontece é que algumas vezes isso se torna mais explícito do que outras. Estranho é que quando o conteúdo é mais sentido, e, parece-me até, mais real, normalmente perde-se a lógica. Não sejas narcísico, este texto não é sobre ti.
Narcísica és tu, que te escreves a achar que alguém te sente. Que sente contigo. Já devias saber que isso é impossível.
Pois é. O que me perturbou verdadeiramente estes dias foi a constatação, mais uma vez, dessa solidão. E de como o mundo está do avesso. E de como nos podemos perder, todos, no meio desse avesso. E de como se podem formar angústias, ou vazios, em espaços aparentemente tão cheios, tão cheios tão cheios que começam a perder o sentido. E ele até é simples. Gosto muito de ti. Desculpa ter-me esquecido tantas vezes de o dizer.
Como?
O livro a fechar. Não é teu, acho que me interpretaste mal. Não estava a falar de ti. Vim para cá a pensar nestes equívocos. Por vezes a transparência é impossível. Quero tanto clarificar esta cabeça.
Andamos todos assim.
Nem todos, mas bastantes, sim. Esta pressão, esta tensão, esta urgência. Desculpa ter ido buscar estas palavras, só agora dei conta que são repetidas de outro contexto. Somos assim, sempre a repetir-nos, sempre a repetir-nos. Animais de hábitos. Ter consciência de alguns deles pode-nos fazer conseguir mudar.
Era bom este filme.
Era. Tantos rodeios. Pensei várias vezes antes de ser explícita, e a Dolly Bell a insinuar-se no ecrã, e as torradas com queijo, e a ternura por alguém que esteve lá, na altura certa, no momento certo. Acho que é o que procuramos todos. Já viste que a relação com os terapeutas não é senão isso? Alguém preocupado connosco durante uma hora. Uma reprodução do que procuramos. Andava bem sozinha, Raul. E juro-te que esta aproximação não foi deliberada ou estratégica. Dizem-me em sessão que mudei tanto, como conseguiu tomar essa decisão em prol de um longo prazo mais adaptado, e eu que sim, que contente que estou com o facto deste hábito, ou rotina, ou padrão ter sido cortado. Pena que tenha sido contigo, Raul. E depois não é que é o Raul que me telefona e se preocupa? Um mistério. E tudo ficou repentinamente mais tranquilo nessa nossa relação, nesse dia, nessa altura. Um acaso exterior, uma catástrofe, uma desgraça. Acho que me mudou o comportamento com ele, e ele comigo, e cá está o famoso “nós” das aulas do último ano. E a verdade é que estava a precisar que me dessem uma torrada com queijo. No livro que tenho a fechar esqueceram-se de me dar torradas. Ou não podiam, ou eu não as soube receber, não quero vitimizar-me. Sim, estou a dirigir-me a ti.
A mim?
Não, isto são devaneios meus, bem sabes que as personagens podem ir mudando. Melhor, elas são quase sempre várias. O que acontece é que algumas vezes isso se torna mais explícito do que outras. Estranho é que quando o conteúdo é mais sentido, e, parece-me até, mais real, normalmente perde-se a lógica. Não sejas narcísico, este texto não é sobre ti.
Narcísica és tu, que te escreves a achar que alguém te sente. Que sente contigo. Já devias saber que isso é impossível.
Pois é. O que me perturbou verdadeiramente estes dias foi a constatação, mais uma vez, dessa solidão. E de como o mundo está do avesso. E de como nos podemos perder, todos, no meio desse avesso. E de como se podem formar angústias, ou vazios, em espaços aparentemente tão cheios, tão cheios tão cheios que começam a perder o sentido. E ele até é simples. Gosto muito de ti. Desculpa ter-me esquecido tantas vezes de o dizer.
domingo, 2 de novembro de 2008
Reflecting Team
Estão cá há dois anos. Não podemos fazer mais do mesmo.
É o tempo deles. Podem demorar muito tempo até mudar. Há personalidades muito complicadas.
Não sei o que isso quer dizer.
Não me digas que não sentes que existem problemas mais complicados do que outros.
Claro que sinto. Simplesmente porque eu não os sei resolver, ou ajudar a resolver. Parecem-me sempre defesas de quem não sabe o que fazer. Resistências dos clientes, dizem. Porque não resistências nossas? Não estou a saber sair deste buraco. É simples.
Então com o que trabalhas?
Com o que me trazem. A leitura centrada no texto. Claro que tenho uma leitura própria, minha. Afinal é para isso que aqui estão. Mas nada me leva a crer que seja mais verdadeira ou mais profunda do que qualquer outra. E qual seria o critério?
Para quê?
Para saberes que lá chegaste. À verdade. E de que te serve? Ou a eles? Há dois anos que tentas entender profundamente o que se passa ali. Por trás. Talvez interesse mais perceber o que se passa aqui. O que já por si é bastante complicado. Já reparaste que das duas vezes que abanaste houve mudanças? Parece-me um feito mais interessante do que tecer considerações sobre o grau de espiritualidade dele.
Eu não te entendo. Uma das tuas grelhas de análise é o tipo de processo narrativo. Parece que um aumento da reflexividade está associado ao sucesso da terapia. Não é isso um modelo de análise como outro qualquer? Apenas mudam as palavras.
Agora já és tu mesma a criticar-te, Rosa. Acho bem que o faças, pensam que estás em casa sem fazer nada, sem fazer nada. Escreve Rosa, escreve! Há uma hora nessa posição invertida, não sei como aguentas tanto tempo a pensar no mesmo assunto. Que cansaço. É uma grelha de análise do discurso. E as categorias surgiram-me do próprio texto. Analiso a linha que aparece, não leio entrelinhas.
Nunca é só do próprio texto. És sempre afectada por conceitos. E um conceito é sempre teórico. A linguagem é apenas linguagem, ainda que descritiva e que não pretenda evocar nada mais que o facto. Já reparaste que às vezes descrever tranquiliza? Porque será? As explicações que dás são dadas pela própria lógica linguística, e não pela verdade. Ou pelo menos pela verdade que imaginas.
Esse será um dos problemas. São pessoas que ali estão, do outro lado do espelho. Acho que também nos compete a nós ter cuidado. Cuidado com as imitações.
É o tempo deles. Podem demorar muito tempo até mudar. Há personalidades muito complicadas.
Não sei o que isso quer dizer.
Não me digas que não sentes que existem problemas mais complicados do que outros.
Claro que sinto. Simplesmente porque eu não os sei resolver, ou ajudar a resolver. Parecem-me sempre defesas de quem não sabe o que fazer. Resistências dos clientes, dizem. Porque não resistências nossas? Não estou a saber sair deste buraco. É simples.
Então com o que trabalhas?
Com o que me trazem. A leitura centrada no texto. Claro que tenho uma leitura própria, minha. Afinal é para isso que aqui estão. Mas nada me leva a crer que seja mais verdadeira ou mais profunda do que qualquer outra. E qual seria o critério?
Para quê?
Para saberes que lá chegaste. À verdade. E de que te serve? Ou a eles? Há dois anos que tentas entender profundamente o que se passa ali. Por trás. Talvez interesse mais perceber o que se passa aqui. O que já por si é bastante complicado. Já reparaste que das duas vezes que abanaste houve mudanças? Parece-me um feito mais interessante do que tecer considerações sobre o grau de espiritualidade dele.
Eu não te entendo. Uma das tuas grelhas de análise é o tipo de processo narrativo. Parece que um aumento da reflexividade está associado ao sucesso da terapia. Não é isso um modelo de análise como outro qualquer? Apenas mudam as palavras.
Agora já és tu mesma a criticar-te, Rosa. Acho bem que o faças, pensam que estás em casa sem fazer nada, sem fazer nada. Escreve Rosa, escreve! Há uma hora nessa posição invertida, não sei como aguentas tanto tempo a pensar no mesmo assunto. Que cansaço. É uma grelha de análise do discurso. E as categorias surgiram-me do próprio texto. Analiso a linha que aparece, não leio entrelinhas.
Nunca é só do próprio texto. És sempre afectada por conceitos. E um conceito é sempre teórico. A linguagem é apenas linguagem, ainda que descritiva e que não pretenda evocar nada mais que o facto. Já reparaste que às vezes descrever tranquiliza? Porque será? As explicações que dás são dadas pela própria lógica linguística, e não pela verdade. Ou pelo menos pela verdade que imaginas.
Esse será um dos problemas. São pessoas que ali estão, do outro lado do espelho. Acho que também nos compete a nós ter cuidado. Cuidado com as imitações.
sábado, 25 de outubro de 2008
Estruturas dissipativas
Terá de ser de chofre. Porque já não sei se é de estar vazia ou demasiado cheia que ando com esta dificuldade. Em falar. E não digam que não é uma conversa, porque os teóricos dizem que é sempre para um outro. Assim que desta vez tem de ser desta forma, João. Vi-vos há bocado aos dois no jardim. Tenho dificuldade em perceber as imagens, não sabia de início se eram dois se um, e depois lá vi a outra cabeça mais claramente. Achei tão bonita a imagem das cabeças tombadas que me perguntei se serei eu que já não me lembro da sensação.
És tu.
Pois serei. Já só penso em estruturas. Lembrei-me agora das estruturas dissipativas, mas não me lembro exactamente do que se trata. Ponho rapidamente a expressão no Google. Sistemas vivos não lineares, afastados do equilíbrio, nos quais a instabilidade leva a novas formas de comportamento e consequentemente novas ordens e estruturas, diferentes das anteriores. A memória é uma coisa esquisita, é engraçado como as coisas se ligam. Ando com demasiada informação na cabeça.
Terás de a ordenar novamente. À informação.
Sim. Mas quero ordená-la de uma forma diferente. E isso só conseguirei com um montante de imprevisibilidade e instabilidade suficientes. Espero é que não sejam suficientes para me desestruturar tudo o resto. Telefona, marca, envia os papéis, faz o relatório, documentários, fotografias, teatro, análise da sessão, entrevistas, júris, orçamentos, cinema, música, aproveita que isto não dura sempre e estamos em crise. Tu já viste, Guida? Hoje não me apeteceu sair da cama. Estarei a deprimir? Mal pus a hipótese levantei-me logo.
É a chegada do inverno. Só isso.
Só isso? O “só” é mal aplicado se “isso” me provocar estados depressivos.
Significa que estás bem. Teres-te levantado. Estás mesmo diferente.
Parece que sim. Vejo-o concretamente por aqui. Aliás, é o que tiro de melhor desta situação, a constatação da outra que afinal sou eu. Disse-me que bem sabia que eu existia escondida, lá no fundo. Eu fiquei contente, claro, mas comecei a pensar nisto dos fundos e como podia conciliar as minhas considerações teóricas com o bom que era ouvir o que ela me dizia. Que o meu verdadeiro fundo tinha vindo finalmente de novo ao de cima. Não podia simplesmente dizer “mentira! Isso não existe”. E eliminar o gozo que me dá sentir que isso é verdade. Mesmo que seja uma invenção. Quero poder gozá-la, que afinal é para isso que ela serve. Falo da invenção do fundo. Ou das estruturas. E se pensarmos, as teorias da mudança pressupõem uma transformação para algo definido, organizado. Dizer que não há definição parece-me um contra-senso. É com hífen, não é? Vou tentando conglomerar os vários fundos num só.
O que pretendes com estes discursos?
Não sei bem. Talvez reorganizar. Ou que as palavras se reorganizem por mim e formem novos estados. Mais claramente ou conscientemente organizados. Provisoriamente, e quem sabe até quando, encontro-me assim.
És tu.
Pois serei. Já só penso em estruturas. Lembrei-me agora das estruturas dissipativas, mas não me lembro exactamente do que se trata. Ponho rapidamente a expressão no Google. Sistemas vivos não lineares, afastados do equilíbrio, nos quais a instabilidade leva a novas formas de comportamento e consequentemente novas ordens e estruturas, diferentes das anteriores. A memória é uma coisa esquisita, é engraçado como as coisas se ligam. Ando com demasiada informação na cabeça.
Terás de a ordenar novamente. À informação.
Sim. Mas quero ordená-la de uma forma diferente. E isso só conseguirei com um montante de imprevisibilidade e instabilidade suficientes. Espero é que não sejam suficientes para me desestruturar tudo o resto. Telefona, marca, envia os papéis, faz o relatório, documentários, fotografias, teatro, análise da sessão, entrevistas, júris, orçamentos, cinema, música, aproveita que isto não dura sempre e estamos em crise. Tu já viste, Guida? Hoje não me apeteceu sair da cama. Estarei a deprimir? Mal pus a hipótese levantei-me logo.
É a chegada do inverno. Só isso.
Só isso? O “só” é mal aplicado se “isso” me provocar estados depressivos.
Significa que estás bem. Teres-te levantado. Estás mesmo diferente.
Parece que sim. Vejo-o concretamente por aqui. Aliás, é o que tiro de melhor desta situação, a constatação da outra que afinal sou eu. Disse-me que bem sabia que eu existia escondida, lá no fundo. Eu fiquei contente, claro, mas comecei a pensar nisto dos fundos e como podia conciliar as minhas considerações teóricas com o bom que era ouvir o que ela me dizia. Que o meu verdadeiro fundo tinha vindo finalmente de novo ao de cima. Não podia simplesmente dizer “mentira! Isso não existe”. E eliminar o gozo que me dá sentir que isso é verdade. Mesmo que seja uma invenção. Quero poder gozá-la, que afinal é para isso que ela serve. Falo da invenção do fundo. Ou das estruturas. E se pensarmos, as teorias da mudança pressupõem uma transformação para algo definido, organizado. Dizer que não há definição parece-me um contra-senso. É com hífen, não é? Vou tentando conglomerar os vários fundos num só.
O que pretendes com estes discursos?
Não sei bem. Talvez reorganizar. Ou que as palavras se reorganizem por mim e formem novos estados. Mais claramente ou conscientemente organizados. Provisoriamente, e quem sabe até quando, encontro-me assim.
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Desencontros transparentes
Gostas?
Gosto. Mas não têm pessoas.
Pois não.
Porquê?
Não sei. Deve ser medo. Não quero que fiquem marcas.
Ora, mas não és tu que dizes que as marcas são bonitas? E necessárias.
É verdade. Mas também eu não quero sofrer. E o que digo, sobretudo, é que não podemos deixar de viver. Sempre com um pé atrás, sempre com um pé atrás.
Engraçado, há bem pouco tempo alguém se queixava de mim no sentido contrário. Será talvez melhor os dois pés lado a lado. O que não quer dizer que não dês tudo, ou que não te dês todo. Põe quanto és no mínimo que fazes. Por acaso pergunto-me como conjugar as duas coisas. Teremos de ter a transbordar. Tenho a sensação de que quando o pé está à frente, também não será bom sinal. Parece que damos, mas o que realmente queremos é ir buscar.
Antes de darmos um ao outro, se calhar temos de nos dar a nós mesmos.
Não podia estar mais de acordo.
Achas que só pode dar quem recebeu? É uma dúvida que tenho.
Bom, esse foi tema de um texto antigo. Ainda não fazias parte da minha vida. Estes encontros, e até os desencontros, às vezes não parecem acaso. Mas não, acho difícil alguém dar sem ter recebido. No entanto, passados estes dias, comecei a pensar que a resposta não seria tão imediata. Pode ser que a consciência do que se passa nos permita auto-enchermo-nos, ainda que no passado não tenhamos recebido. Essa sim, julgo que é condição essencial. Para dar.
Dar e receber. No fundo é o que andamos todos aqui a fazer. Seja qual for a forma.
É verdade. A melhor coisa do mundo. Dar. Mais do que receber. Ouvi isto quando tinha 12 anos, e julgo que agora entendo. Tenho muita pena. De te ter encontrado neste tempo e neste espaço. Tem seguramente a sua função, para mim e para ti. E as condições estão sempre a mudar. Desculpa, lá começo eu a chorar. Ando assim, uma esponja. Tudo me comove.
Não peças desculpa por isso. É uma bonita imagem, a de alguém a expor-se e ao que sente. Um sinal de coragem. Comove-me a tua transparência.
Tiras-me uma fotografia? Acho que é do que mais gostas. De fotografias. Talvez consigas captá-la. À minha transparência. Nunca pares de o fazer.
Gosto. Mas não têm pessoas.
Pois não.
Porquê?
Não sei. Deve ser medo. Não quero que fiquem marcas.
Ora, mas não és tu que dizes que as marcas são bonitas? E necessárias.
É verdade. Mas também eu não quero sofrer. E o que digo, sobretudo, é que não podemos deixar de viver. Sempre com um pé atrás, sempre com um pé atrás.
Engraçado, há bem pouco tempo alguém se queixava de mim no sentido contrário. Será talvez melhor os dois pés lado a lado. O que não quer dizer que não dês tudo, ou que não te dês todo. Põe quanto és no mínimo que fazes. Por acaso pergunto-me como conjugar as duas coisas. Teremos de ter a transbordar. Tenho a sensação de que quando o pé está à frente, também não será bom sinal. Parece que damos, mas o que realmente queremos é ir buscar.
Antes de darmos um ao outro, se calhar temos de nos dar a nós mesmos.
Não podia estar mais de acordo.
Achas que só pode dar quem recebeu? É uma dúvida que tenho.
Bom, esse foi tema de um texto antigo. Ainda não fazias parte da minha vida. Estes encontros, e até os desencontros, às vezes não parecem acaso. Mas não, acho difícil alguém dar sem ter recebido. No entanto, passados estes dias, comecei a pensar que a resposta não seria tão imediata. Pode ser que a consciência do que se passa nos permita auto-enchermo-nos, ainda que no passado não tenhamos recebido. Essa sim, julgo que é condição essencial. Para dar.
Dar e receber. No fundo é o que andamos todos aqui a fazer. Seja qual for a forma.
É verdade. A melhor coisa do mundo. Dar. Mais do que receber. Ouvi isto quando tinha 12 anos, e julgo que agora entendo. Tenho muita pena. De te ter encontrado neste tempo e neste espaço. Tem seguramente a sua função, para mim e para ti. E as condições estão sempre a mudar. Desculpa, lá começo eu a chorar. Ando assim, uma esponja. Tudo me comove.
Não peças desculpa por isso. É uma bonita imagem, a de alguém a expor-se e ao que sente. Um sinal de coragem. Comove-me a tua transparência.
Tiras-me uma fotografia? Acho que é do que mais gostas. De fotografias. Talvez consigas captá-la. À minha transparência. Nunca pares de o fazer.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Redescobrir (clique aqui)
Já viste esta gaveta?
Essa ainda não.
Está cheia de papéis e de recortes de jornal. Cartas, e rascunhos de cartas.
O que dizem?
Contam histórias. Sabes como adoro estas coisas. Fico com a visão do conjunto e do individual. Descobrir as pessoas comove-me. Mais ainda quando têm alguma ligação comigo.
Porque achas que temos essa necessidade? De conhecer a nossa história, que afinal nem é nossa?
Bem, nem toda a gente deve ter essa necessidade.
Julgo ser bastante geral. Muitas pessoas vão à procura das origens.
Raízes. Fazem parte da tua identidade. Um tema muito presente por aqui. Que anda a par e passo com o da mudança, parece-me. Memórias que talvez nos ajudem a sentirmo-nos nós. Somos vários. No entanto julgamo-nos um.
Parece que tem a ver com a confiança entre as pessoas.
Como assim?
Bom, não sei será a razão. Ou sequer uma das razões, mas faz-me sentido. Definires-te como algo estável permite aos outros saberem com o que contam, e estabeleceres relações de confiança. Agora que penso nisso, será que este meu gosto em perceber as pessoas tem a ver com a necessidade de controlo?
É melhor dizeres estabilidade. Ou previsão. Controlo parece patológico.
É bastante estranho pensar que tudo se resume a isso. Há quem diga que somos todos cebolas. Que imagem feia esta das cebolas. Enfim, algo com várias camadas. Vais descascando, e ao contrário do que pensas não sobra nada. Ou sobram as várias capas todas soltas. Talvez a estabilidade esteja naquilo que as une. Uma espécie de rede que as liga.
Achas então que não existe núcleo…
Acho que acaba por ser construído algo que se mantém, e gosto mais da imagem da rede. Lembro-me de um dia, naquele jogo dos animais, me atribuírem um camaleão. Não sei se não terás sido tu! Fiquei estranhamente triste, talvez por ter entendido que me queriam dizer que não era constante. Disseram-me entretanto que a imagem era de flexibilidade e adaptação. Já viste como as palavras mudam tudo?
Mesmo tudo. Será que a rede é feita delas? Das palavras.
Por favor, não saltes agora para o tema das palavras. É tão tarde, e ainda não fizemos metade do que devíamos. Vê o que encontrei aqui.
Essa ainda não.
Está cheia de papéis e de recortes de jornal. Cartas, e rascunhos de cartas.
O que dizem?
Contam histórias. Sabes como adoro estas coisas. Fico com a visão do conjunto e do individual. Descobrir as pessoas comove-me. Mais ainda quando têm alguma ligação comigo.
Porque achas que temos essa necessidade? De conhecer a nossa história, que afinal nem é nossa?
Bem, nem toda a gente deve ter essa necessidade.
Julgo ser bastante geral. Muitas pessoas vão à procura das origens.
Raízes. Fazem parte da tua identidade. Um tema muito presente por aqui. Que anda a par e passo com o da mudança, parece-me. Memórias que talvez nos ajudem a sentirmo-nos nós. Somos vários. No entanto julgamo-nos um.
Parece que tem a ver com a confiança entre as pessoas.
Como assim?
Bom, não sei será a razão. Ou sequer uma das razões, mas faz-me sentido. Definires-te como algo estável permite aos outros saberem com o que contam, e estabeleceres relações de confiança. Agora que penso nisso, será que este meu gosto em perceber as pessoas tem a ver com a necessidade de controlo?
É melhor dizeres estabilidade. Ou previsão. Controlo parece patológico.
É bastante estranho pensar que tudo se resume a isso. Há quem diga que somos todos cebolas. Que imagem feia esta das cebolas. Enfim, algo com várias camadas. Vais descascando, e ao contrário do que pensas não sobra nada. Ou sobram as várias capas todas soltas. Talvez a estabilidade esteja naquilo que as une. Uma espécie de rede que as liga.
Achas então que não existe núcleo…
Acho que acaba por ser construído algo que se mantém, e gosto mais da imagem da rede. Lembro-me de um dia, naquele jogo dos animais, me atribuírem um camaleão. Não sei se não terás sido tu! Fiquei estranhamente triste, talvez por ter entendido que me queriam dizer que não era constante. Disseram-me entretanto que a imagem era de flexibilidade e adaptação. Já viste como as palavras mudam tudo?
Mesmo tudo. Será que a rede é feita delas? Das palavras.
Por favor, não saltes agora para o tema das palavras. É tão tarde, e ainda não fizemos metade do que devíamos. Vê o que encontrei aqui.
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Impurezas
Vais-te embora?
Vou.
Porquê?
Não aguento mais. Preciso de alguma pureza. Assim transforma-se num inferno.
Deixaste de gostar de mim?
Que dizes? Claro que não.
Daquela forma pura do início.
Isso talvez. Mas calculo que não possa ser de outra maneira. A pureza do sentimento não se mantém. Ou talvez se mantenha em melhor estado, em algumas relações de amizade. Todas são relações de força, mas algumas conseguem conter afectos tão puros que me comovem. Tenho uma ou outra relação assim. Por acaso, é bastante incrível que elas existam.
Achas que o amor não é assim? Puro.
Também são de amor, essas relações. Se falas de relações de casal, acho que não. A não ser que a pureza do início se consiga manter de alguma forma. E pensando bem, não sei se a pureza é inicial se é construída.
Depende do que entendes por pureza. A inicial parece-me algo mais visceral, menos pensada. E será nesse sentido que parece mais pura. Mas tens razão, se virmos bem, tem mais a ver connosco do que com o outro. Esse sentimento. Há alturas em que sinto que com pouco cuidado me posso apaixonar por uma bicicleta. De certa forma é uma relação pura, também essa.
Que queres dizer com pouco cuidado?
Não ter muita consciência de que as razões podem não ser as melhores. Sempre estes equilíbrios. Pensado. Intuitivo. Ordem. Desordem.
Estás a misturar ideias de textos anteriores. São um mistério. Os casais. Dos sistemas mais complexos que conheço. A transformação do ser amado em real, e o ganhar de novos sentimentos dá-nos a sensação, se calhar verdadeira, desse sentimento ganhar impurezas. E depois a consciência de que o inicial não era tão bonito como pensávamos, porque mais baseado em faltas nossas do que nas qualidades que adivinhávamos no outro.
O que é um sentimento bonito?
Deste leite à gata?
Dei. Podes ir à vontade.
Vou.
Porquê?
Não aguento mais. Preciso de alguma pureza. Assim transforma-se num inferno.
Deixaste de gostar de mim?
Que dizes? Claro que não.
Daquela forma pura do início.
Isso talvez. Mas calculo que não possa ser de outra maneira. A pureza do sentimento não se mantém. Ou talvez se mantenha em melhor estado, em algumas relações de amizade. Todas são relações de força, mas algumas conseguem conter afectos tão puros que me comovem. Tenho uma ou outra relação assim. Por acaso, é bastante incrível que elas existam.
Achas que o amor não é assim? Puro.
Também são de amor, essas relações. Se falas de relações de casal, acho que não. A não ser que a pureza do início se consiga manter de alguma forma. E pensando bem, não sei se a pureza é inicial se é construída.
Depende do que entendes por pureza. A inicial parece-me algo mais visceral, menos pensada. E será nesse sentido que parece mais pura. Mas tens razão, se virmos bem, tem mais a ver connosco do que com o outro. Esse sentimento. Há alturas em que sinto que com pouco cuidado me posso apaixonar por uma bicicleta. De certa forma é uma relação pura, também essa.
Que queres dizer com pouco cuidado?
Não ter muita consciência de que as razões podem não ser as melhores. Sempre estes equilíbrios. Pensado. Intuitivo. Ordem. Desordem.
Estás a misturar ideias de textos anteriores. São um mistério. Os casais. Dos sistemas mais complexos que conheço. A transformação do ser amado em real, e o ganhar de novos sentimentos dá-nos a sensação, se calhar verdadeira, desse sentimento ganhar impurezas. E depois a consciência de que o inicial não era tão bonito como pensávamos, porque mais baseado em faltas nossas do que nas qualidades que adivinhávamos no outro.
O que é um sentimento bonito?
Deste leite à gata?
Dei. Podes ir à vontade.
sábado, 20 de setembro de 2008
Explica-me
Diz qualquer coisa, por favor.
Que queres que te diga? Já disseste tudo.
E entendes?
De certa forma.
Por favor não comeces com essa linguagem que quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. Já viste como nos podemos dar tão bem durante tanto tempo, e de repente discordar e não conseguir resolver uma situação?
Depende do que quiseres dizer com resolver.
Procuro encontrar soluções. E um sistema só gera problemas que é capaz de resolver.
Não encontrar uma solução pode ser uma solução. Ou não a procurar.
Não acredito nisso. Se tens uma dor fazes por tirá-la. E para isso fazes um esforço para entendê-la, de uma ou de outra maneira. Dá-te poder sobre ela. A dor.
As coisas tornam-se mais complicadas com as pessoas. Os motivos ou as causas não são evidentes. Não conheces a experiência em que as pessoas atribuíram razões para o que tinham feito que nada tinham a ver com as razões verdadeiras?
Achas que todas as razões são falsas? Agimos antes e pensamos depois?
Não sei. Mas a experiência sugeria isso. Ou pelo menos que explicamos depois, baseados em dados conscientes.
Bom, mas isso não quer dizer que não as dês. Explicações. São necessárias. Ou não? Porque quer queiras quer não, todos atribuímos explicações às coisas. E o pior é que as interpretamos com base nas experiências anteriores. Cada um de nós estabelece regras para entender os outros e a nossa relação com eles. Um susto.
Gostava que me desses uma explicação lógica, ainda que falsa. Se tu e eu acharmos que ela é verdadeira, e isso me apaziguar…
E o que pode fazer com que ela seja considerada verdadeira por ti? Porque a explicação que te dou é baseada na minha interpretação, que pode não te servir…de acordo com as tuas experiências anteriores.
Sim, mas fomos criando uma lógica comum. De palavras. Que pode não ser a mesma dos afectos. E no final é a única coisa que interessa. Os afectos. Essa tradução será talvez um dos problemas. Mas se calhar tens razão, é uma inevitabilidade. Porque choras? Explica-me, por favor. Gosto tanto de ti…
Porque a minha sandália se estragou. Estava a precisar de um bom motivo.
Que queres que te diga? Já disseste tudo.
E entendes?
De certa forma.
Por favor não comeces com essa linguagem que quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. Já viste como nos podemos dar tão bem durante tanto tempo, e de repente discordar e não conseguir resolver uma situação?
Depende do que quiseres dizer com resolver.
Procuro encontrar soluções. E um sistema só gera problemas que é capaz de resolver.
Não encontrar uma solução pode ser uma solução. Ou não a procurar.
Não acredito nisso. Se tens uma dor fazes por tirá-la. E para isso fazes um esforço para entendê-la, de uma ou de outra maneira. Dá-te poder sobre ela. A dor.
As coisas tornam-se mais complicadas com as pessoas. Os motivos ou as causas não são evidentes. Não conheces a experiência em que as pessoas atribuíram razões para o que tinham feito que nada tinham a ver com as razões verdadeiras?
Achas que todas as razões são falsas? Agimos antes e pensamos depois?
Não sei. Mas a experiência sugeria isso. Ou pelo menos que explicamos depois, baseados em dados conscientes.
Bom, mas isso não quer dizer que não as dês. Explicações. São necessárias. Ou não? Porque quer queiras quer não, todos atribuímos explicações às coisas. E o pior é que as interpretamos com base nas experiências anteriores. Cada um de nós estabelece regras para entender os outros e a nossa relação com eles. Um susto.
Gostava que me desses uma explicação lógica, ainda que falsa. Se tu e eu acharmos que ela é verdadeira, e isso me apaziguar…
E o que pode fazer com que ela seja considerada verdadeira por ti? Porque a explicação que te dou é baseada na minha interpretação, que pode não te servir…de acordo com as tuas experiências anteriores.
Sim, mas fomos criando uma lógica comum. De palavras. Que pode não ser a mesma dos afectos. E no final é a única coisa que interessa. Os afectos. Essa tradução será talvez um dos problemas. Mas se calhar tens razão, é uma inevitabilidade. Porque choras? Explica-me, por favor. Gosto tanto de ti…
Porque a minha sandália se estragou. Estava a precisar de um bom motivo.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
O movimento do comboio, que bom que é
Estou sim?
Boa tarde. Aaaah, eu queria falar com a Vera.
É a própria.
Vera…
Quem fala?
Tenho saudades tuas…
……..
Vera…desculpa. Segui outro caminho que não o que combinámos. Mas gosto muito de ti na mesma. Tinha que experimentar ir ao cinema sozinho. E fui para Coimbra outro dia, só para sentir o movimento do comboio, que bom que é. Por favor não desligues, estive muito tempo para conseguir ligar. Ontem esteve lua cheia e lembrei-me de me dizeres como não gostavas dessas noites. De repente senti as tuas mãos a fazer-me caracóis, como é possível ficarem essas memórias. Começam a misturar-se todas. Os vários sítios, os vários gestos, as várias pessoas. Não eras tu que me fazias caracóis, afinal. Já tanto me faz que respondas ou fiques em silêncio, que me leias ou não, que gostes de mim ou não. Não podia deixar que ganhasses esse poder, entendes? Por mais que compreendesse. E há coisas que não vou compreender nunca, acho eu. Mas tinha de perceber se são as histórias que nos levam a agir ou a acção que constrói a história. Bem sabes que gosto de trabalhar sozinho, de pensar sozinho. E isto da história é importante para mim. Levo tempo a encaixar que tudo será diferente do que imaginei. Não sei o que quero, Vera. Ando aqui sem saber quem sou ou o que quero fazer da vida. Não quero ninguém agora, deixem-me, larguem-me. Mas não me deixem, nem me larguem. Sou forte Vera, não penses o contrário. Muito mais forte do que tu. Dá a volta, dá a volta. Vamos aprendendo a respeitar-nos, independentemente do que sentimos. Porque sentir que nos desrespeitámos é do pior que há. Parecias desmiolada, mas afinal tens tanto miolo que é difícil chegar até ti. Não quero de forma nenhuma baralhar-te ou confundir-te. Falo assim mas sabes que no fundo preciso das coisas explícitas. Ainda que sem palavras, mas fiquei demasiado frágil ao não dito, ao dissimulado, às tensões por resolver. És perita nisso. Precisei de sentir apenas, tenta entender. Afinal é disso que falo agora. Sem ti sempre a dizer-me que não, que não, que tenho de virar os copos para baixo para não apanharem pó. Queria apanhar pó. Digamos que tinha de controlar o auto-controlo, senão tudo começava a perder sabor. Julgo que é esse o problema, tenho de estabelecer bem em que é que me deixo ser touro ou não. Como se houvesse uma terceira personagem que ditasse o que é que tem de ser pensado e o que é que não. Resolvi começar com pequenos prazeres, como o de sentir o movimento do comboio. Isto da condução e do movimento deve ter um simbolismo qualquer. E fui-me habituando a coisas simples. Já não quero outra coisa. Não sei se é possível, Vera. Apaixonei-me por qualquer coisa que ainda não sei o que é. Desculpa.
Boa tarde. Aaaah, eu queria falar com a Vera.
É a própria.
Vera…
Quem fala?
Tenho saudades tuas…
……..
Vera…desculpa. Segui outro caminho que não o que combinámos. Mas gosto muito de ti na mesma. Tinha que experimentar ir ao cinema sozinho. E fui para Coimbra outro dia, só para sentir o movimento do comboio, que bom que é. Por favor não desligues, estive muito tempo para conseguir ligar. Ontem esteve lua cheia e lembrei-me de me dizeres como não gostavas dessas noites. De repente senti as tuas mãos a fazer-me caracóis, como é possível ficarem essas memórias. Começam a misturar-se todas. Os vários sítios, os vários gestos, as várias pessoas. Não eras tu que me fazias caracóis, afinal. Já tanto me faz que respondas ou fiques em silêncio, que me leias ou não, que gostes de mim ou não. Não podia deixar que ganhasses esse poder, entendes? Por mais que compreendesse. E há coisas que não vou compreender nunca, acho eu. Mas tinha de perceber se são as histórias que nos levam a agir ou a acção que constrói a história. Bem sabes que gosto de trabalhar sozinho, de pensar sozinho. E isto da história é importante para mim. Levo tempo a encaixar que tudo será diferente do que imaginei. Não sei o que quero, Vera. Ando aqui sem saber quem sou ou o que quero fazer da vida. Não quero ninguém agora, deixem-me, larguem-me. Mas não me deixem, nem me larguem. Sou forte Vera, não penses o contrário. Muito mais forte do que tu. Dá a volta, dá a volta. Vamos aprendendo a respeitar-nos, independentemente do que sentimos. Porque sentir que nos desrespeitámos é do pior que há. Parecias desmiolada, mas afinal tens tanto miolo que é difícil chegar até ti. Não quero de forma nenhuma baralhar-te ou confundir-te. Falo assim mas sabes que no fundo preciso das coisas explícitas. Ainda que sem palavras, mas fiquei demasiado frágil ao não dito, ao dissimulado, às tensões por resolver. És perita nisso. Precisei de sentir apenas, tenta entender. Afinal é disso que falo agora. Sem ti sempre a dizer-me que não, que não, que tenho de virar os copos para baixo para não apanharem pó. Queria apanhar pó. Digamos que tinha de controlar o auto-controlo, senão tudo começava a perder sabor. Julgo que é esse o problema, tenho de estabelecer bem em que é que me deixo ser touro ou não. Como se houvesse uma terceira personagem que ditasse o que é que tem de ser pensado e o que é que não. Resolvi começar com pequenos prazeres, como o de sentir o movimento do comboio. Isto da condução e do movimento deve ter um simbolismo qualquer. E fui-me habituando a coisas simples. Já não quero outra coisa. Não sei se é possível, Vera. Apaixonei-me por qualquer coisa que ainda não sei o que é. Desculpa.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Deixa a chuva cair
Continua a chover. Não te esqueças do chapéu. Que dias agitados estes, quando começa a chover.
Gosto de chuva.
Eu não.
Este silêncio entre nós, que se transforma por vezes em conversa de surdos, está a tornar-se incómodo.
Claro. É assim a vida. Um sucessivo resolver de qualquer coisa.
Vês, que queres dizer com isso?
São sensações básicas, utilizadas em tudo o que fazemos. Mesmo quando criamos algo. Ou sobretudo quando criamos. Aumenta a confusão, ou a tensão, para depois se formar um novo estado. Que traz tranquilidade e prazer. Lembro-me agora que já há muitos anos me interessei pela entropia quando a estudei noutro contexto. Gosto de entender estas passagens.
Dizes-me que inventamos problemas apenas para os resolvermos?
Bom, não exactamente…E problema não me parece a palavra mais certa. Antes algo que foge da norma, ou do estado habitual, e que nos provoca ansiedade. E muitas vezes não os criamos, é simplesmente o curso natural da vida. Não existe vida sem contrariedades, nem tranquilidade sem inquietação. A diferença, a diferença, lembras-te?
Estás a ser um pouco vaga. Terá a ver com a nossa relação? Vejo-te tão clara com alguns outros.
Seguramente que tem a ver com a relação. Mas também não sei como mudar a relação sem um corte. Na antiga forma de nos relacionarmos. Estava aqui a pensar como costumamos fazer isso naturalmente, sem pensarmos sobre o assunto. Se chegasse a isso ficaria tudo bastante mais fácil. Tentarei estrategicamente ser mais clara, e isso em princípio produzirá em ti uma resposta diferente da habitual. A diferença, a diferença, levei anos a perceber profundamente isto. Ou não sei se profundamente, mas pelo menos tenho essa sensação. Cá estou eu a criar as minhas tensões favoritas, as de tentar perceber. A que tu chamas problemas. Quando vês uma obra de arte, ou ouves um concerto, o que sentes é semelhante.
Humm. Quando gosto tenho a sensação de não pensar. E acho que é por isso que gosto.
Exactamente. Mas conscientemente, senão não dirias que gostavas. E com este acordo entre nós geramos um estado de tranquilidade. Contrais, e descontrais. O mesmo quando produzes. Uma tensão consciente. Mas o sentimento é primordial. Tentava falar disto num texto anterior, mas além de ser um assunto difícil, não o conhecerei o suficiente para o simplificar em poucas linhas.
Andas a espraiar-te, andas…e acabo por não entender bem o que dizes.
Compreendo. Nem eu percebo muito bem. Tento sentir o que digo. Ou dizer o que sinto? E está a chover. Põe-te aqui, debaixo do chapéu.
Gosto de chuva.
Eu não.
Este silêncio entre nós, que se transforma por vezes em conversa de surdos, está a tornar-se incómodo.
Claro. É assim a vida. Um sucessivo resolver de qualquer coisa.
Vês, que queres dizer com isso?
São sensações básicas, utilizadas em tudo o que fazemos. Mesmo quando criamos algo. Ou sobretudo quando criamos. Aumenta a confusão, ou a tensão, para depois se formar um novo estado. Que traz tranquilidade e prazer. Lembro-me agora que já há muitos anos me interessei pela entropia quando a estudei noutro contexto. Gosto de entender estas passagens.
Dizes-me que inventamos problemas apenas para os resolvermos?
Bom, não exactamente…E problema não me parece a palavra mais certa. Antes algo que foge da norma, ou do estado habitual, e que nos provoca ansiedade. E muitas vezes não os criamos, é simplesmente o curso natural da vida. Não existe vida sem contrariedades, nem tranquilidade sem inquietação. A diferença, a diferença, lembras-te?
Estás a ser um pouco vaga. Terá a ver com a nossa relação? Vejo-te tão clara com alguns outros.
Seguramente que tem a ver com a relação. Mas também não sei como mudar a relação sem um corte. Na antiga forma de nos relacionarmos. Estava aqui a pensar como costumamos fazer isso naturalmente, sem pensarmos sobre o assunto. Se chegasse a isso ficaria tudo bastante mais fácil. Tentarei estrategicamente ser mais clara, e isso em princípio produzirá em ti uma resposta diferente da habitual. A diferença, a diferença, levei anos a perceber profundamente isto. Ou não sei se profundamente, mas pelo menos tenho essa sensação. Cá estou eu a criar as minhas tensões favoritas, as de tentar perceber. A que tu chamas problemas. Quando vês uma obra de arte, ou ouves um concerto, o que sentes é semelhante.
Humm. Quando gosto tenho a sensação de não pensar. E acho que é por isso que gosto.
Exactamente. Mas conscientemente, senão não dirias que gostavas. E com este acordo entre nós geramos um estado de tranquilidade. Contrais, e descontrais. O mesmo quando produzes. Uma tensão consciente. Mas o sentimento é primordial. Tentava falar disto num texto anterior, mas além de ser um assunto difícil, não o conhecerei o suficiente para o simplificar em poucas linhas.
Andas a espraiar-te, andas…e acabo por não entender bem o que dizes.
Compreendo. Nem eu percebo muito bem. Tento sentir o que digo. Ou dizer o que sinto? E está a chover. Põe-te aqui, debaixo do chapéu.
sábado, 30 de agosto de 2008
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Oeste (clique aqui)
Há raros momentos em que sinto uma felicidade quase eterna. Também te acontece?
Mais ou menos. O que queres dizer com isso?
Momentos breves. Em que tudo o resto se desfaz. Quase como se naquele momento atingisses a compreensão absoluta de tudo. E é tão simples.
HUmm. Talvez…mas simples como? Parece-me uma coisa complicada de fazer.
Sim, é complexo. Mas de repente simples. É difícil explicar. E também não tem uma única causa, nem as várias causas são visíveis. Parece às vezes obra do acaso. Mas naquele momento, naquele preciso momento, há uma tranquilidade que chega a ser um pouco assustadora. E em que a vida se transforma em algo estranhamente simples. Andamos todos aqui às voltas, às voltas, quem tem mais poder, sempre o poder sempre o poder e falo de poderes pequenos, que cá para mim são os piores. Ou poderes escondidos. Dá-me cá qualquer coisa e eu compenso-te o esforço, olha afinal não te posso compensar, não é o meu timing. Relações. Parece-me pouco puro, entendes? Na maior parte das vezes. E depois estes momentos. Pureza será talvez a palavra mais apropriada.
Momentos como quais?
Vinha há pouco a conduzir de volta e pareceu-me atingir. Essa felicidade. Cantava ao som do CD. De novo as luzes da cidade a aparecer ao longe, já percebi que é uma imagem que me comove. Talvez por me lembrar a sensação de, em criança, vir suja e queimada do fim-de-semana. Engraçado, também vinha dos teus lados. Veio-me agora à cabeça andar de bicicleta no meio das silvas, e dos dois cães ameaçadores da quinta do espanhol. Enfim, mas o assunto não tem a ver com recordações. Ou terá, não sei se não tem tudo. E o carro a andar, uma libertação. Como se houvesse um caminho a seguir, e ele se revelasse nesse instante, enquanto andava, andava. Sim, uma revelação. Como quando de repente nos surge a resolução de um problema de matemática. Um momento breve de alívio, e em que relações tão complexas se transformam num conjunto simples. Tão simples. Tão simples. Como a imagem da praia de hoje.
Ah…gostaste? A minha praia preferida.
Tão complexamente bonito, e tão transparentemente simples. A sensação da pele queimada pelo sol. Das pernas a passar pelas silvas. Nessa altura indicavam-me o caminho, e eu deixava-me ir, deixava-me ir. E agora sou eu a conduzir. O meu caminho. Uma dificuldade em deixar que me levem, falámos hoje sobre isso. Força das circunstâncias, mas isso dará outro texto. Com o cabelo sujo, e com a imagem, clara, de que a vida é só isso. Com tudo o resto lá dentro.
Mais ou menos. O que queres dizer com isso?
Momentos breves. Em que tudo o resto se desfaz. Quase como se naquele momento atingisses a compreensão absoluta de tudo. E é tão simples.
HUmm. Talvez…mas simples como? Parece-me uma coisa complicada de fazer.
Sim, é complexo. Mas de repente simples. É difícil explicar. E também não tem uma única causa, nem as várias causas são visíveis. Parece às vezes obra do acaso. Mas naquele momento, naquele preciso momento, há uma tranquilidade que chega a ser um pouco assustadora. E em que a vida se transforma em algo estranhamente simples. Andamos todos aqui às voltas, às voltas, quem tem mais poder, sempre o poder sempre o poder e falo de poderes pequenos, que cá para mim são os piores. Ou poderes escondidos. Dá-me cá qualquer coisa e eu compenso-te o esforço, olha afinal não te posso compensar, não é o meu timing. Relações. Parece-me pouco puro, entendes? Na maior parte das vezes. E depois estes momentos. Pureza será talvez a palavra mais apropriada.
Momentos como quais?
Vinha há pouco a conduzir de volta e pareceu-me atingir. Essa felicidade. Cantava ao som do CD. De novo as luzes da cidade a aparecer ao longe, já percebi que é uma imagem que me comove. Talvez por me lembrar a sensação de, em criança, vir suja e queimada do fim-de-semana. Engraçado, também vinha dos teus lados. Veio-me agora à cabeça andar de bicicleta no meio das silvas, e dos dois cães ameaçadores da quinta do espanhol. Enfim, mas o assunto não tem a ver com recordações. Ou terá, não sei se não tem tudo. E o carro a andar, uma libertação. Como se houvesse um caminho a seguir, e ele se revelasse nesse instante, enquanto andava, andava. Sim, uma revelação. Como quando de repente nos surge a resolução de um problema de matemática. Um momento breve de alívio, e em que relações tão complexas se transformam num conjunto simples. Tão simples. Tão simples. Como a imagem da praia de hoje.
Ah…gostaste? A minha praia preferida.
Tão complexamente bonito, e tão transparentemente simples. A sensação da pele queimada pelo sol. Das pernas a passar pelas silvas. Nessa altura indicavam-me o caminho, e eu deixava-me ir, deixava-me ir. E agora sou eu a conduzir. O meu caminho. Uma dificuldade em deixar que me levem, falámos hoje sobre isso. Força das circunstâncias, mas isso dará outro texto. Com o cabelo sujo, e com a imagem, clara, de que a vida é só isso. Com tudo o resto lá dentro.
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Acrescentos
Bom dia Dra!
Bom dia! Mas que boa disposição…
Hum, não sei se lhe diga a verdade ou não.
Então? Sobre o quê?
Sobre a minha disposição.
Mas não é para isso que aqui está?
Sinceramente, já não sei bem…porque ando por aqui. E na verdade ando a sentir-me bastante irritada. Por estas conversas nossas andarem a revelar-se tão importantes para mim. Esta minha dificuldade no corte deixa-me apreensiva.
É natural, sobretudo com a sua história.
Ah, quer dizer que não acontece sempre assim.
Não.
Porque acha que me sinto tão mal? Com este…desmame. Não é assim que lhe chamam? Ando sempre com medo de que esta relação se tenha tornado demasiado importante. E sinto como se vir aqui fosse uma fraqueza minha.
Por que há-de considerar “conversar” uma fraqueza?
Porque me há-de faltar um dia. Porque toda a gente falta, ainda que sempre lá. Não sei se esta será a verdade ou se é uma aprendizagem incorrecta. Perdão, não é a aprendizagem que é incorrecta, é a generalização da aprendizagem. Fico com medo de me perder de um caminho que me parecia o correcto. A consciência da solidão.
O medo é adaptativo. A chave é controlá-lo. Já falámos sobre isso.
Estou cansada de ter comportamentos adaptativos. Mas que peso. Tudo é adaptativo. O medo é adaptativo, mas controla. Amar é adaptativo, mas controla. Falar é adaptativo, mas controla. Comer é adaptativo, mas controla. Desarrumar é adaptativo, mas controla. Dar é adaptativo, mas controla. Receber é adaptativo, mas controla. Não quero controlar nada, nem ter consciência de nada. Ser, sem pensar no que devo ser, por mim e pelos outros. Porque hei-de ter medo de lhe contar que durmo com as meias a segurar as calças? E de lhe dizer que gosto tanto de favas com morcela? Porque hei-de ter medo de falar consigo, e de que isso se torne demasiado importante?
Porque estamos absolutamente sozinhos. Julgo que essa aprendizagem é generalizável. Ainda que a nossa realidade esteja na relação com o mundo. Tenho mudado muito mas nisso ainda acredito.
Não entendo. Defende que o significado vem da relação, mas que no fundo estamos sós. Como conjuga as duas coisas? Que significado ganham os outros na nossa vida? Que significado tem na minha vida?
Ai páre mulher! Que me deixa ansiosa! Tantas perguntas! O que é que eu sou? Julgo que lhe sou essencial. Como muitas outras pessoas na sua vida. Com a consciência, sua, de que sou só um acrescento.
Bom dia! Mas que boa disposição…
Hum, não sei se lhe diga a verdade ou não.
Então? Sobre o quê?
Sobre a minha disposição.
Mas não é para isso que aqui está?
Sinceramente, já não sei bem…porque ando por aqui. E na verdade ando a sentir-me bastante irritada. Por estas conversas nossas andarem a revelar-se tão importantes para mim. Esta minha dificuldade no corte deixa-me apreensiva.
É natural, sobretudo com a sua história.
Ah, quer dizer que não acontece sempre assim.
Não.
Porque acha que me sinto tão mal? Com este…desmame. Não é assim que lhe chamam? Ando sempre com medo de que esta relação se tenha tornado demasiado importante. E sinto como se vir aqui fosse uma fraqueza minha.
Por que há-de considerar “conversar” uma fraqueza?
Porque me há-de faltar um dia. Porque toda a gente falta, ainda que sempre lá. Não sei se esta será a verdade ou se é uma aprendizagem incorrecta. Perdão, não é a aprendizagem que é incorrecta, é a generalização da aprendizagem. Fico com medo de me perder de um caminho que me parecia o correcto. A consciência da solidão.
O medo é adaptativo. A chave é controlá-lo. Já falámos sobre isso.
Estou cansada de ter comportamentos adaptativos. Mas que peso. Tudo é adaptativo. O medo é adaptativo, mas controla. Amar é adaptativo, mas controla. Falar é adaptativo, mas controla. Comer é adaptativo, mas controla. Desarrumar é adaptativo, mas controla. Dar é adaptativo, mas controla. Receber é adaptativo, mas controla. Não quero controlar nada, nem ter consciência de nada. Ser, sem pensar no que devo ser, por mim e pelos outros. Porque hei-de ter medo de lhe contar que durmo com as meias a segurar as calças? E de lhe dizer que gosto tanto de favas com morcela? Porque hei-de ter medo de falar consigo, e de que isso se torne demasiado importante?
Porque estamos absolutamente sozinhos. Julgo que essa aprendizagem é generalizável. Ainda que a nossa realidade esteja na relação com o mundo. Tenho mudado muito mas nisso ainda acredito.
Não entendo. Defende que o significado vem da relação, mas que no fundo estamos sós. Como conjuga as duas coisas? Que significado ganham os outros na nossa vida? Que significado tem na minha vida?
Ai páre mulher! Que me deixa ansiosa! Tantas perguntas! O que é que eu sou? Julgo que lhe sou essencial. Como muitas outras pessoas na sua vida. Com a consciência, sua, de que sou só um acrescento.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Férias
Vamos ter de interromper as nossas conversas.
Porquê?
Vou de férias.
Ooooh. Férias de quê?
Férias da vida normal.
Tens uma vida normal?
Pois não sei. Normal para mim. A habitual. Embora tenhas razão, queixo-me bastante da falta de rotinas. Se calhar as minhas férias serão isso mesmo, finalmente encontrar uma rotina. O que ainda as torna mais importantes. Às férias. E depois, este afastamento entre nós também é bom.
É bom porquê? Fico a sentir-me um pouco só.
Pois, eu também. Mas dá-nos espaço para as nossas outras conversas. Com os outros reais. Ou serão menos reais? Do que nós.
Vês, vais-me fazer falta com essas perguntas. Quando voltas?
Lá para meio do mês.
Vê ao menos se aproveitas.
Bem sabes que não gosto muito dessa palavra. Aproveitar. Uma pressão indefinida. Mas não vou explorar temas neste texto, não tinha esse propósito e não quero ter. Propósitos. O futuro em aberto. Como se ele alguma vez estivesse fechado, ou aberto. Estou de férias mas a cabeça não deixa de trabalhar. E tu, cuida de ti, por cá. Com a certeza de que volto.
É bom saber. Não entro no tema das certezas, já o temos discutido. Mas a tua vontade de me dar uma certeza é já por si reconfortante. E securizante.
Inté.
Inté.
Porquê?
Vou de férias.
Ooooh. Férias de quê?
Férias da vida normal.
Tens uma vida normal?
Pois não sei. Normal para mim. A habitual. Embora tenhas razão, queixo-me bastante da falta de rotinas. Se calhar as minhas férias serão isso mesmo, finalmente encontrar uma rotina. O que ainda as torna mais importantes. Às férias. E depois, este afastamento entre nós também é bom.
É bom porquê? Fico a sentir-me um pouco só.
Pois, eu também. Mas dá-nos espaço para as nossas outras conversas. Com os outros reais. Ou serão menos reais? Do que nós.
Vês, vais-me fazer falta com essas perguntas. Quando voltas?
Lá para meio do mês.
Vê ao menos se aproveitas.
Bem sabes que não gosto muito dessa palavra. Aproveitar. Uma pressão indefinida. Mas não vou explorar temas neste texto, não tinha esse propósito e não quero ter. Propósitos. O futuro em aberto. Como se ele alguma vez estivesse fechado, ou aberto. Estou de férias mas a cabeça não deixa de trabalhar. E tu, cuida de ti, por cá. Com a certeza de que volto.
É bom saber. Não entro no tema das certezas, já o temos discutido. Mas a tua vontade de me dar uma certeza é já por si reconfortante. E securizante.
Inté.
Inté.
sábado, 26 de julho de 2008
Desaprender (clique aqui)
Então minha menina, como anda? Conte-me. Lembro-me que andava agitada há 15 dias atrás.
Sim. Pega no carro, percorre a cidade, estaciona, concentra-te, pega no carro, percorre a cidade. Ouve, decide, age, a cabeça às voltas, às voltas. Aprendemos assim Dra., desde que nascemos.
Como assim desde que nascemos?
Acorda. Come. Sorri. Responde aos estímulos, senão que infelicidade. Anda, não te esqueças da mala, não te esqueças do passe, não te esqueças de prestar atenção. Concentra-te. Vê bem todas as perguntas. Um mundo justo em que estamos, se responderes sempre a todas as perguntas. Vais conseguir. Não sei bem o quê mas consegues. Anda, não pares. Acho que desaprendemos, Dra.
Desaprendemos o quê?
Desaprendemos a ouvir-nos. E à nossa vontade.
Não estou a entender.
Andar na linha, na linha, sempre na linha. Tudo traçado. Cabeça fria, por vezes gelada. Pergunto-me para quê. Regras necessárias. Dirão até que em nosso bem, para sermos felizes…um dia. Com o trabalho certo, o amor certo, os filhos certos, as casas certas, não barafustes senão levas sapatada, e isto funciona filha, acredita, chegará o teu dia, chegará o teu dia. Que frase estúpida esta. E falsa. Existem muitos dias e nem damos conta. À procura, sempre à procura. A inquietação devia ser outra.
Qual?
Uma vontade. Uma vontade natural e também inquietante, mas de outra forma. Já observou bem o seu corpo a mover-se? Outro dia estive assim uma hora. Uma vontade natural, e no entanto só minha. Para quê a linha? E no entanto não consigo deixar de fazer parte dela, e de me sentir tão mal quando não a sigo. E de me sentir tão mal por constatar que é mentira.
O que lhe acontece se não a seguir? E seguir a outra vontade? Uma vontade talvez mais…ancestral.
Tinha de voltar a aprendê-la Dra.
Sim. Pega no carro, percorre a cidade, estaciona, concentra-te, pega no carro, percorre a cidade. Ouve, decide, age, a cabeça às voltas, às voltas. Aprendemos assim Dra., desde que nascemos.
Como assim desde que nascemos?
Acorda. Come. Sorri. Responde aos estímulos, senão que infelicidade. Anda, não te esqueças da mala, não te esqueças do passe, não te esqueças de prestar atenção. Concentra-te. Vê bem todas as perguntas. Um mundo justo em que estamos, se responderes sempre a todas as perguntas. Vais conseguir. Não sei bem o quê mas consegues. Anda, não pares. Acho que desaprendemos, Dra.
Desaprendemos o quê?
Desaprendemos a ouvir-nos. E à nossa vontade.
Não estou a entender.
Andar na linha, na linha, sempre na linha. Tudo traçado. Cabeça fria, por vezes gelada. Pergunto-me para quê. Regras necessárias. Dirão até que em nosso bem, para sermos felizes…um dia. Com o trabalho certo, o amor certo, os filhos certos, as casas certas, não barafustes senão levas sapatada, e isto funciona filha, acredita, chegará o teu dia, chegará o teu dia. Que frase estúpida esta. E falsa. Existem muitos dias e nem damos conta. À procura, sempre à procura. A inquietação devia ser outra.
Qual?
Uma vontade. Uma vontade natural e também inquietante, mas de outra forma. Já observou bem o seu corpo a mover-se? Outro dia estive assim uma hora. Uma vontade natural, e no entanto só minha. Para quê a linha? E no entanto não consigo deixar de fazer parte dela, e de me sentir tão mal quando não a sigo. E de me sentir tão mal por constatar que é mentira.
O que lhe acontece se não a seguir? E seguir a outra vontade? Uma vontade talvez mais…ancestral.
Tinha de voltar a aprendê-la Dra.
quinta-feira, 17 de julho de 2008
Logicamente
Piano.
Canto.
Pássaro.
Lobo.
Uivar.
Não vale verbos.
Que chata, que interessa essa regra? Uivo.
Estou cansada. Podemos parar? Este jogo.
Também estou cansada, sim. Mas vicia. Encadeiam-se de tal maneira, ficava horas. Ainda bem que resolveste parar.
Não gosto. Ou não gosto nesta altura. Preciso de tranquilidade. Aí está uma diferença.
Em quê?
Em mim. Noutra altura continuaria. Um equilíbrio difícil mas necessário, porque também tem vantagens. O jogo. Leva-me a produzir. A cabeça rodopia, o estômago aperta, a tensão aumenta, até que sai. Não sei se o processo tem necessariamente de ser assim. Porque se tem…
Se tem…
Se tem não quero. Vou mudar de vida. Não tenho nervos de aço.
Oh, e achas possível mudar? Mesmo que não tenhas mais palavras, arranjarás outra forma. De tensão.
Talvez. Mas sentia que havia um caminho diferente. Uma necessidade de paz. Um gosto pelo silêncio. Sem jogos.
Isso não existe.
Uma solidão que também leva a uma tensão, mas de outro tipo, ou talvez de outra forma. Uma mente cheia também, mas não de novelos de palavras. Lá vem o novelo outra vez, mas olha, não me apetece trocar. Um bloqueio produtivo. Nas palavras. Abrir possibilidades, dizem os terapeutas. Confundir. Surpreender. Bloquear para desbloquear. Lá vou eu parar aos mesmos temas, eu bem tento misturá-los.
Não percebo. Porque não consegues ter um discurso lógico?
Bloquear a lógica habitual, dizem. Tenho as minhas dúvidas. O que é certo é que a aprendemos, esta lógica. E por alguma razão ela sobreviveu. Resta saber se é a mais adequada. A das palavras. Porque incrustamos em lógicas não adaptativas? No sentido de não nos fazerem felizes.
Olha Rosa, deixa-me aqui na esquina, escusas de estar a dar a volta para me deixares em casa. Amanhã às 10.30. O de sempre. E cuida-te…!
Canto.
Pássaro.
Lobo.
Uivar.
Não vale verbos.
Que chata, que interessa essa regra? Uivo.
Estou cansada. Podemos parar? Este jogo.
Também estou cansada, sim. Mas vicia. Encadeiam-se de tal maneira, ficava horas. Ainda bem que resolveste parar.
Não gosto. Ou não gosto nesta altura. Preciso de tranquilidade. Aí está uma diferença.
Em quê?
Em mim. Noutra altura continuaria. Um equilíbrio difícil mas necessário, porque também tem vantagens. O jogo. Leva-me a produzir. A cabeça rodopia, o estômago aperta, a tensão aumenta, até que sai. Não sei se o processo tem necessariamente de ser assim. Porque se tem…
Se tem…
Se tem não quero. Vou mudar de vida. Não tenho nervos de aço.
Oh, e achas possível mudar? Mesmo que não tenhas mais palavras, arranjarás outra forma. De tensão.
Talvez. Mas sentia que havia um caminho diferente. Uma necessidade de paz. Um gosto pelo silêncio. Sem jogos.
Isso não existe.
Uma solidão que também leva a uma tensão, mas de outro tipo, ou talvez de outra forma. Uma mente cheia também, mas não de novelos de palavras. Lá vem o novelo outra vez, mas olha, não me apetece trocar. Um bloqueio produtivo. Nas palavras. Abrir possibilidades, dizem os terapeutas. Confundir. Surpreender. Bloquear para desbloquear. Lá vou eu parar aos mesmos temas, eu bem tento misturá-los.
Não percebo. Porque não consegues ter um discurso lógico?
Bloquear a lógica habitual, dizem. Tenho as minhas dúvidas. O que é certo é que a aprendemos, esta lógica. E por alguma razão ela sobreviveu. Resta saber se é a mais adequada. A das palavras. Porque incrustamos em lógicas não adaptativas? No sentido de não nos fazerem felizes.
Olha Rosa, deixa-me aqui na esquina, escusas de estar a dar a volta para me deixares em casa. Amanhã às 10.30. O de sempre. E cuida-te…!
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Táxi! (clique aqui)
Boa tarde.
Boa noite, menina.
É verdade, já é boa noite. É para a rua dos fanqueiros, por favor.
Sim Sra. Porque já é crescida. Vamos aqui por baixo, é mais longo mas apanha menos sinais.
Sim sim, nunca vim por aqui, mas está bem.
Não veio?
Não, quer dizer, nunca fiz este caminho. Não é costume vir para aqui. Por isso seguimos o que achar melhor.
Ah. Que chatice, não é normal este comboio passar a estas horas. Acasos. Sabe menina, temos de aproveitar as coisas quando elas nos aparecem.
Tem razão.
Se lhe aparecer uma oportunidade não a desperdice. Tem é de saber que é ele.
É ele?
O momento.
Tem razão. Bom, mas muitas vezes não sabemos.
Pois olhe, ou sabemos uns quantos anos depois.
Foi o seu caso?
Já lá vão 40 anos…teimosia menina, pura teimosia. E agora olhe.
Então? E não o encontrou mais? Ao momento.
Foi com o autocarro. Não vou pensar mais nisso. Não acha? Se calhar se o fosse ter aproveitado, outros não teriam acontecido.
Bom, então no fundo acha que não estava destinado. Tê-lo aproveitado.
Pois isso não sei. Acho é que tinha sido mais feliz, agora se estava destinado ou não…
Que triste. E não pode recuperá-lo?
Está a ver, não apanhámos sinais nenhuns. Do longe se fez perto. E aquele comboio foi posto ali para nós.
Se não tivesse passado não me tinha contado essa história triste…
Não é triste, senhora. Menina. Por ser menina a vê triste. Mas se a vir, não a desperdice.
Boa noite, menina.
É verdade, já é boa noite. É para a rua dos fanqueiros, por favor.
Sim Sra. Porque já é crescida. Vamos aqui por baixo, é mais longo mas apanha menos sinais.
Sim sim, nunca vim por aqui, mas está bem.
Não veio?
Não, quer dizer, nunca fiz este caminho. Não é costume vir para aqui. Por isso seguimos o que achar melhor.
Ah. Que chatice, não é normal este comboio passar a estas horas. Acasos. Sabe menina, temos de aproveitar as coisas quando elas nos aparecem.
Tem razão.
Se lhe aparecer uma oportunidade não a desperdice. Tem é de saber que é ele.
É ele?
O momento.
Tem razão. Bom, mas muitas vezes não sabemos.
Pois olhe, ou sabemos uns quantos anos depois.
Foi o seu caso?
Já lá vão 40 anos…teimosia menina, pura teimosia. E agora olhe.
Então? E não o encontrou mais? Ao momento.
Foi com o autocarro. Não vou pensar mais nisso. Não acha? Se calhar se o fosse ter aproveitado, outros não teriam acontecido.
Bom, então no fundo acha que não estava destinado. Tê-lo aproveitado.
Pois isso não sei. Acho é que tinha sido mais feliz, agora se estava destinado ou não…
Que triste. E não pode recuperá-lo?
Está a ver, não apanhámos sinais nenhuns. Do longe se fez perto. E aquele comboio foi posto ali para nós.
Se não tivesse passado não me tinha contado essa história triste…
Não é triste, senhora. Menina. Por ser menina a vê triste. Mas se a vir, não a desperdice.
terça-feira, 8 de julho de 2008
Personalidades
Esta rapariga é cheia de personalidade.
É doida, queres tu dizer.
Que disparate.
O que queres dizer com ter personalidade? Todos temos, não? Um conceito ultrapassado, esse.
Ora, é linguagem do senso comum. Se quiseres podemos começar uma conversa mais profunda. Sobre o eu, ou o facto de termos ou não uma estrutura definida. Mas não era minha intenção neste momento estar a maçar-te com isso.
Podem-se utilizar ideias simples para conceitos complexos. Há quem seja perito. Escusamos de entrar neste jogo. É engraçado, acontece-me tanto…Estão a falar, e vão-me passando coisas pela cabeça, mas resolvo não dizer, não sei porquê. Bom, normalmente ideias esquisitas. Ponho-me a falar com outros não presentes. Ou presentes, mas na minha cabeça.
Como assim?
Tenho consciência de que há várias personagens. É difícil. Contribui para esta minha indecisão. Discutem entre si. Seremos todos assim?
Não sei.
Depois há alturas em que sinto muito claramente. Bom, mas esse é outro campo, o do sentir. Ou não será?
Não sei.
Uma entrega. Vou indo, vou indo. Aí não há indecisão. Um eu uno, se quiseres. Uma lógica diferente. Uma única personagem a sentir. Talvez por isso me sinta tão bem nessa altura. Será possível conciliar?
O quê?
Esses dois lados. E será possível pensar sem diálogo? Que confusão que está esta cabeça. Uma bola de lã com umas pontas, ficou a imagem de outro dia. Quando eu achava que ela se estava a desenrolar, embrulhou-se ainda mais. Gostas da palavra embrulho? Utilizei-a porque dá a ideia de presente. Novidade. Mudança. Ai, pára-me, já viste como estou?
Tu és é doida.
Não, tenho é muita personalidade.
É doida, queres tu dizer.
Que disparate.
O que queres dizer com ter personalidade? Todos temos, não? Um conceito ultrapassado, esse.
Ora, é linguagem do senso comum. Se quiseres podemos começar uma conversa mais profunda. Sobre o eu, ou o facto de termos ou não uma estrutura definida. Mas não era minha intenção neste momento estar a maçar-te com isso.
Podem-se utilizar ideias simples para conceitos complexos. Há quem seja perito. Escusamos de entrar neste jogo. É engraçado, acontece-me tanto…Estão a falar, e vão-me passando coisas pela cabeça, mas resolvo não dizer, não sei porquê. Bom, normalmente ideias esquisitas. Ponho-me a falar com outros não presentes. Ou presentes, mas na minha cabeça.
Como assim?
Tenho consciência de que há várias personagens. É difícil. Contribui para esta minha indecisão. Discutem entre si. Seremos todos assim?
Não sei.
Depois há alturas em que sinto muito claramente. Bom, mas esse é outro campo, o do sentir. Ou não será?
Não sei.
Uma entrega. Vou indo, vou indo. Aí não há indecisão. Um eu uno, se quiseres. Uma lógica diferente. Uma única personagem a sentir. Talvez por isso me sinta tão bem nessa altura. Será possível conciliar?
O quê?
Esses dois lados. E será possível pensar sem diálogo? Que confusão que está esta cabeça. Uma bola de lã com umas pontas, ficou a imagem de outro dia. Quando eu achava que ela se estava a desenrolar, embrulhou-se ainda mais. Gostas da palavra embrulho? Utilizei-a porque dá a ideia de presente. Novidade. Mudança. Ai, pára-me, já viste como estou?
Tu és é doida.
Não, tenho é muita personalidade.
domingo, 29 de junho de 2008
Parabéns
Parabéns. Um beijinho.
Vem cá. Dá-me mesmo.
Dou.
Sabes que estou sempre aqui. Ou aí.
Claro. Das únicas certezas que tenho. Ainda ontem olhava a fotografia. Eu devia ter uns dez anos. De vez em quando dou volta às fotografias. Tento identificar as personagens, uma dificuldade.
Pois é natural. Com o passar dos anos. A pele envelhece.
Uma identidade conhecida e desconhecida ao mesmo tempo. Tu. Eu. Nós. O nós também muda de identidade. Uma integração difícil, do nós antigo com o nós actual. No nosso caso é diferente, só eu vou mudando. E tu, aos meus olhos. Esta nossa memória está sempre a mudar. Espalham-se as fotografias pela mesa. E pelos móveis. E pelas paredes. E pelo chão. Ando a abusar dos “e” nestes textos, mas que hei-de fazer, sai-me assim espontaneamente. Tiques de linguagem que também nos caracterizam. Esta sou eu. Sou mesmo eu?
És tu, és. No fotógrafo lá em baixo.
Sempre a mudar, sempre a mudar. E no entanto os mesmos. Das fotografias. Ontem tive necessidade de tirar umas novas. Há mais de um ano que não tirava. Preciso de me renovar. Não me posso arriscar a ficar sem provas. E se me falha a memória? Que ainda por cima não é fotográfica.
Falha sempre. Mesmo nas fotografias. Sorrisos inventados.
Nesta não, estamos todos distraídos. Por acaso com um ar um pouco triste, mas tranquilo. Que se teria passado?
Era o meu dia de anos.
É verdade.
Dá cá um beijinho.
Dou. Parabéns avô.
Vem cá. Dá-me mesmo.
Dou.
Sabes que estou sempre aqui. Ou aí.
Claro. Das únicas certezas que tenho. Ainda ontem olhava a fotografia. Eu devia ter uns dez anos. De vez em quando dou volta às fotografias. Tento identificar as personagens, uma dificuldade.
Pois é natural. Com o passar dos anos. A pele envelhece.
Uma identidade conhecida e desconhecida ao mesmo tempo. Tu. Eu. Nós. O nós também muda de identidade. Uma integração difícil, do nós antigo com o nós actual. No nosso caso é diferente, só eu vou mudando. E tu, aos meus olhos. Esta nossa memória está sempre a mudar. Espalham-se as fotografias pela mesa. E pelos móveis. E pelas paredes. E pelo chão. Ando a abusar dos “e” nestes textos, mas que hei-de fazer, sai-me assim espontaneamente. Tiques de linguagem que também nos caracterizam. Esta sou eu. Sou mesmo eu?
És tu, és. No fotógrafo lá em baixo.
Sempre a mudar, sempre a mudar. E no entanto os mesmos. Das fotografias. Ontem tive necessidade de tirar umas novas. Há mais de um ano que não tirava. Preciso de me renovar. Não me posso arriscar a ficar sem provas. E se me falha a memória? Que ainda por cima não é fotográfica.
Falha sempre. Mesmo nas fotografias. Sorrisos inventados.
Nesta não, estamos todos distraídos. Por acaso com um ar um pouco triste, mas tranquilo. Que se teria passado?
Era o meu dia de anos.
É verdade.
Dá cá um beijinho.
Dou. Parabéns avô.
terça-feira, 24 de junho de 2008
O botão (clique aqui)
Dá-me a mão.
Espera, fiquei com o papel do bolo na mão. Tenho este hábito.
Tem graça. Eu ando com um botão. Gosto de mexer nele. Sabes porquê?
Porquê?
Estava mesmo a perguntar-te! Se tem algum significado…
Pois isso terá sempre. Mas entendo a necessidade de dar um significado comum a algo que só fazemos nós, ou que achamos que só fazemos nós. Normaliza, dentro da anormalidade. Deve dar segurança. O botão.
Mexo e remexo. Uma agitação quando o perco. E um alívio quando o encontro. Ao botão. Como uma pele em que toco e me descansa. Mais ainda, sentir a minha pele nele, e a minha mão a agarrá-lo. Que tranquilidade. Mas uma ansiedade ao mesmo tempo.
Ansiedade?
Ah claro. Um aperto na barriga. E se uso calças sem bolsos e não o posso ter na minha mão a andar de um lado para o outro como costumo? E se alguém nota que ando com ele no bolso todos os dias? E se o perco? E se deixo de conseguir viver sem ele? O botão.
Pois, o perigo da dependência. Mas todas as relações são de alguma dependência, se intensas. O peso da palavra. Dependência. Faz parte do DSM, um susto fazer parte do DSM. E no entanto, somos dependentes de algumas coisas para viver. De comida, por exemplo. Por falar nisso, aquela massa com atum estava óptima. Digo-te isto porque fiquei com a sensação há bocado de que poderia não ter mais oportunidade de te dizer, e temos de aproveitar aquilo que podemos fazer, na altura em que podemos fazer. Já basta o que basta. Se ficam momentos, que fique esse também na nossa história. E o jardim. Ficou-te também a imagem do jardim? E dos grilos. E dos disparates e de nos rirmos com eles, que como sabes é o que mais gosto de fazer. Rir. Uma dependência equilibrada, dizem, se não queres fazer parte do DSM. E de afecto, também somos dependentes de afecto. E dos próprios hábitos. E de papéis na mão. E de botões. Dão segurança.
Espera, fiquei com o papel do bolo na mão. Tenho este hábito.
Tem graça. Eu ando com um botão. Gosto de mexer nele. Sabes porquê?
Porquê?
Estava mesmo a perguntar-te! Se tem algum significado…
Pois isso terá sempre. Mas entendo a necessidade de dar um significado comum a algo que só fazemos nós, ou que achamos que só fazemos nós. Normaliza, dentro da anormalidade. Deve dar segurança. O botão.
Mexo e remexo. Uma agitação quando o perco. E um alívio quando o encontro. Ao botão. Como uma pele em que toco e me descansa. Mais ainda, sentir a minha pele nele, e a minha mão a agarrá-lo. Que tranquilidade. Mas uma ansiedade ao mesmo tempo.
Ansiedade?
Ah claro. Um aperto na barriga. E se uso calças sem bolsos e não o posso ter na minha mão a andar de um lado para o outro como costumo? E se alguém nota que ando com ele no bolso todos os dias? E se o perco? E se deixo de conseguir viver sem ele? O botão.
Pois, o perigo da dependência. Mas todas as relações são de alguma dependência, se intensas. O peso da palavra. Dependência. Faz parte do DSM, um susto fazer parte do DSM. E no entanto, somos dependentes de algumas coisas para viver. De comida, por exemplo. Por falar nisso, aquela massa com atum estava óptima. Digo-te isto porque fiquei com a sensação há bocado de que poderia não ter mais oportunidade de te dizer, e temos de aproveitar aquilo que podemos fazer, na altura em que podemos fazer. Já basta o que basta. Se ficam momentos, que fique esse também na nossa história. E o jardim. Ficou-te também a imagem do jardim? E dos grilos. E dos disparates e de nos rirmos com eles, que como sabes é o que mais gosto de fazer. Rir. Uma dependência equilibrada, dizem, se não queres fazer parte do DSM. E de afecto, também somos dependentes de afecto. E dos próprios hábitos. E de papéis na mão. E de botões. Dão segurança.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Vidas paralelas
Boa tarde. Que calor.
Pois, calculo. Aqui dentro não se sente nada.
E é bom?
O quê?
Não se sentir nada. Será o trabalho ideal, não sentir o frio nem o calor. Nestes quinze dias andei a pensar num tema para esta sessão.
Que mudança repentina.
E não são todas? Aí está outro tema de que gosto, mas não venho preparada para ele. E já o começámos várias vezes, não sei por que razão nunca o continuamos. Mas há já tempo que uma outra ideia me persegue e ainda não tive oportunidade de a expor aqui.
Diga.
Já reparou que também existimos nos sonhos dos outros?
Como assim?
Nunca pensou nisto? De certeza que apareceu já numa grande quantidade de sonhos de pessoas, e nem sabe. Se calhar nem elas. Quem sabe até em sonhos de pessoas que não conhece.
Humm.
Faz-me uma certa confusão esta ideia, e ao mesmo tempo sinto um certo mistério. Embora, pensando bem, não tenha mistério nenhum. São apenas imagens de nós. Aliás, como são sempre, nas cabeças dos outros e nas nossas. E lá estamos, vivos, como que noutra dimensão, e sem sabermos que estamos. Vivos. Esta incerteza cansa-me, cansa-me…Dias melhores virão, vais ver, vais ver…Que raio de optimismo irracional. Bem sei que também é irracional pensar o contrário.
A verdade é que tudo muda sempre. O tempo não pára.
Pois será, mas é desconcertante. Porque hei-de acreditar que de certeza que algo melhorará se tudo é imprevisível e sempre em mudança? Estão a prever algo imprevisível.
A certeza é a de que as circunstâncias mudam, e as pessoas também. Não que se irá sentir melhor. Mas falava-me dos sonhos.
Desculpe, esta minha cabeça dispersa. A ver se não me esqueço de aqui voltar outro dia. Pois os sonhos. Como fantasmas. Vidas paralelas. Sensação esquisita essa de existir sem saber. E um conforto.
Porquê conforto?
Não sei bem. Talvez porque aí a minha existência não depende de mim. Uma tranquilidade…
Engraçado. Sente-se bem quando perde o controlo. Sobre si.
Isso já é outro tema, Dra., depois sou eu! E esta sessão já vai longa. Demasiado longa.
Pois, calculo. Aqui dentro não se sente nada.
E é bom?
O quê?
Não se sentir nada. Será o trabalho ideal, não sentir o frio nem o calor. Nestes quinze dias andei a pensar num tema para esta sessão.
Que mudança repentina.
E não são todas? Aí está outro tema de que gosto, mas não venho preparada para ele. E já o começámos várias vezes, não sei por que razão nunca o continuamos. Mas há já tempo que uma outra ideia me persegue e ainda não tive oportunidade de a expor aqui.
Diga.
Já reparou que também existimos nos sonhos dos outros?
Como assim?
Nunca pensou nisto? De certeza que apareceu já numa grande quantidade de sonhos de pessoas, e nem sabe. Se calhar nem elas. Quem sabe até em sonhos de pessoas que não conhece.
Humm.
Faz-me uma certa confusão esta ideia, e ao mesmo tempo sinto um certo mistério. Embora, pensando bem, não tenha mistério nenhum. São apenas imagens de nós. Aliás, como são sempre, nas cabeças dos outros e nas nossas. E lá estamos, vivos, como que noutra dimensão, e sem sabermos que estamos. Vivos. Esta incerteza cansa-me, cansa-me…Dias melhores virão, vais ver, vais ver…Que raio de optimismo irracional. Bem sei que também é irracional pensar o contrário.
A verdade é que tudo muda sempre. O tempo não pára.
Pois será, mas é desconcertante. Porque hei-de acreditar que de certeza que algo melhorará se tudo é imprevisível e sempre em mudança? Estão a prever algo imprevisível.
A certeza é a de que as circunstâncias mudam, e as pessoas também. Não que se irá sentir melhor. Mas falava-me dos sonhos.
Desculpe, esta minha cabeça dispersa. A ver se não me esqueço de aqui voltar outro dia. Pois os sonhos. Como fantasmas. Vidas paralelas. Sensação esquisita essa de existir sem saber. E um conforto.
Porquê conforto?
Não sei bem. Talvez porque aí a minha existência não depende de mim. Uma tranquilidade…
Engraçado. Sente-se bem quando perde o controlo. Sobre si.
Isso já é outro tema, Dra., depois sou eu! E esta sessão já vai longa. Demasiado longa.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Foi um jeito?
Ai Sr. Dr, doi-me muito aqui.
Exactamente onde?
Exactamente não sei. Dói-me aqui no peito. Terá sido um jeito? Percorre-me este lado todo.
Humm. E como é a dor?
Uma dor…profunda. Tão profunda que me custa a crer que foi um jeito.
Mas pode ser…às vezes os jeitos causam dores bastante agudas.
Não é aguda. É profunda. É diferente.
Entendo. Fez algum esforço?
Tantos…
Mas algum particular nesta zona?
Isso é mais difícil de saber. Mas talvez. Sem me dar conta. Mas se fiz só passado um tempo é que dei conta da dor. Para não me lembrar…
Pois é natural, dado o tipo de dor. E a mexer-se, dói?
A mexer-me e parada. É constante. Uma dor que mói, uma moinha, uma moinha…
Há algum momento em que não sinta a dor? É importante saber as excepções. Mas isto provavelmente não lhe interessa. Pergunto-me frequentemente se devo dizer e explicar o que estou a fazer ou apenas fazê-lo. Às vezes quando digo perde o efeito. Adiante. Perguntava-lhe das excepções…
Não sei se a dor deixa de existir ou se sou eu.
Que é a Sra? A fazer o quê?
A deixar de existir.
Exactamente onde?
Exactamente não sei. Dói-me aqui no peito. Terá sido um jeito? Percorre-me este lado todo.
Humm. E como é a dor?
Uma dor…profunda. Tão profunda que me custa a crer que foi um jeito.
Mas pode ser…às vezes os jeitos causam dores bastante agudas.
Não é aguda. É profunda. É diferente.
Entendo. Fez algum esforço?
Tantos…
Mas algum particular nesta zona?
Isso é mais difícil de saber. Mas talvez. Sem me dar conta. Mas se fiz só passado um tempo é que dei conta da dor. Para não me lembrar…
Pois é natural, dado o tipo de dor. E a mexer-se, dói?
A mexer-me e parada. É constante. Uma dor que mói, uma moinha, uma moinha…
Há algum momento em que não sinta a dor? É importante saber as excepções. Mas isto provavelmente não lhe interessa. Pergunto-me frequentemente se devo dizer e explicar o que estou a fazer ou apenas fazê-lo. Às vezes quando digo perde o efeito. Adiante. Perguntava-lhe das excepções…
Não sei se a dor deixa de existir ou se sou eu.
Que é a Sra? A fazer o quê?
A deixar de existir.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
(Des)Encanto
Achas que eu vou ser feliz?
Tenho a certeza.
Como podes ter?
Tenho. Nunca te faltei à palavra.
Como no filme que fomos ver outro dia?
Parecido com esse.
Parecido como? Ela preferiu ficar neste mundo. Não entendo.
Neste mundo as pessoas também são felizes, mas de outras maneiras.
No outro pareciam-me mais. Tenho medo. São muito felizes neste?
Nuns dias são mais, noutros menos. E algumas vezes são muito felizes. Uns dias compensam os outros. No mundo de onde ela vinha estavam sempre felizes.
Porque preferiu ela então este mundo? “Sempre” é melhor do que algumas vezes.
Não sei…Se calhar porque no outro não era tão genuíno.
O que é genuíno?
É de verdade.
Ah. No castelo era tudo a fingir?
Não, acho que não. Tudo não…mas algumas coisas. Ela preferiu que não fosse nada a fingir.
E ela pensa que aqui não é a fingir?!
Se calhar.
Fazes-me mais massagens nas pernas, que eu vou adormecer?
Tenho a certeza.
Como podes ter?
Tenho. Nunca te faltei à palavra.
Como no filme que fomos ver outro dia?
Parecido com esse.
Parecido como? Ela preferiu ficar neste mundo. Não entendo.
Neste mundo as pessoas também são felizes, mas de outras maneiras.
No outro pareciam-me mais. Tenho medo. São muito felizes neste?
Nuns dias são mais, noutros menos. E algumas vezes são muito felizes. Uns dias compensam os outros. No mundo de onde ela vinha estavam sempre felizes.
Porque preferiu ela então este mundo? “Sempre” é melhor do que algumas vezes.
Não sei…Se calhar porque no outro não era tão genuíno.
O que é genuíno?
É de verdade.
Ah. No castelo era tudo a fingir?
Não, acho que não. Tudo não…mas algumas coisas. Ela preferiu que não fosse nada a fingir.
E ela pensa que aqui não é a fingir?!
Se calhar.
Fazes-me mais massagens nas pernas, que eu vou adormecer?
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Anormalidades
E diga-me, depois desta pequena introdução, qual é o seu objectivo ao vir aqui?
Eu quero ser normal.
Humm, o pedido mais comum. O que entende por normalidade?
O que a palavra indica. Estar dentro da norma.
Em relação a que aspecto?
Isso não sei. Gostava que a Dra descobrisse, para me ajudar a mudar esta situação.
Mas então como sabe que não é? Normal.
O meu marido disse-me, e eu confio plenamente no seu juízo. Porque eu não tenho nenhum. Juízo, entenda-se.
Esta sessão está a ser um pouco diferente do habitual. Espere um momento, tenho de reformular rapidamente a minha forma de actuar.
Está a ver…confirma a minha hipótese. Até em sessão parece que sou diferente do habitual.
Mas se fossemos todos iguais não teria graça nenhuma. A Rosa é uma criativa. Isso é um dom, não uma anormalidade.
E o que é que eu ganho com essa troca de palavras? Eu quero é viver bem. Dar-me bem com os outros. Viver tranquilamente. Não acordar com as mãos suadas de excitação por um novo projecto, uma nova ideia, um novo amor. Não acordar com as mãos suadas por nada. Não fazer surpresas, nem esperar surpresas. Não esperar grandes feitos. Nem feitios. Viver o presente. Presente, presente, Rosa, mete na cabeça que é presente e não o futuro nem o passado! Não amar perdidamente. Não fazer nada perdidamente. E se me perco de vez?
O seu discurso está cheio de deveres. Além disso, assim não seria a Rosa. É indispensável que se sinta bem, mas na sua pele. Um equilíbrio entre o que é esperado socialmente e aquilo que sente que é. Integrar a diferença no que é comum.
Pois aí está o problema. Não sentimos o que somos isoladamente, sentimos com os outros. Não é um processo individual, não depende apenas de mim. Era preciso que a pele dos outros também mudasse.
E quem lhe diz que não muda?
Ora, Dra…
Eu quero ser normal.
Humm, o pedido mais comum. O que entende por normalidade?
O que a palavra indica. Estar dentro da norma.
Em relação a que aspecto?
Isso não sei. Gostava que a Dra descobrisse, para me ajudar a mudar esta situação.
Mas então como sabe que não é? Normal.
O meu marido disse-me, e eu confio plenamente no seu juízo. Porque eu não tenho nenhum. Juízo, entenda-se.
Esta sessão está a ser um pouco diferente do habitual. Espere um momento, tenho de reformular rapidamente a minha forma de actuar.
Está a ver…confirma a minha hipótese. Até em sessão parece que sou diferente do habitual.
Mas se fossemos todos iguais não teria graça nenhuma. A Rosa é uma criativa. Isso é um dom, não uma anormalidade.
E o que é que eu ganho com essa troca de palavras? Eu quero é viver bem. Dar-me bem com os outros. Viver tranquilamente. Não acordar com as mãos suadas de excitação por um novo projecto, uma nova ideia, um novo amor. Não acordar com as mãos suadas por nada. Não fazer surpresas, nem esperar surpresas. Não esperar grandes feitos. Nem feitios. Viver o presente. Presente, presente, Rosa, mete na cabeça que é presente e não o futuro nem o passado! Não amar perdidamente. Não fazer nada perdidamente. E se me perco de vez?
O seu discurso está cheio de deveres. Além disso, assim não seria a Rosa. É indispensável que se sinta bem, mas na sua pele. Um equilíbrio entre o que é esperado socialmente e aquilo que sente que é. Integrar a diferença no que é comum.
Pois aí está o problema. Não sentimos o que somos isoladamente, sentimos com os outros. Não é um processo individual, não depende apenas de mim. Era preciso que a pele dos outros também mudasse.
E quem lhe diz que não muda?
Ora, Dra…
sábado, 31 de maio de 2008
Segredos familiares
As famílias são do melhor e do pior que nós temos.
Pois é. Outro dia, num daqueles almoços, pensei mesmo nisso. Meu deus, a confusão que era. Passa-me o açúcar, não sejas assim mal criada, não estou a ser mal criada, só fui directa, ó filha não respondas à tua mãe, porquê sempre esta coisa, o teu pai é que tem razão quando diz o que diz, o meu pai?
Na minha há mais silêncios.
O meu pai diz mas não faz nada, e o que tem o meu pai a ver com isto? Mamã, o João disse-me que o pai dele tinha duas pilinhas, ó Joana mas que conversa é essa? E tu, sempre aí calada, com esse ar de mosca morta, seria melhor que dissesses alguma coisa.
Um silêncio de morrer. Uma tensão infernal.
Levas uma chapada, levas. Se continuas assim levas. Porta-te bem vá, não gosto nada quando fazes isto.
Queixas sub-reptícias.
Portas a bater.
Dizer sem dizer.
Estrilho, dramalhão.
Sufoco, aperto na garganta.
Que horror, liberta-te disso. Não sei como aguentas.
Que é isso?! Estás a dizer mal da minha família? Muito saudável é ela. E tu, como é que TU aguentas?
Pois é. Outro dia, num daqueles almoços, pensei mesmo nisso. Meu deus, a confusão que era. Passa-me o açúcar, não sejas assim mal criada, não estou a ser mal criada, só fui directa, ó filha não respondas à tua mãe, porquê sempre esta coisa, o teu pai é que tem razão quando diz o que diz, o meu pai?
Na minha há mais silêncios.
O meu pai diz mas não faz nada, e o que tem o meu pai a ver com isto? Mamã, o João disse-me que o pai dele tinha duas pilinhas, ó Joana mas que conversa é essa? E tu, sempre aí calada, com esse ar de mosca morta, seria melhor que dissesses alguma coisa.
Um silêncio de morrer. Uma tensão infernal.
Levas uma chapada, levas. Se continuas assim levas. Porta-te bem vá, não gosto nada quando fazes isto.
Queixas sub-reptícias.
Portas a bater.
Dizer sem dizer.
Estrilho, dramalhão.
Sufoco, aperto na garganta.
Que horror, liberta-te disso. Não sei como aguentas.
Que é isso?! Estás a dizer mal da minha família? Muito saudável é ela. E tu, como é que TU aguentas?
terça-feira, 27 de maio de 2008
Insignificâncias
Amiga, és mesmo tu?
Ohhh, já não estava à espera de te encontrar! Como estás? Estás igual…
E tu! Tanto tempo…
Pois é…tens de me contar como fazes!
Como faço o quê?
Como fazes para te manteres assim.
Assim como?
Nessa calma, com o mundo todo neste estado à nossa volta.
Ooooh, nem sempre foi assim, é um processo. Envolve esforço. Mas vale a pena. E não penses que é sempre assim, como disse no outro dia a alguém, há dias de fugir.
Controlas-te?
Controlo. Mas não por simples necessidade de controlo. Faço-o por mim, verdadeiramente. Muito conscientemente. Não quer dizer que controle todos os meus impulsos. Controlo um pouco mais o que sinto. Uma sensação de liberdade...poder escolher um pouco o grau com que as coisas me afectam. Porque algumas não valem mesmo a pena.
E destas chatices, como saíste?
Depende do que quiseres dizer por sair. Ainda lá estou, suponho. Para que não se apoderem, ridicularizo.
O quê?
As chatices. Os meus defeitos. Os defeitos dos outros. Comportamentos tristes. Nada de muito importante. Se virmos bem, insignificâncias.
Deixas de sentir?
Pelo contrário. Sinto só de forma diferente. Cada coisa em seu lugar. Alegria e tristeza pelo realmente importante.
Mas é a tua vida…como podes dizer que não é importante?
A minha vida?! Não…acho que ninguém chega ao fim da vida e pensa que isto foi a sua vida. Estes problemas. Ainda que soframos com eles, claro, não estou a invalidar o sofrimento. Mas se for isso que vier à cabeça…
E o que achas que vem? À cabeça.
Eu espero lembrar-me do cheiro da casa dos meus avós. Da tranquilidade dos serões lá passados. De como nos divertíamos ao vir da escola. Das janelas da minha casa em que entra tanto sol, e que boa sensação a de adormecer nesse torpor. Daquela paixão que tive e de escorregar pela parede a chorar como nos filmes. E de quando nos empanturrámos de crepe com chocolate. E de…
Engraçado, coisas pequenas de que te lembras.
Pequenas?!
Ohhh, já não estava à espera de te encontrar! Como estás? Estás igual…
E tu! Tanto tempo…
Pois é…tens de me contar como fazes!
Como faço o quê?
Como fazes para te manteres assim.
Assim como?
Nessa calma, com o mundo todo neste estado à nossa volta.
Ooooh, nem sempre foi assim, é um processo. Envolve esforço. Mas vale a pena. E não penses que é sempre assim, como disse no outro dia a alguém, há dias de fugir.
Controlas-te?
Controlo. Mas não por simples necessidade de controlo. Faço-o por mim, verdadeiramente. Muito conscientemente. Não quer dizer que controle todos os meus impulsos. Controlo um pouco mais o que sinto. Uma sensação de liberdade...poder escolher um pouco o grau com que as coisas me afectam. Porque algumas não valem mesmo a pena.
E destas chatices, como saíste?
Depende do que quiseres dizer por sair. Ainda lá estou, suponho. Para que não se apoderem, ridicularizo.
O quê?
As chatices. Os meus defeitos. Os defeitos dos outros. Comportamentos tristes. Nada de muito importante. Se virmos bem, insignificâncias.
Deixas de sentir?
Pelo contrário. Sinto só de forma diferente. Cada coisa em seu lugar. Alegria e tristeza pelo realmente importante.
Mas é a tua vida…como podes dizer que não é importante?
A minha vida?! Não…acho que ninguém chega ao fim da vida e pensa que isto foi a sua vida. Estes problemas. Ainda que soframos com eles, claro, não estou a invalidar o sofrimento. Mas se for isso que vier à cabeça…
E o que achas que vem? À cabeça.
Eu espero lembrar-me do cheiro da casa dos meus avós. Da tranquilidade dos serões lá passados. De como nos divertíamos ao vir da escola. Das janelas da minha casa em que entra tanto sol, e que boa sensação a de adormecer nesse torpor. Daquela paixão que tive e de escorregar pela parede a chorar como nos filmes. E de quando nos empanturrámos de crepe com chocolate. E de…
Engraçado, coisas pequenas de que te lembras.
Pequenas?!
terça-feira, 20 de maio de 2008
Pormenores incalculáveis?
Bom dia. Bom, quer dizer, um dia chocho.
Sim, nem parece Primavera.
Bom, primeiro que tudo, conte-me…
O quê?
É uma forma de dizer…conte-me da sua vida.
Da minha vida? Da minha vida como?
Nestes últimos dias.
Ah, não estava a entender. Estou um pouco tensa. Por ter de resumir tudo rapidamente.
Conte-me o mais importante.
O mais importante ou o que despoletou o mais importante? É que são coisas diferentes…
Como assim?
Às vezes, algo que não tem nada a ver com o assunto central influencia a nossa decisão sobre ele. O assunto central.
Interessante o que me diz. Continue.
Bom, há modelos até que o explicam. A Dra não sabe? Isto não é tudo causa-efeito, embora as pessoas procurem sempre a causa. Um erro, em meu entender. Nem as causas. Impossível chegar até elas.
Mas a algumas, podemos.
Poderemos especular, sim. Se isso servir para alguma coisa. Por exemplo, senti que aquele telefonema de outro dia, de que já lhe falei, despoletou estas diferenças todas na minha vida nos últimos dias. Ainda que não tenha nada a ver com elas, pelo menos aparentemente. Uma causa improvável em relação às consequências que teve. Não nota que por vezes uma palavra dos outros, um comentário, uma imagem, uma canção, podem ter efeitos incalculáveis? Para bem e para mal. Creio que se tivéssemos consciência disso seríamos mais atentos. Bom, quem se preocupa com o bem-estar dos outros, claro.
Mas isso, como aliás já disse, é um pouco impossível. Porque uma causa pode ter efeitos completamente diferentes. Mais ainda se variamos de sujeito.
Tem razão. Embora haja coisas que, provavelmente, são universais, não? Quer então dizer que a Dra. não sabe nada de pessoas? Porque é por isso que aqui estou, não é? Porque entende de pessoas…
Não sei. A menina é que sabe porque é que está aqui. Eu só posso especular...
Sim, nem parece Primavera.
Bom, primeiro que tudo, conte-me…
O quê?
É uma forma de dizer…conte-me da sua vida.
Da minha vida? Da minha vida como?
Nestes últimos dias.
Ah, não estava a entender. Estou um pouco tensa. Por ter de resumir tudo rapidamente.
Conte-me o mais importante.
O mais importante ou o que despoletou o mais importante? É que são coisas diferentes…
Como assim?
Às vezes, algo que não tem nada a ver com o assunto central influencia a nossa decisão sobre ele. O assunto central.
Interessante o que me diz. Continue.
Bom, há modelos até que o explicam. A Dra não sabe? Isto não é tudo causa-efeito, embora as pessoas procurem sempre a causa. Um erro, em meu entender. Nem as causas. Impossível chegar até elas.
Mas a algumas, podemos.
Poderemos especular, sim. Se isso servir para alguma coisa. Por exemplo, senti que aquele telefonema de outro dia, de que já lhe falei, despoletou estas diferenças todas na minha vida nos últimos dias. Ainda que não tenha nada a ver com elas, pelo menos aparentemente. Uma causa improvável em relação às consequências que teve. Não nota que por vezes uma palavra dos outros, um comentário, uma imagem, uma canção, podem ter efeitos incalculáveis? Para bem e para mal. Creio que se tivéssemos consciência disso seríamos mais atentos. Bom, quem se preocupa com o bem-estar dos outros, claro.
Mas isso, como aliás já disse, é um pouco impossível. Porque uma causa pode ter efeitos completamente diferentes. Mais ainda se variamos de sujeito.
Tem razão. Embora haja coisas que, provavelmente, são universais, não? Quer então dizer que a Dra. não sabe nada de pessoas? Porque é por isso que aqui estou, não é? Porque entende de pessoas…
Não sei. A menina é que sabe porque é que está aqui. Eu só posso especular...
terça-feira, 13 de maio de 2008
Porque sim?
Há dias terríveis.
Não te queixes! Olha para o que tens de bom. O mundo está cheio de coisas boas, só não olhamos para elas porque são adquiridas.
Mas…
Não há mas. Olha para este céu azul, haverá igual? E o verde das árvores? E a comida que tens e outros não têm? E a cama que tens para dormir? E os teus amigos? E a tua família? E os livros bons que gostas de ler?
Mas…
E o que aprendeste com o que viveste? Não dás valor? E à pessoa que te tornaste? E à música! Ninguém te tira a tua música.
Não é isso, é que…
A arte. Não te consola uma boa obra de arte?
Sim mas…
Não há mas. Além de mais, isso da sorte e do azar é muito relativo. Tudo é construído. Co-construído. Nunca ouviste falar da co-construção? Se te falam mal é porque tu deixas. Também participas. Se te pisam é porque deixas que te pisem, porque não tens amor próprio. Se abusam de ti é porque deixas que abusem. Isso da sorte ou do azar não existe, tudo depende da forma como olhas para o conteúdo. A significação, dizem. E...
Posso falar? Mas que difícil és…Há dias em que realmente as coisas não correm bem. Não quer dizer que continuarei a ter azar amanhã, depois de amanhã, o resto da vida. Às vezes mais vale aceitar que tivemos azar, e que amanhã será melhor…Por alguma razão dizem que temos de ter resistência à frustração. Resistir também é aceitar o que corre mal, não? Porque de certeza que alguma coisa correrá mal.
Essa é uma forma passiva de encarar a vida. A vida não corre mal porque sim.
Algumas vezes, parece-me. Dizem as probabilidades. Não podes querer a perfeição. Uns dias são sim, outros são não. Não será também esta uma forma positiva de encarar a vida?
Incrível como este diálogo mudou em tão pouco tempo. Bom, bem vistas as coisas, já passaram uns dias. Isto do tempo é muito relativo, mas isso são outras histórias. A optimista era eu, mudámos de personagens! Dizes-me agora que o verdadeiro optimista é o que aceita?
O que aceita o acaso, sim. Mais uma vez repito que aceitar não significa simplesmente resignar-me, mas saber realmente o que posso controlar.
Pois lá está, dás-me razão. Só nos podemos controlar a nós próprios. E à forma como olhamos para o imprevisível.
Estou a perder o controlo. Teremos de terminar esta conversa.
Aproveita esse momento. É do melhor que há.
Não te queixes! Olha para o que tens de bom. O mundo está cheio de coisas boas, só não olhamos para elas porque são adquiridas.
Mas…
Não há mas. Olha para este céu azul, haverá igual? E o verde das árvores? E a comida que tens e outros não têm? E a cama que tens para dormir? E os teus amigos? E a tua família? E os livros bons que gostas de ler?
Mas…
E o que aprendeste com o que viveste? Não dás valor? E à pessoa que te tornaste? E à música! Ninguém te tira a tua música.
Não é isso, é que…
A arte. Não te consola uma boa obra de arte?
Sim mas…
Não há mas. Além de mais, isso da sorte e do azar é muito relativo. Tudo é construído. Co-construído. Nunca ouviste falar da co-construção? Se te falam mal é porque tu deixas. Também participas. Se te pisam é porque deixas que te pisem, porque não tens amor próprio. Se abusam de ti é porque deixas que abusem. Isso da sorte ou do azar não existe, tudo depende da forma como olhas para o conteúdo. A significação, dizem. E...
Posso falar? Mas que difícil és…Há dias em que realmente as coisas não correm bem. Não quer dizer que continuarei a ter azar amanhã, depois de amanhã, o resto da vida. Às vezes mais vale aceitar que tivemos azar, e que amanhã será melhor…Por alguma razão dizem que temos de ter resistência à frustração. Resistir também é aceitar o que corre mal, não? Porque de certeza que alguma coisa correrá mal.
Essa é uma forma passiva de encarar a vida. A vida não corre mal porque sim.
Algumas vezes, parece-me. Dizem as probabilidades. Não podes querer a perfeição. Uns dias são sim, outros são não. Não será também esta uma forma positiva de encarar a vida?
Incrível como este diálogo mudou em tão pouco tempo. Bom, bem vistas as coisas, já passaram uns dias. Isto do tempo é muito relativo, mas isso são outras histórias. A optimista era eu, mudámos de personagens! Dizes-me agora que o verdadeiro optimista é o que aceita?
O que aceita o acaso, sim. Mais uma vez repito que aceitar não significa simplesmente resignar-me, mas saber realmente o que posso controlar.
Pois lá está, dás-me razão. Só nos podemos controlar a nós próprios. E à forma como olhamos para o imprevisível.
Estou a perder o controlo. Teremos de terminar esta conversa.
Aproveita esse momento. É do melhor que há.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Sobe sobe, balão sobe
Começa a encher.
Mas de quê?
Sei lá, do que quiseres. Se não tiveres mais nada, enche de ar.
De ar?!
Sim, como se fosse um balão. Sopras bem. O que importa é que fique bem cheio. Vais logo sentir-te melhor.
Estás a comparar-me com um balão?
Mas quantas pessoas não estão cheias de ar? O que importa é funcionar.
Não acredito que funcione.
Depende do que entendes por funcionar. Se quiseres sentir-te apenas cheio de qualquer coisa, funciona. Não penses muito. Só tens de ter cuidado para não rebentar. Arranja um plástico forte que não rebente facilmente. Com sorte, consegues sobrevoar sobre os outros. Sentir-te-ás acima. Ficarás, talvez, um pouco arrogante, faz parte do processo, assim consegues manter o balão cheio durante mais tempo. E admira bastante o teu balão. Admira-o, admira-o…e sobre o balão dos outros, nunca digas bem. Proibidos elogios. Desculpa, mas as metáforas são das formas mais claras de expor assuntos. E parece que funcionam muito bem. Chegam mais às pessoas. Dizem. Assuntos terapêuticos ainda muito por explorar.
Gostava de encher com algo mais substancial do que ar. Deve ser mais difícil rebentar, não?
Sem dúvida. Mas é um processo muito mais complicado, exige muito de ti. Este que te digo é simples e rápido. Basta seguires os passos. Também ajuda se nas tuas relações familiares e outras preferenciais tiveres sido pouco valorizado. Assim não poderás dar, o que torna tudo mais fácil. Finges que dás. Mais uma forma de te defenderes, para que não rebente.
Porque não posso dar?
Só pode dar quem recebeu e por isso aprendeu. Teve bons modelos. E quem está cheio, mas de outras coisas. Os outros são fortes fracos, entendes? Acho que há muitos. Dão-se bem, aparentemente. Mas é o que interessa. As aparências.
Mas de quê?
Sei lá, do que quiseres. Se não tiveres mais nada, enche de ar.
De ar?!
Sim, como se fosse um balão. Sopras bem. O que importa é que fique bem cheio. Vais logo sentir-te melhor.
Estás a comparar-me com um balão?
Mas quantas pessoas não estão cheias de ar? O que importa é funcionar.
Não acredito que funcione.
Depende do que entendes por funcionar. Se quiseres sentir-te apenas cheio de qualquer coisa, funciona. Não penses muito. Só tens de ter cuidado para não rebentar. Arranja um plástico forte que não rebente facilmente. Com sorte, consegues sobrevoar sobre os outros. Sentir-te-ás acima. Ficarás, talvez, um pouco arrogante, faz parte do processo, assim consegues manter o balão cheio durante mais tempo. E admira bastante o teu balão. Admira-o, admira-o…e sobre o balão dos outros, nunca digas bem. Proibidos elogios. Desculpa, mas as metáforas são das formas mais claras de expor assuntos. E parece que funcionam muito bem. Chegam mais às pessoas. Dizem. Assuntos terapêuticos ainda muito por explorar.
Gostava de encher com algo mais substancial do que ar. Deve ser mais difícil rebentar, não?
Sem dúvida. Mas é um processo muito mais complicado, exige muito de ti. Este que te digo é simples e rápido. Basta seguires os passos. Também ajuda se nas tuas relações familiares e outras preferenciais tiveres sido pouco valorizado. Assim não poderás dar, o que torna tudo mais fácil. Finges que dás. Mais uma forma de te defenderes, para que não rebente.
Porque não posso dar?
Só pode dar quem recebeu e por isso aprendeu. Teve bons modelos. E quem está cheio, mas de outras coisas. Os outros são fortes fracos, entendes? Acho que há muitos. Dão-se bem, aparentemente. Mas é o que interessa. As aparências.
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Salto em comprimento
Então, o que me traz hoje?
Nada.
Como assim?
Hoje estou vazia. Ou então demasiado cheia. Não sei.
Cheia de quê?
Cheia de coisas. Ideias que não interessam a ninguém, muito menos a mim mesma. Saltam imagens. Hoje sonhei que estava nos jogos olímpicos.
Em que modalidade?
Salto em comprimento.
E ganhava?
Não me lembro. E a Dra está muito competitiva! O que interessa não é concorrer? Era um grupo grande de concorrentes. Alguém discursava. Abaixo o capitalismo! Lembro-me desta frase. Resquícios provavelmente da noite anterior. E de repente salto para outro sonho, com a mesma frase. Paz. Inter-ajuda. Respeito pelo outro. Amor. Que mundo o de hoje, mundo cão, egoístas que são as pessoas, ninguém dá nada a ninguém, ninguém quer saber de ninguém, ninguém se preocupa com ninguém, ninguém ama ninguém. Fiquei empolgada.
Quem falava nesse novo sonho?
Alguém que era a mistura de meus conhecidos. Fui falar com ele no final.
E como foi a conversa?
Não houve conversa. Bom, assim o entendi. Disse-me que não tinha tempo.
Nada.
Como assim?
Hoje estou vazia. Ou então demasiado cheia. Não sei.
Cheia de quê?
Cheia de coisas. Ideias que não interessam a ninguém, muito menos a mim mesma. Saltam imagens. Hoje sonhei que estava nos jogos olímpicos.
Em que modalidade?
Salto em comprimento.
E ganhava?
Não me lembro. E a Dra está muito competitiva! O que interessa não é concorrer? Era um grupo grande de concorrentes. Alguém discursava. Abaixo o capitalismo! Lembro-me desta frase. Resquícios provavelmente da noite anterior. E de repente salto para outro sonho, com a mesma frase. Paz. Inter-ajuda. Respeito pelo outro. Amor. Que mundo o de hoje, mundo cão, egoístas que são as pessoas, ninguém dá nada a ninguém, ninguém quer saber de ninguém, ninguém se preocupa com ninguém, ninguém ama ninguém. Fiquei empolgada.
Quem falava nesse novo sonho?
Alguém que era a mistura de meus conhecidos. Fui falar com ele no final.
E como foi a conversa?
Não houve conversa. Bom, assim o entendi. Disse-me que não tinha tempo.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
(Re)criar o fado (clique aqui)
Tenho pensado um pouco sobre esta minha necessidade.
Qual?
De perdoar.
A quem?
Em geral, de perdoar. Em última instância, a mim. Ou em primeira, agora que falo sobre isto.
De te perdoares a ti? Porquê?
Pelas minhas escolhas. Pela minha vida. E de perdoar a todos os que creio me terem feito mal, de alguma forma. No fundo, perdoar o passado. Tenho-me perguntado se esta minha necessidade será apenas uma herança cristã. Custava-me a crer que fosse apenas isso. Embora sejamos imensamente influenciados, claro está.
Hum. E achas que não é?
Acho que não. Outro dia, em conversa, por sinal bastante terapêutica, com alguém, dei conta que talvez isto tivesse a ver com a minha necessidade premente de liberdade.
De liberdade?! Como assim? Engraçado falares disso neste dia.
Pois é. Se calhar não é por acaso. Que me assaltam estas ideias, hoje.
Mas diz-me, liberdade como?
Para seguir em frente sem estar agrilhoada a um passado. Para que essas pessoas, essas escolhas, esse passado, essa pessoa que fui, não constranja demasiado quem serei no futuro. Nunca entendi completamente a necessidade, por parte dos que sofreram crimes, de perdoar os que os cometeram. Até hoje. A palavra necessidade é bem empregue.
Isso significa esquecer? Esquecer a história?
De todo! Pelo contrário. Implica tomar consciência dela. Sem isso não há perdão possível, tratar-se-á de outra coisa.
Será que isso se passa também ao nível, por exemplo, de um país? Perdoar a sua história para poder construir outra? Para que ela não tenha demasiado poder? A história, digo. E se perde poder, não poderemos cair no erro de deixarmos que se cometam os mesmos crimes, as mesmas escolhas?
Acho que não, se conscientes do poder que tiveram. Mas isso são muitas perguntas. Tens de escolher a melhor. Ou melhor dizendo, a que preferires neste momento.
Qual?
De perdoar.
A quem?
Em geral, de perdoar. Em última instância, a mim. Ou em primeira, agora que falo sobre isto.
De te perdoares a ti? Porquê?
Pelas minhas escolhas. Pela minha vida. E de perdoar a todos os que creio me terem feito mal, de alguma forma. No fundo, perdoar o passado. Tenho-me perguntado se esta minha necessidade será apenas uma herança cristã. Custava-me a crer que fosse apenas isso. Embora sejamos imensamente influenciados, claro está.
Hum. E achas que não é?
Acho que não. Outro dia, em conversa, por sinal bastante terapêutica, com alguém, dei conta que talvez isto tivesse a ver com a minha necessidade premente de liberdade.
De liberdade?! Como assim? Engraçado falares disso neste dia.
Pois é. Se calhar não é por acaso. Que me assaltam estas ideias, hoje.
Mas diz-me, liberdade como?
Para seguir em frente sem estar agrilhoada a um passado. Para que essas pessoas, essas escolhas, esse passado, essa pessoa que fui, não constranja demasiado quem serei no futuro. Nunca entendi completamente a necessidade, por parte dos que sofreram crimes, de perdoar os que os cometeram. Até hoje. A palavra necessidade é bem empregue.
Isso significa esquecer? Esquecer a história?
De todo! Pelo contrário. Implica tomar consciência dela. Sem isso não há perdão possível, tratar-se-á de outra coisa.
Será que isso se passa também ao nível, por exemplo, de um país? Perdoar a sua história para poder construir outra? Para que ela não tenha demasiado poder? A história, digo. E se perde poder, não poderemos cair no erro de deixarmos que se cometam os mesmos crimes, as mesmas escolhas?
Acho que não, se conscientes do poder que tiveram. Mas isso são muitas perguntas. Tens de escolher a melhor. Ou melhor dizendo, a que preferires neste momento.
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Identidades (clique aqui)
Hola, que tal?
Porque estás a falar em castelhano?
Es que en los últimos dias me quedo pensando en castellano, o algo parecido…así que me quedo también una otra persona. Y no te quiero iludir.
Iludir como?
Hablando en português no seria la persona que tengo sido. Teria una otra identidad. Quiero que sepas com quien estás tratando.
Estás a dizer-me que não és a minha menina de sempre?
En algunas cosas, claro que soy. Pero no soy la misma. No sé que pasa.
Mas que diferenças notas? És várias pessoas numa só?
Bueno, claro, todos lo somos. Pero siento que la lengua cambia toda la identidad. En que soy diferente…tal vez más extrovertida, más alegre, más confiante. Más ingénua, no sé…ahora que pienso en eso, no sé si quiero quedar así. Me he cansado de ser demasiado ingénua, demasiado confiante en los otros. Demasiado confiante en su sensibilidad. Es que he aprendido tantas cosas hablando en português. La verdade es que ya no sé bien quien soy…y que cansancio no lo saber…el otro dia, cuando volvia, mirava la ciudad y pensaba como estava bonita, por la noche, com sus luces. Nunca la habia mirado así. Cuando me miré, estava llorando. Es que también yo siento que estoy volvendo, de cierta forma, a mi niñez. Que estranho, não é? A sensação de caminhares, aprenderes, para poderes voltar a ser quem foste em criança. Mas é o que tenho sentido.
Voltaste a falar em português.
Voltei.
Porque estás a falar em castelhano?
Es que en los últimos dias me quedo pensando en castellano, o algo parecido…así que me quedo también una otra persona. Y no te quiero iludir.
Iludir como?
Hablando en português no seria la persona que tengo sido. Teria una otra identidad. Quiero que sepas com quien estás tratando.
Estás a dizer-me que não és a minha menina de sempre?
En algunas cosas, claro que soy. Pero no soy la misma. No sé que pasa.
Mas que diferenças notas? És várias pessoas numa só?
Bueno, claro, todos lo somos. Pero siento que la lengua cambia toda la identidad. En que soy diferente…tal vez más extrovertida, más alegre, más confiante. Más ingénua, no sé…ahora que pienso en eso, no sé si quiero quedar así. Me he cansado de ser demasiado ingénua, demasiado confiante en los otros. Demasiado confiante en su sensibilidad. Es que he aprendido tantas cosas hablando en português. La verdade es que ya no sé bien quien soy…y que cansancio no lo saber…el otro dia, cuando volvia, mirava la ciudad y pensaba como estava bonita, por la noche, com sus luces. Nunca la habia mirado así. Cuando me miré, estava llorando. Es que también yo siento que estoy volvendo, de cierta forma, a mi niñez. Que estranho, não é? A sensação de caminhares, aprenderes, para poderes voltar a ser quem foste em criança. Mas é o que tenho sentido.
Voltaste a falar em português.
Voltei.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Oh não sejas assim, que vingativa!
Não me digas essas coisas. Sou vingativa, sim, assumo. Não acredito nas pessoas que dizem que nunca lhes apeteceu vingar-se de alguém.
Eu não. Nunca me passou pela cabeça.
Não sejas disparatada, é claro que sim.
Não, de todo.
Ai sim?! Então e aquele caso…aquele! Como se resolveu?
Não se resolveu. Fiquei tolhida por dentro. Senti-me pisada, machucada até mais não. Só me apetecia…
Diz-me, o que te apetecia?
Não há direito de fazerem isto a uma pessoa. Não são coisas que se digam nem a um cão, não achas?
Ah pois acho. E mais, conta-me, que mais sentiste?
Nem puxes por mim! Senti, senti…um ódio profundo. Mas nunca o manifestarei.
Que pena…
Pena porquê? Consegui não fazer mal a ninguém.
Acreditas realmente nisso?
Não me digas essas coisas. Sou vingativa, sim, assumo. Não acredito nas pessoas que dizem que nunca lhes apeteceu vingar-se de alguém.
Eu não. Nunca me passou pela cabeça.
Não sejas disparatada, é claro que sim.
Não, de todo.
Ai sim?! Então e aquele caso…aquele! Como se resolveu?
Não se resolveu. Fiquei tolhida por dentro. Senti-me pisada, machucada até mais não. Só me apetecia…
Diz-me, o que te apetecia?
Não há direito de fazerem isto a uma pessoa. Não são coisas que se digam nem a um cão, não achas?
Ah pois acho. E mais, conta-me, que mais sentiste?
Nem puxes por mim! Senti, senti…um ódio profundo. Mas nunca o manifestarei.
Que pena…
Pena porquê? Consegui não fazer mal a ninguém.
Acreditas realmente nisso?
segunda-feira, 7 de abril de 2008
Sonho (clique aqui!)
Mas me diga, Marília, que é que você gostava de ser mesmo?
Ué, sei não...
Pensa um pouco. Tem sonho não?
Tenho sim. De noite.
Isso é sonho passado. E de futuro, não tem? Tão jovenzinha ainda?
Futuro? Sei não. Sempre me disseram que eu tinha futuro, é verdade...mas sei não. Já meu irmão, todo o mundo dizia que não tinha, olha ele aí agora...
Mas cê é famosa também. Tá sendo entrevistada e tudo! Esse vídeo pode ir para o youtube e tudo, cê sabe?
Sei não. Mas tá bom. Eu gostava de ser vendedora.
Vendedora?! É mesmo?! Porquê?
Ah...eu gosto de arrumar e dobrar a roupa, ajudar a escolher qual combina melhor...eu fico olhando as moça lá, me dá uma inveja...
Engraçado, cê tem sonho de ser vendedora...
Eu não tenho sonho não, eu disse que eu gostava. Diferente.
É verdade, tem razão. E você não foi porquê? Teria sido mais fácil do que o que você é. E pode ainda ser!
Mais fácil?! Tá delirando, né? Aí, eu teria de te contar a história toda pra você entender...
Precisa não, já entendi tudo mesmo.
Ué, sei não...
Pensa um pouco. Tem sonho não?
Tenho sim. De noite.
Isso é sonho passado. E de futuro, não tem? Tão jovenzinha ainda?
Futuro? Sei não. Sempre me disseram que eu tinha futuro, é verdade...mas sei não. Já meu irmão, todo o mundo dizia que não tinha, olha ele aí agora...
Mas cê é famosa também. Tá sendo entrevistada e tudo! Esse vídeo pode ir para o youtube e tudo, cê sabe?
Sei não. Mas tá bom. Eu gostava de ser vendedora.
Vendedora?! É mesmo?! Porquê?
Ah...eu gosto de arrumar e dobrar a roupa, ajudar a escolher qual combina melhor...eu fico olhando as moça lá, me dá uma inveja...
Engraçado, cê tem sonho de ser vendedora...
Eu não tenho sonho não, eu disse que eu gostava. Diferente.
É verdade, tem razão. E você não foi porquê? Teria sido mais fácil do que o que você é. E pode ainda ser!
Mais fácil?! Tá delirando, né? Aí, eu teria de te contar a história toda pra você entender...
Precisa não, já entendi tudo mesmo.
quinta-feira, 3 de abril de 2008
Bom dia.
Bom dia. Desculpe o atraso. Que trânsito, hoje.
Pois, bem sei, a sra de há pouco disse-me a mesma coisa. Teve de correr para conseguir ter a consulta toda.
Ui, que horror.
Então, conte-me. Como tem sido a vida?
A vida? Normal…Ouviu falar dos neurónios da empatia?
Humm, não. E a mudança abrupta com esse tema parece uma provocação. A menina anda perita em provocações.
Oh, não, entendeu mal. Queria apenas ir directa ao assunto. Se calhar não fui muito empática. Mas não é a minha função nesta troca, comunicação, relação, conversa…enfim, os vários nomes que já reparei chamam a estas consultas.
Está enganada. Também é sua função.
Ora essa, eu pago-lhe. E ouviu?
O quê?
Falar dos neurónios. Da empatia.
Não. Novidade congressista?
Não, para o grande público! Dizem que existem uns neurónios responsáveis por respostas empáticas ao sofrimento dos outros. Bom, não necessariamente apenas ao sofrimento…agora que penso, porque não às alegrias?
Às alegrias é fácil.
Acha mesmo? Vê muita gente contente com o contentamento dos outros?
Contentinha, sim.
Ah sim, os contentinhos. Esses existem aos montões. Perdão, fui eu que escolhi mal a palavra. Felizes.
Tem razão, felizes com a felicidade dos outros também é tarefa difícil. Digamos que os extremos são difíceis.
É estranho ser difícil, não acha? Porque torna a coisa natural, o facto de até haver uns neurónios próprios dos humanos para o fazer! Como algo natural se torna numa tarefa difícil?
Se calhar estão a desaparecer. Esses neurónios. É natural, nos tempos que correm. Será selecção natural?
Bom dia. Desculpe o atraso. Que trânsito, hoje.
Pois, bem sei, a sra de há pouco disse-me a mesma coisa. Teve de correr para conseguir ter a consulta toda.
Ui, que horror.
Então, conte-me. Como tem sido a vida?
A vida? Normal…Ouviu falar dos neurónios da empatia?
Humm, não. E a mudança abrupta com esse tema parece uma provocação. A menina anda perita em provocações.
Oh, não, entendeu mal. Queria apenas ir directa ao assunto. Se calhar não fui muito empática. Mas não é a minha função nesta troca, comunicação, relação, conversa…enfim, os vários nomes que já reparei chamam a estas consultas.
Está enganada. Também é sua função.
Ora essa, eu pago-lhe. E ouviu?
O quê?
Falar dos neurónios. Da empatia.
Não. Novidade congressista?
Não, para o grande público! Dizem que existem uns neurónios responsáveis por respostas empáticas ao sofrimento dos outros. Bom, não necessariamente apenas ao sofrimento…agora que penso, porque não às alegrias?
Às alegrias é fácil.
Acha mesmo? Vê muita gente contente com o contentamento dos outros?
Contentinha, sim.
Ah sim, os contentinhos. Esses existem aos montões. Perdão, fui eu que escolhi mal a palavra. Felizes.
Tem razão, felizes com a felicidade dos outros também é tarefa difícil. Digamos que os extremos são difíceis.
É estranho ser difícil, não acha? Porque torna a coisa natural, o facto de até haver uns neurónios próprios dos humanos para o fazer! Como algo natural se torna numa tarefa difícil?
Se calhar estão a desaparecer. Esses neurónios. É natural, nos tempos que correm. Será selecção natural?
domingo, 30 de março de 2008
Bonecas
Já ouviste falar das bonecas que imitam mulheres?
Todas as bonecas imitam mulheres. Ou meninas.
Não, mas estas não só imitam visualmente, como também no toque, e até na forma como reagem. Estão a aperfeiçoá-las para se parecerem cada vez mais com mulheres reais. E são compradas por homens. Uma onda que começou na China. Há homens que até coleccionam, levam-nas para a natureza, tiram fotografias…
Tiram fotografias?!
Sim. Constroem uma relação com elas, a todos os níveis. Não só sexual, mas parece que também emocional. Ligam-se às bonecas, dão-lhes afecto, e recebem. Ou fingem que recebem.
Oh coitados, como andam as coisas na China…Tiram fotografias?!
Achas que por cá está muito diferente?
Bom, não existem estas bonecas. Os homens continuam a dar-se com as mulheres reais.
Tens razão, bonecas ainda não vi. Destas, pelo menos. Mas isso de se continuarem a relacionar com mulheres reais…uma solidão que eu vejo…desculpa a repetição do tema, é que repetir coisas estrutura. Dizem os peritos que é na repetição da história em vários contextos que ela se vai consolidando. E temos de agir consoante a nova história, também. Mas também, porque quero eu consolidar ideias sobre a solidão dos humanos? Desculpa, lá estou eu a meter conversas dentro de conversas. Há momentos em que pululam. As ideias. Tenho a certeza que vi a palavra pulular há pouco tempo, mas não me lembro onde. Não é palavra minha. Vamos continuar directamente com o tema inicial, esquece esta parte se quiseres. Conheço cada vez mais mulheres a dizer que os homens não têm o que lhes interessa, e os homens a queixar-se das mulheres, e sem saber como dar-se com elas. Mas todos à procura uns dos outros.
Humm. Sim, tudo isso é muito estranho. Mas sabes o que mais me choca? As fotografias…
Todas as bonecas imitam mulheres. Ou meninas.
Não, mas estas não só imitam visualmente, como também no toque, e até na forma como reagem. Estão a aperfeiçoá-las para se parecerem cada vez mais com mulheres reais. E são compradas por homens. Uma onda que começou na China. Há homens que até coleccionam, levam-nas para a natureza, tiram fotografias…
Tiram fotografias?!
Sim. Constroem uma relação com elas, a todos os níveis. Não só sexual, mas parece que também emocional. Ligam-se às bonecas, dão-lhes afecto, e recebem. Ou fingem que recebem.
Oh coitados, como andam as coisas na China…Tiram fotografias?!
Achas que por cá está muito diferente?
Bom, não existem estas bonecas. Os homens continuam a dar-se com as mulheres reais.
Tens razão, bonecas ainda não vi. Destas, pelo menos. Mas isso de se continuarem a relacionar com mulheres reais…uma solidão que eu vejo…desculpa a repetição do tema, é que repetir coisas estrutura. Dizem os peritos que é na repetição da história em vários contextos que ela se vai consolidando. E temos de agir consoante a nova história, também. Mas também, porque quero eu consolidar ideias sobre a solidão dos humanos? Desculpa, lá estou eu a meter conversas dentro de conversas. Há momentos em que pululam. As ideias. Tenho a certeza que vi a palavra pulular há pouco tempo, mas não me lembro onde. Não é palavra minha. Vamos continuar directamente com o tema inicial, esquece esta parte se quiseres. Conheço cada vez mais mulheres a dizer que os homens não têm o que lhes interessa, e os homens a queixar-se das mulheres, e sem saber como dar-se com elas. Mas todos à procura uns dos outros.
Humm. Sim, tudo isso é muito estranho. Mas sabes o que mais me choca? As fotografias…
domingo, 23 de março de 2008
A luta
Gosto tanto de ti…
E eu de ti?!
És fantástica.
Oh, tu é que és.
Uma doçura.
Tu é que és uma ternura.
É que dizes coisas mesmo interessantes…
E tu?! Tu sabes tanto, discutes qualquer assunto.
Amo esse teu ar ingénuo e ao mesmo tempo sabedor.
Oh, e tu tão sociável mas sempre com alguma distância.
Adoro os teus cabelos.
E eu as tuas mãos.
És tão sensível.
E tu tão forte.
Pensando bem, és hipersensível.
Bom, e tu uma fortaleza...
Fortaleza?! Tu és mesmo totó.
Totó?! E tu desconfiado. Parvo
Parva.
Estúpido.
Cabra.
Pensando bem, odeio-te
E eu a ti?!
E eu de ti?!
És fantástica.
Oh, tu é que és.
Uma doçura.
Tu é que és uma ternura.
É que dizes coisas mesmo interessantes…
E tu?! Tu sabes tanto, discutes qualquer assunto.
Amo esse teu ar ingénuo e ao mesmo tempo sabedor.
Oh, e tu tão sociável mas sempre com alguma distância.
Adoro os teus cabelos.
E eu as tuas mãos.
És tão sensível.
E tu tão forte.
Pensando bem, és hipersensível.
Bom, e tu uma fortaleza...
Fortaleza?! Tu és mesmo totó.
Totó?! E tu desconfiado. Parvo
Parva.
Estúpido.
Cabra.
Pensando bem, odeio-te
E eu a ti?!
terça-feira, 18 de março de 2008
Não toque aí que me dói.
Pois é assim mesmo, tem de doer para curar.
Oh, não se lembra daquela história da mãe que pôs álcool nos olhos da filha para curar e ela ficou cega?
Sim. Temos de saber bem o quê para o quê.
Mas aqui não sabe. Nem sabe bem o que tenho. Duvido até que possa saber exactamente algum dia. Ainda que entenda bem…não é a minha pessoa. Engraçado, falava ontem disto.
Por isso a palpava levezinho.
Pois, mas sabe, do que precisava era de um apalpão daqueles…talvez me desengonçasse um bocado e tudo se rearranjasse depois por si. Quer dizer, por mim.
Mas se lhe fizesse isso ainda doeria mais!
Tem razão, não sei o que quero. Nem sei bem o que quero com este texto. Acabemos.
Estás a cortar comigo?
Interessante, passámos à 2ª pessoa. Porque te disse que queria terminar tudo. Não chores, passarinho…quem deveria chorar era eu, que tenho aqui esta dor…
Eu é que tenho dores…insuportáveis. Mas não, aguento-me aqui sem mais nada. Sou ou não corajoso? Mas tenho esta dor…insuportável. Mas não me queixo. Uma dor insuportável. E nada, nem um piar. Só esta dor insuportável.
Corajoso, tu? Tu és é…insuportável.
Pois é assim mesmo, tem de doer para curar.
Oh, não se lembra daquela história da mãe que pôs álcool nos olhos da filha para curar e ela ficou cega?
Sim. Temos de saber bem o quê para o quê.
Mas aqui não sabe. Nem sabe bem o que tenho. Duvido até que possa saber exactamente algum dia. Ainda que entenda bem…não é a minha pessoa. Engraçado, falava ontem disto.
Por isso a palpava levezinho.
Pois, mas sabe, do que precisava era de um apalpão daqueles…talvez me desengonçasse um bocado e tudo se rearranjasse depois por si. Quer dizer, por mim.
Mas se lhe fizesse isso ainda doeria mais!
Tem razão, não sei o que quero. Nem sei bem o que quero com este texto. Acabemos.
Estás a cortar comigo?
Interessante, passámos à 2ª pessoa. Porque te disse que queria terminar tudo. Não chores, passarinho…quem deveria chorar era eu, que tenho aqui esta dor…
Eu é que tenho dores…insuportáveis. Mas não, aguento-me aqui sem mais nada. Sou ou não corajoso? Mas tenho esta dor…insuportável. Mas não me queixo. Uma dor insuportável. E nada, nem um piar. Só esta dor insuportável.
Corajoso, tu? Tu és é…insuportável.
quarta-feira, 12 de março de 2008
Do que é que gostas mais na vida?
De algumas coisas.
Por exemplo?
Gosto de pormenores. Apesar da minha tendência de olhar para o todo.
Pormenores? Como assim?
Gosto do cheiro dos livros, por exemplo. Sempre gostei. Mas agora gosto mais.
E mais?
Gosto de alguns sons. Gosto de lençóis lavados, do frio dos lençóis, e sentir-me a aquecer neles lentamente. Gosto do barulho da máquina a lavar a loiça. Gosto do camião do lixo a passar àquela hora. Gosto de marcas no corpo, daquela marca de quando caí quando tinha 3 anos e ficou no meu joelho. Olho para ela de tempos a tempos. Gosto de conduzir. Gosto de pianos. Gosto de repetir palavras. Gosto de algumas fotografias. Como aquela em que me apanhaste a rir desalmadamente.
Oh, essa fotografia está tão gira.
Não, gira não.
Que chata com os termos. Pronto, genuína.
Que é feito dela?
De quem?
Da fotografia.
Está no armário, onde querias que estivesse?
Podes procurá-la?
Não posso…e tu tens tão pouco que fazer. Faz isso por ti.
De algumas coisas.
Por exemplo?
Gosto de pormenores. Apesar da minha tendência de olhar para o todo.
Pormenores? Como assim?
Gosto do cheiro dos livros, por exemplo. Sempre gostei. Mas agora gosto mais.
E mais?
Gosto de alguns sons. Gosto de lençóis lavados, do frio dos lençóis, e sentir-me a aquecer neles lentamente. Gosto do barulho da máquina a lavar a loiça. Gosto do camião do lixo a passar àquela hora. Gosto de marcas no corpo, daquela marca de quando caí quando tinha 3 anos e ficou no meu joelho. Olho para ela de tempos a tempos. Gosto de conduzir. Gosto de pianos. Gosto de repetir palavras. Gosto de algumas fotografias. Como aquela em que me apanhaste a rir desalmadamente.
Oh, essa fotografia está tão gira.
Não, gira não.
Que chata com os termos. Pronto, genuína.
Que é feito dela?
De quem?
Da fotografia.
Está no armário, onde querias que estivesse?
Podes procurá-la?
Não posso…e tu tens tão pouco que fazer. Faz isso por ti.
quinta-feira, 6 de março de 2008
Máscaras
Há pessoas que vivem mascaradas.
Não viveremos sempre mascarados?
Sim, de certa forma. Apesar de termos a sensação de sermos muito verdadeiros. E somos, ainda que mascarados. Mas não falo disso.
Então?
É que há pessoas que parece que vivem a fingir. Não fazem disparates. Sempre a fingir. A fingir que se riem. A fingir que choram. A fingir que são muito bons, ou muito maus. A fingir que são decididos. A fingir que são bem comportados. Não chafurdes na lama, filho, arruma isso, filho, és muito lindo, filho, mas só fazes disparates e no fundo precisas de mim, filho, não te dou beijinhos porque cheiras mal da boca, vai antes lavar os dentes e depois vamos aos beijinhos, e olha, porque não te lavas antes de irmos para a cama? Não faças isso, não fales alto que ouvem, não digas essas coisas porque apesar de deus não existir ele castiga, vou agora dizer isso, ainda alguém me faz alguma coisa, isto há que estar sempre atento, sempre verticalmente atento, és tão querida, és gira, mas hoje toma lá que és uma vaca, mas não era isso que queria dizer, coitada de ti, és tão boazinha, agora uma vaca…és um cão, pronto, um cão, toma lá festas, que mais queres? Não vás por aí cão, senta cão, dá beijinhos, que queridos os cães, agora vaca… A fingir que são boas pessoas. A fingir que sentem. A fingir que amam. A fingir que vivem.
Não fazem disparates?! Coitados...
Não viveremos sempre mascarados?
Sim, de certa forma. Apesar de termos a sensação de sermos muito verdadeiros. E somos, ainda que mascarados. Mas não falo disso.
Então?
É que há pessoas que parece que vivem a fingir. Não fazem disparates. Sempre a fingir. A fingir que se riem. A fingir que choram. A fingir que são muito bons, ou muito maus. A fingir que são decididos. A fingir que são bem comportados. Não chafurdes na lama, filho, arruma isso, filho, és muito lindo, filho, mas só fazes disparates e no fundo precisas de mim, filho, não te dou beijinhos porque cheiras mal da boca, vai antes lavar os dentes e depois vamos aos beijinhos, e olha, porque não te lavas antes de irmos para a cama? Não faças isso, não fales alto que ouvem, não digas essas coisas porque apesar de deus não existir ele castiga, vou agora dizer isso, ainda alguém me faz alguma coisa, isto há que estar sempre atento, sempre verticalmente atento, és tão querida, és gira, mas hoje toma lá que és uma vaca, mas não era isso que queria dizer, coitada de ti, és tão boazinha, agora uma vaca…és um cão, pronto, um cão, toma lá festas, que mais queres? Não vás por aí cão, senta cão, dá beijinhos, que queridos os cães, agora vaca… A fingir que são boas pessoas. A fingir que sentem. A fingir que amam. A fingir que vivem.
Não fazem disparates?! Coitados...
quarta-feira, 5 de março de 2008
Sinal
Dr., aconteceu-me uma coisa estranha.
Diga diga. Mas vá subindo aqui para a balança.
Despida?
Sim, despida.
Lembra-se daquele sinal? Aquele...
Humm, está mais pesada. Bom sinal.
O outro sinal. Aquele que foi crescendo, crescendo...
Sim sim.
Pois aconteceu-me uma coisa muito estranha.
Hummm. As análises também estão boas.
Desapareceu.
Como desapareceu?!
Desapareceu, Dr. Não sei como. Acordei e ele já não estava lá. Foi terrível.
Terrível? Mas isso é óptimo! Não terá de fazer aquela intervenção...
Oh não, eu não a iria fazer...passei a amar o meu sinal.
Não a estou a entender.
Descobri que o amava. Foi um processo longo...e agora este luto...
Isso é bom sinal. Talvez. Que o tenha passado a amar. Ao sinal.
Sim. Odiei-o um dia. Como sabe...
Oh sim, se sei. Até lhe disse na altura que era disparatado, no fundo até era um sinal bonito.
Bonito não era. Era feio. Nojento para alguns. Lembra-se como não podia mostrar o meu pescoço...Pois bem, agora andava sempre de cabelo apanhado, como que a exibi-lo.
Faz bem, tem um pescoço lindo.
Mas e agora? O que faço? Será sinal de alguma coisa?
Diga diga. Mas vá subindo aqui para a balança.
Despida?
Sim, despida.
Lembra-se daquele sinal? Aquele...
Humm, está mais pesada. Bom sinal.
O outro sinal. Aquele que foi crescendo, crescendo...
Sim sim.
Pois aconteceu-me uma coisa muito estranha.
Hummm. As análises também estão boas.
Desapareceu.
Como desapareceu?!
Desapareceu, Dr. Não sei como. Acordei e ele já não estava lá. Foi terrível.
Terrível? Mas isso é óptimo! Não terá de fazer aquela intervenção...
Oh não, eu não a iria fazer...passei a amar o meu sinal.
Não a estou a entender.
Descobri que o amava. Foi um processo longo...e agora este luto...
Isso é bom sinal. Talvez. Que o tenha passado a amar. Ao sinal.
Sim. Odiei-o um dia. Como sabe...
Oh sim, se sei. Até lhe disse na altura que era disparatado, no fundo até era um sinal bonito.
Bonito não era. Era feio. Nojento para alguns. Lembra-se como não podia mostrar o meu pescoço...Pois bem, agora andava sempre de cabelo apanhado, como que a exibi-lo.
Faz bem, tem um pescoço lindo.
Mas e agora? O que faço? Será sinal de alguma coisa?
domingo, 2 de março de 2008
Dra, acha que os gatos são felizes?
Bom, há 15 dias que não falamos. Essa conversa é um pouco estranha para mim. O que andou a ler?
Nada. Tive tempo para pensar.
Aaaaaah
Sei que não é uma ideia nova, mas às vezes gostava de ser gato. Ou cão, ou outro bicho qualquer.
Porquê?
Porque gostava de apenas sentir. De desfrutar do sol a entrar na janela sem pensar nisso ao mesmo tempo.
Mas não desfrutaria. O gato não conhece a palavra desfrutar. Não tem esse conceito.
Está-me a dizer que ele não é feliz nesse momento?! Com aquele ar que ele põe quando se põe ao sol, não é feliz?!
Hummm...será. Mas não sabe que é. De que lhe serviria isso a si?
É que estou farta das palavras.
Compreendo.
Acha que é possível amar alguém sem palavras? Quer dizer, não é só sem as dizer. É sem as pensar.
Francamente, acho que não. Para quando marcamos a próxima conversa?
Bom, há 15 dias que não falamos. Essa conversa é um pouco estranha para mim. O que andou a ler?
Nada. Tive tempo para pensar.
Aaaaaah
Sei que não é uma ideia nova, mas às vezes gostava de ser gato. Ou cão, ou outro bicho qualquer.
Porquê?
Porque gostava de apenas sentir. De desfrutar do sol a entrar na janela sem pensar nisso ao mesmo tempo.
Mas não desfrutaria. O gato não conhece a palavra desfrutar. Não tem esse conceito.
Está-me a dizer que ele não é feliz nesse momento?! Com aquele ar que ele põe quando se põe ao sol, não é feliz?!
Hummm...será. Mas não sabe que é. De que lhe serviria isso a si?
É que estou farta das palavras.
Compreendo.
Acha que é possível amar alguém sem palavras? Quer dizer, não é só sem as dizer. É sem as pensar.
Francamente, acho que não. Para quando marcamos a próxima conversa?
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
A solidão é das piores coisas que existem...
Pois é. É um problema muito actual, a solidão na velhice.
Oh, não, estás enganado, não é só na velhice. É um problema dos novos também.
Como assim?
É verdade. Acho a população jovem adulta muito só. Estabelecem poucas relações, ou muitas mas pouco profundas. O que dá uma sensação de grande solidão. Bom, na generalidade dos casos, claro.
Sim, isso talvez seja verdade.
Precisamos uns dos outros. Não entendo esta tendência actual para negar isso.
Achas que há essa tendência? Bom, a verdade é que tens de gostar o suficiente de ti e de saber estar sozinho. Ou saberes quem és, independentemente dos outros.
Isso não existe.
Como não? Eu sou eu, não dependo de ninguém para ser eu.
Não é verdade. Tu és muitos eus. E não eras ninguém sem os outros, creio. A imagem que tens de ti vai-se formando com os outros, e não como algo à parte. Tu é que entendes como algo à parte, senão dar-te-ia uma sensação insuportável de falta de identidade. É assim, pelo menos no mundo ocidental actual.
Não entendo o que dizes. Eu sou eu, disso tenho a certeza. E não preciso de ninguém que me diga quem sou. Na verdade, pensando bem, não preciso de ninguém. Viveria bem sozinho.
Sorte a tua. Quando fores velho não terás problemas de solidão...
Pois é. É um problema muito actual, a solidão na velhice.
Oh, não, estás enganado, não é só na velhice. É um problema dos novos também.
Como assim?
É verdade. Acho a população jovem adulta muito só. Estabelecem poucas relações, ou muitas mas pouco profundas. O que dá uma sensação de grande solidão. Bom, na generalidade dos casos, claro.
Sim, isso talvez seja verdade.
Precisamos uns dos outros. Não entendo esta tendência actual para negar isso.
Achas que há essa tendência? Bom, a verdade é que tens de gostar o suficiente de ti e de saber estar sozinho. Ou saberes quem és, independentemente dos outros.
Isso não existe.
Como não? Eu sou eu, não dependo de ninguém para ser eu.
Não é verdade. Tu és muitos eus. E não eras ninguém sem os outros, creio. A imagem que tens de ti vai-se formando com os outros, e não como algo à parte. Tu é que entendes como algo à parte, senão dar-te-ia uma sensação insuportável de falta de identidade. É assim, pelo menos no mundo ocidental actual.
Não entendo o que dizes. Eu sou eu, disso tenho a certeza. E não preciso de ninguém que me diga quem sou. Na verdade, pensando bem, não preciso de ninguém. Viveria bem sozinho.
Sorte a tua. Quando fores velho não terás problemas de solidão...
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Sabes, hoje estive a pensar. Esta vida são lutos uns atrás dos outros.
Sim, as pessoas morrem.
Não é só isso.
Como não é só isso?
A vida inteira. Já viste? Fazemos o luto pelos que morrem, pelos que não morrem mas é como se morressem, pelo que fomos, pelos ideais que tinhamos e se esvaziam, pelos lugares que ocupávamos e deixámos de ocupar, pelo que pensávamos que éramos e afinal não somos, pelos nossos sonhos, pelos nossos projectos, pelo que pensávamos que iríamos ser e não fomos e não somos. Dia após dia...
Sim. Mas como querias que fosse? Não fosse assim e continuarias igual ao longo da vida.
Será? Porque é necessário sofrer para crescer? E ficarás melhor e mais adaptado? Ou apenas mais duro, frio, distante?
Um pouco de distância é necessário. Não dizias outro dia que te sentias tão bem, como se sobrevoasses os teus sentimentos? Não conseguirias isso sem experiência. Não mudarias sem experiência.
E porque é que temos de mudar?
Tudo muda. Nós, as nossas relações, ainda que com as mesmas pessoas, o que pensamos sobre nós, os outros e o mundo. Conheces por exemplo algum casal que se mantenha que não tenha evoluido? Que não tenha passado por crises?
Mas PORQUÊ?
Não te lembras do filme? Aquele do Visconti, o Leopardo...Tudo muda, para que possa continuar tudo na mesma.
Sim, as pessoas morrem.
Não é só isso.
Como não é só isso?
A vida inteira. Já viste? Fazemos o luto pelos que morrem, pelos que não morrem mas é como se morressem, pelo que fomos, pelos ideais que tinhamos e se esvaziam, pelos lugares que ocupávamos e deixámos de ocupar, pelo que pensávamos que éramos e afinal não somos, pelos nossos sonhos, pelos nossos projectos, pelo que pensávamos que iríamos ser e não fomos e não somos. Dia após dia...
Sim. Mas como querias que fosse? Não fosse assim e continuarias igual ao longo da vida.
Será? Porque é necessário sofrer para crescer? E ficarás melhor e mais adaptado? Ou apenas mais duro, frio, distante?
Um pouco de distância é necessário. Não dizias outro dia que te sentias tão bem, como se sobrevoasses os teus sentimentos? Não conseguirias isso sem experiência. Não mudarias sem experiência.
E porque é que temos de mudar?
Tudo muda. Nós, as nossas relações, ainda que com as mesmas pessoas, o que pensamos sobre nós, os outros e o mundo. Conheces por exemplo algum casal que se mantenha que não tenha evoluido? Que não tenha passado por crises?
Mas PORQUÊ?
Não te lembras do filme? Aquele do Visconti, o Leopardo...Tudo muda, para que possa continuar tudo na mesma.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Já leste aquele livro, o Segredo?
Já li o suficiente.
O suficiente para quê?
Para me ter posto a pensar que tanta gente se sentiu movida por algo que é dito por psicólogos, psiquiatras, bruxos, astrólogos, etc etc, há tanto tempo, e de repente parece que descobriram algum segredo.
Como assim?
É verdade. Basicamente, as nossas crenças são profecias que tendemos a confirmar. O que sentimos e o que pensamos da vida tem a ver com a interpretação que fazemos dela, é essa interpretação. Se conseguirmos pensar que a nossa vida é positiva e que futuramente atingiremos os nossos objectivos, eles tendem a concretizar-se. Tendemos a confirmar as nossas crenças. Ainda que a realidade, ou a realidade vista por outra pessoa qualquer, pouco tenha a ver com o que vemos. Mas como o que importa é o que nós vemos...Isto em linguagem psicológica. Podemos pôr isto em linguagem de astrólogo, ou de bruxo, mas todos dirão a mesma coisa de outra forma. Energia positiva atrai energia positiva...e aí por diante
Então porque é que este livro causou tanto impacto?
Talvez porque as pessoas sentiram que afinal são todas iguais...e quando vão ao psicólogo não sentem, acham-se diferentes, estranhas, anormais...
E por se sentirem normais acreditam mais? Por ser para o público em geral?
Não, mas se um psicólogo te diz algo parecido, entendes como um processo terapêutico, não como uma filosofia de vida. Talvez. E porque ninguém liga ao que dizem os psicólogos e outros seres estranhos: coisa de doidos. Eles próprios todos doidos.
Hummm. E porque não considerar que foram os psicólogos e outros que tais que não conseguiram chegar a toda esta gente, ao contrário do que conseguiu alguém com um livro?
Sim, também é verdade. Mas espera-se dos técnicos pensamentos ditos "profundos", interpretações mirabolantes, do que pensamos, do que sentimos, do que dizemos, do que não dizemos, dos nossos sonhos, do nosso consciente, do nosso inconsciente. Não se espera o óbvio. A quem mudaria eu a vida se lhe dissesse, em consulta, que se conseguisse pensar de forma positiva tenderia a atrair coisas positivas?
No entanto, a quantidade de pessoas que já me disse que este livro mudou as suas vidas.
Exacto.
Humm. É confuso. Hoje não me levas.
Se calhar não fui suficientemente profunda.
Já li o suficiente.
O suficiente para quê?
Para me ter posto a pensar que tanta gente se sentiu movida por algo que é dito por psicólogos, psiquiatras, bruxos, astrólogos, etc etc, há tanto tempo, e de repente parece que descobriram algum segredo.
Como assim?
É verdade. Basicamente, as nossas crenças são profecias que tendemos a confirmar. O que sentimos e o que pensamos da vida tem a ver com a interpretação que fazemos dela, é essa interpretação. Se conseguirmos pensar que a nossa vida é positiva e que futuramente atingiremos os nossos objectivos, eles tendem a concretizar-se. Tendemos a confirmar as nossas crenças. Ainda que a realidade, ou a realidade vista por outra pessoa qualquer, pouco tenha a ver com o que vemos. Mas como o que importa é o que nós vemos...Isto em linguagem psicológica. Podemos pôr isto em linguagem de astrólogo, ou de bruxo, mas todos dirão a mesma coisa de outra forma. Energia positiva atrai energia positiva...e aí por diante
Então porque é que este livro causou tanto impacto?
Talvez porque as pessoas sentiram que afinal são todas iguais...e quando vão ao psicólogo não sentem, acham-se diferentes, estranhas, anormais...
E por se sentirem normais acreditam mais? Por ser para o público em geral?
Não, mas se um psicólogo te diz algo parecido, entendes como um processo terapêutico, não como uma filosofia de vida. Talvez. E porque ninguém liga ao que dizem os psicólogos e outros seres estranhos: coisa de doidos. Eles próprios todos doidos.
Hummm. E porque não considerar que foram os psicólogos e outros que tais que não conseguiram chegar a toda esta gente, ao contrário do que conseguiu alguém com um livro?
Sim, também é verdade. Mas espera-se dos técnicos pensamentos ditos "profundos", interpretações mirabolantes, do que pensamos, do que sentimos, do que dizemos, do que não dizemos, dos nossos sonhos, do nosso consciente, do nosso inconsciente. Não se espera o óbvio. A quem mudaria eu a vida se lhe dissesse, em consulta, que se conseguisse pensar de forma positiva tenderia a atrair coisas positivas?
No entanto, a quantidade de pessoas que já me disse que este livro mudou as suas vidas.
Exacto.
Humm. É confuso. Hoje não me levas.
Se calhar não fui suficientemente profunda.
domingo, 17 de fevereiro de 2008
És optimista?
Depende. Em relação ao quê?
Em relação às pessoas.
Sim, pode-se dizer que sim. Sou crente no espírito humano. Mas há algo de paradoxal no que sinto em relação a isso.
Então?
Infelizmente, acho que a grande maioria das pessoas, pelo menos da nossa idade, é egoísta e amorfa.
Que queres dizer com amorfa?
Sentem pouco. Lutam pouco. Ou lutam muito, mas pelas coisas erradas. Dão pouco.
E porque achas que isso acontece?
Hummm, não sei bem. Uma grande insegurança, um grande medo. Medo de dar, medo de sofrer, medo, em geral, de viver. Medo de lutar e de não conseguir. E de se confrontar com isso. Talvez medo de "ser", e de constatarem que são tão pouco.
Não viverão melhor, essas pessoas?
Nos tempos que correm, não tenho dúvidas. Mas morrerão tão acompanhadamente sós...
Depende. Em relação ao quê?
Em relação às pessoas.
Sim, pode-se dizer que sim. Sou crente no espírito humano. Mas há algo de paradoxal no que sinto em relação a isso.
Então?
Infelizmente, acho que a grande maioria das pessoas, pelo menos da nossa idade, é egoísta e amorfa.
Que queres dizer com amorfa?
Sentem pouco. Lutam pouco. Ou lutam muito, mas pelas coisas erradas. Dão pouco.
E porque achas que isso acontece?
Hummm, não sei bem. Uma grande insegurança, um grande medo. Medo de dar, medo de sofrer, medo, em geral, de viver. Medo de lutar e de não conseguir. E de se confrontar com isso. Talvez medo de "ser", e de constatarem que são tão pouco.
Não viverão melhor, essas pessoas?
Nos tempos que correm, não tenho dúvidas. Mas morrerão tão acompanhadamente sós...
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Relações
As relações são mesmo complicadas...
Pois são.
Oh, dizes isso, mas estás tão bem.
Bom, estou bem mas não deixo de saber que são complicadas. Se calhar exactamente por saber...E sabes lá se estou assim tão bem.
Não estás?
Estou. Bem, acho que sim. Tendo em conta o que vejo à minha volta.
Que inveja que tenho de ti. Como é que fazes?
Não sei bem...tens de tolerar, mas não demasiado. Tens de aceitar, mas não tudo. Tens de ser exigente, mas com medida. Tens de ser espontânea, mas não dizer tudo. Intensa, mas sem sufocar. Tens de estar no "nós", mas ser também "tu" sozinha. Tens de olhar com ele no mesmo sentido, mas não para ele. Tens de partilhar, mas não ser chata. Tens de ser generosa, mas nunca te deixares humilhar. Tens de fazê-lo sentir que é óptimo, ver o positivo, sobretudo quando discutes. Deves dar paz, mas não ser panhonha. Deves ser interessante, mas não mais que ele. Deves ser complexa, mas não complicada...
Complexo. Ou complicado, mesmo.
Pois é. Que inveja que tenho de ti.
Pois são.
Oh, dizes isso, mas estás tão bem.
Bom, estou bem mas não deixo de saber que são complicadas. Se calhar exactamente por saber...E sabes lá se estou assim tão bem.
Não estás?
Estou. Bem, acho que sim. Tendo em conta o que vejo à minha volta.
Que inveja que tenho de ti. Como é que fazes?
Não sei bem...tens de tolerar, mas não demasiado. Tens de aceitar, mas não tudo. Tens de ser exigente, mas com medida. Tens de ser espontânea, mas não dizer tudo. Intensa, mas sem sufocar. Tens de estar no "nós", mas ser também "tu" sozinha. Tens de olhar com ele no mesmo sentido, mas não para ele. Tens de partilhar, mas não ser chata. Tens de ser generosa, mas nunca te deixares humilhar. Tens de fazê-lo sentir que é óptimo, ver o positivo, sobretudo quando discutes. Deves dar paz, mas não ser panhonha. Deves ser interessante, mas não mais que ele. Deves ser complexa, mas não complicada...
Complexo. Ou complicado, mesmo.
Pois é. Que inveja que tenho de ti.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Como se sente hoje?
Bem...estranhamente.
Porquê estranhamente?
Porque nada exteriormente mudou muito.
Pois, acontece. Talvez tenha mudado a forma como vê as coisas.
Talvez. Mas desta vez não foi um esforço consciente.
O que mudou na sua forma de as ver?
Bom...vejo talvez como estando distante de mim.
Como assim?
Como se fosse algo que se estivesse a passar a um outro nível. Como se a vida real estivesse num nível mais baixo, para a qual eu olhasse.
Engraçado. Como conseguiu fazer isso?
Não sei. Como lhe digo, não tem sido um esforço consciente. Primeiro passei por uma fase de análise, de interpretação. E hoje...essa análise mantém-se, mas mais distante. Como aqueles sonhos em que nos vemos de fora.
Mas a forma como vê é diferente?
A forma como entendo é a mesma, mas isso não provoca em mim os mesmos sentimentos de ontem, ou de anteontem. Olho simplesmente, sei que faz parte de mim, da minha história mas...eu não sou aquilo.
Bem...estranhamente.
Porquê estranhamente?
Porque nada exteriormente mudou muito.
Pois, acontece. Talvez tenha mudado a forma como vê as coisas.
Talvez. Mas desta vez não foi um esforço consciente.
O que mudou na sua forma de as ver?
Bom...vejo talvez como estando distante de mim.
Como assim?
Como se fosse algo que se estivesse a passar a um outro nível. Como se a vida real estivesse num nível mais baixo, para a qual eu olhasse.
Engraçado. Como conseguiu fazer isso?
Não sei. Como lhe digo, não tem sido um esforço consciente. Primeiro passei por uma fase de análise, de interpretação. E hoje...essa análise mantém-se, mas mais distante. Como aqueles sonhos em que nos vemos de fora.
Mas a forma como vê é diferente?
A forma como entendo é a mesma, mas isso não provoca em mim os mesmos sentimentos de ontem, ou de anteontem. Olho simplesmente, sei que faz parte de mim, da minha história mas...eu não sou aquilo.
sábado, 9 de fevereiro de 2008
Expectativas...
Gostava de não criar tantas expectativas.
Cria muitas expectativas em relação ao quê?
A tudo. Em relação à minha vida...em relação às pessoas, em relação a mim...
Mas ter expectativas também é necessário, faz-nos perseguir objectivos, querer o melhor...
Sim, mas se as expectativas são muito grandes, os resultados deixam-me sempre frustrada.
Sim, se calhar não podem ser demasiado altas, mas será bom ou até possível não ter expectativas nenhumas?
Dizem os estudos que os povos mais felizes são os que têm expectativas de vida menores...mas também já vi alguns que diziam que era bom ter expectativas elevadas, exactamente porque se lutava mais pelo que se queria.
Pois...se calhar o ideal seria ter objectivos e exigências e lutar por elas, mas pensando que o resultado pode não ser o que esperamos. Porque, de facto, muitas vezes esse resultado não depende apenas de nós...
E há quem consiga fazer isso?
...
Cria muitas expectativas em relação ao quê?
A tudo. Em relação à minha vida...em relação às pessoas, em relação a mim...
Mas ter expectativas também é necessário, faz-nos perseguir objectivos, querer o melhor...
Sim, mas se as expectativas são muito grandes, os resultados deixam-me sempre frustrada.
Sim, se calhar não podem ser demasiado altas, mas será bom ou até possível não ter expectativas nenhumas?
Dizem os estudos que os povos mais felizes são os que têm expectativas de vida menores...mas também já vi alguns que diziam que era bom ter expectativas elevadas, exactamente porque se lutava mais pelo que se queria.
Pois...se calhar o ideal seria ter objectivos e exigências e lutar por elas, mas pensando que o resultado pode não ser o que esperamos. Porque, de facto, muitas vezes esse resultado não depende apenas de nós...
E há quem consiga fazer isso?
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