terça-feira, 7 de outubro de 2008

Redescobrir (clique aqui)

Já viste esta gaveta?

Essa ainda não.

Está cheia de papéis e de recortes de jornal. Cartas, e rascunhos de cartas.

O que dizem?

Contam histórias. Sabes como adoro estas coisas. Fico com a visão do conjunto e do individual. Descobrir as pessoas comove-me. Mais ainda quando têm alguma ligação comigo.

Porque achas que temos essa necessidade? De conhecer a nossa história, que afinal nem é nossa?

Bem, nem toda a gente deve ter essa necessidade.

Julgo ser bastante geral. Muitas pessoas vão à procura das origens.

Raízes. Fazem parte da tua identidade. Um tema muito presente por aqui. Que anda a par e passo com o da mudança, parece-me. Memórias que talvez nos ajudem a sentirmo-nos nós. Somos vários. No entanto julgamo-nos um.

Parece que tem a ver com a confiança entre as pessoas.

Como assim?

Bom, não sei será a razão. Ou sequer uma das razões, mas faz-me sentido. Definires-te como algo estável permite aos outros saberem com o que contam, e estabeleceres relações de confiança. Agora que penso nisso, será que este meu gosto em perceber as pessoas tem a ver com a necessidade de controlo?

É melhor dizeres estabilidade. Ou previsão. Controlo parece patológico.

É bastante estranho pensar que tudo se resume a isso. Há quem diga que somos todos cebolas. Que imagem feia esta das cebolas. Enfim, algo com várias camadas. Vais descascando, e ao contrário do que pensas não sobra nada. Ou sobram as várias capas todas soltas. Talvez a estabilidade esteja naquilo que as une. Uma espécie de rede que as liga.

Achas então que não existe núcleo…

Acho que acaba por ser construído algo que se mantém, e gosto mais da imagem da rede. Lembro-me de um dia, naquele jogo dos animais, me atribuírem um camaleão. Não sei se não terás sido tu! Fiquei estranhamente triste, talvez por ter entendido que me queriam dizer que não era constante. Disseram-me entretanto que a imagem era de flexibilidade e adaptação. Já viste como as palavras mudam tudo?

Mesmo tudo. Será que a rede é feita delas? Das palavras.

Por favor, não saltes agora para o tema das palavras. É tão tarde, e ainda não fizemos metade do que devíamos. Vê o que encontrei aqui.

2 comentários:

Luis disse...

Estabilidade. Previsão. Passamos a vida a querer que as coisas não mudem (ou que mudem para melhor e estabilizem nesse 'melhor') quando a vida é feita de mudança. Tanta inflexibilidade perante o que não pode deixar de ser flexível...

E o procurar as nossas origens, não terá a ver com o facto do sermos vários, e de esses vários não serem senão construções a partir dos Legos dos outros. E quando um dia olhamos para o espelho, não reconhecemos as peças, a nossa mente diz-nos "quem é este?, este não és tu!" e partimos à procura das nossas próprias peças, da nossa identidade um pouco mais verdadeira.

E os poucos que conseguem fugir desta construção alheia forçada não deixam de sofrer a distância (e outras coisas) de quem não os compreende porque são demasiado eles próprios, demasiado incómodos.

Não serão as camadas da cebola fruto dessa construção alheia? "Esta capa é para os meus pais, esta vou construí-la para a minha professora, esta para os meus avós, esta para o padre, esta para os meus amigos..." e por aí fora, e no fim, tantas camadas, tanto tempo, tanta preocupação, tantos ajustes, já nem sabemos o que somos realmente, se é que chegámos a ser alguma coisa - com a preocupação de construir um conjunto de imagens para os outros, escapou-se-nos a necessidade de construirmos a nossa própria identidade, que é o pior.

E na prática, é realmente uma rede, que tentamos manter, muitas vezes à custa de algum esparadrapo, para comodidade nossa e dos outros. Porque assim nem chocamos os outros, nem temos de nos confrontar com o nosso miolo 'vazio' ou desconhecido.

Quanto ao Camaleão, acho que é um dom ser capaz de se adaptar às situações, e de ser capaz de olhar para mais do que uma realidade em simultâneo!

Anónimo disse...

Deixo aqui um excerto de um poema de um dos meus autores favoritos, Fernando Pessoa, e que acho que resume algumas das coisas que aqui foram ditas:

'Entre mim e o que em mim/Há o que eu me suponho/Corre um rio sem fim'

Quanto ao camaleão, também concordo que tem uma capacidade de adaptação fantástica!

Beijinhos ***
Inês