Idade.
30.
Humm. Então diga-me lá.
Precisava de fazer umas análises.
Como assim?
Umas análises ao sangue.
Mas de que se queixa?
Disseram-me que a minha índole era preguiçosa. Queria averiguar isso.
Quem lhe disse?
Alguém. Disse-me que se baseava em factos. E como ando a produzir pouco, gostava de saber se era esse o problema. Ficava resolvido.
Ficava resolvido?
Sim. Se esse é o meu problema, já me posso tratar.
Não existem análises à índole.
Não existem?! Que quer dizer índole?
Carácter. Temperamento. Não é quantificável. E não fazemos análises qualitativas.
E sabe como poderei então averiguar isso?
Terá de auto-analisar-se. Julgo ser a única forma. Ou a mais directa.
Oh!...mas isso é terrível. Posso nunca chegar a conclusão nenhuma.
Será o mais provável, sim.
Mas Dr, eu preciso de me dar um nome. Não aguento viver sem nome. Por favor diga-me de sua justiça sobre a minha índole. Toda a vida me foram dando nomes diferentes para ela. Preciso da opinião de um especialista. Diga-me quem sou por favor. Para a semana vou tirar um novo BI, coisa de que já deveria ter tratado há um ano. Será mais um facto para a história da preguiça? Julgo que não, porque, pensando bem, é um grande passo, e grandes passos necessitam de tempo. E a fotografia tem sempre de mudar. A do BI. Não podemos aceitar uma igual, dizem-me na loja do cidadão, ali nas laranjeiras. Sabemos que foi há pouco tempo, mas a sua cara já não é a mesma. Está outra cidadã, seria uma fraude. De modo que esperei saber a que correspondia a nova cara. E nada. Passou-se o tempo, e continuo uma cara sem nome. Acontece que para a semana…
Não pode adiar? Aproveitava e controlava o seu imediatismo.
O meu imediatismo?
Essa sua necessidade de que tudo seja resolvido no momento.
Ooooh…! O meu imediatismo…! Imediatista e preguiçosa! Mas que conjunto. Dr., e se começar a controlar ou a eliminar esses nomes, fico vazia. Não poderá atribuir-me um nome que me passe a definir positivamente? Queria também algo para manter, para poder eliminar o resto à vontade.
Desculpe, estamos proibidos de o fazer. Há muitos falsos positivos. Para os defeitos, menos mal, pode estar simplesmente a eliminar algo que não tem, e por isso me aventuro. Mas para as qualidades, imagine-se a manter algo que não é...e todos lhe dizemos que tem coisas muito boas. Já a elogiei várias vezes. Não me culpe de não saber quem é. É tarefa sua.
É certo. Eu é que ando perdida com os adjectivos, aqui encafuada. Precisava de uma boa nota, e tenho dificuldade em fazê-lo. Não te vou dar 20 no primeiro período, deixas de trabalhar com a arrogância. Pensas que é tudo assim fácil? Não não não. A vida é dura, minha amiga. No fim do ano, veremos se manténs essas notas. Tens de provar o que vales, tens de provar o que és, sua mimada, sem resistência à frustração, imediatista, preguiçosa, com padrões disfuncionais e sei lá que mais. No fim do ano. No fim. Só mesmo no fim.
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6 comentários:
Querida Inês
Para que é que precisas de rótulos? Ainda por cima queres saber que rótulos os outros te dão! Para quê tanta preocupação com o que os outros pensam de ti? Que se lixem os rótulos!
Muitos beijinhos
Enviares o mail resultou! ;)
Querido anónimo,
Atenção, não confundir as personagens com os seus autores...
E, felizmente ou infelizmente, vivemos com rótulos. E é na comunicação entre nós que os vamos estabelecendo.
Não sei de quem se trata, mas vem-me uma série de rótulos à cabeça, apenas com estas palavras ;)
Beijinhos
Não será universal, o precisar de saber se somos, ou não, falsos positivos?
Excelente metáfora, Inês.
Beijos
:) Obrigada. E acho que sim, que é universal a necessidade de procura...
Beijinhos
Quem não gosta de ser caracterizado?
acho que o mais importante nem é o rótulo, mas sim o que com ele fazemos.
É verdade, Ruben. Mas temos que ter algumas certezas sobre nós para podermos geri-los (aos rótulos) da melhor maneira.
Beijinhos!
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