quinta-feira, 6 de março de 2008

Máscaras

Há pessoas que vivem mascaradas.

Não viveremos sempre mascarados?

Sim, de certa forma. Apesar de termos a sensação de sermos muito verdadeiros. E somos, ainda que mascarados. Mas não falo disso.

Então?

É que há pessoas que parece que vivem a fingir. Não fazem disparates. Sempre a fingir. A fingir que se riem. A fingir que choram. A fingir que são muito bons, ou muito maus. A fingir que são decididos. A fingir que são bem comportados. Não chafurdes na lama, filho, arruma isso, filho, és muito lindo, filho, mas só fazes disparates e no fundo precisas de mim, filho, não te dou beijinhos porque cheiras mal da boca, vai antes lavar os dentes e depois vamos aos beijinhos, e olha, porque não te lavas antes de irmos para a cama? Não faças isso, não fales alto que ouvem, não digas essas coisas porque apesar de deus não existir ele castiga, vou agora dizer isso, ainda alguém me faz alguma coisa, isto há que estar sempre atento, sempre verticalmente atento, és tão querida, és gira, mas hoje toma lá que és uma vaca, mas não era isso que queria dizer, coitada de ti, és tão boazinha, agora uma vaca…és um cão, pronto, um cão, toma lá festas, que mais queres? Não vás por aí cão, senta cão, dá beijinhos, que queridos os cães, agora vaca… A fingir que são boas pessoas. A fingir que sentem. A fingir que amam. A fingir que vivem.

Não fazem disparates?! Coitados...

7 comentários:

Ruben disse...

Olho para as pessoas com as quais cresci e penso "que crescidas", mas sinto uma incongruência. Não sei explicar por palavras... talvez impere uma censura nas suas "novas" vidas... algo vindo de fora, convencionado... assusta-me! Contudo, se n "cresces", és infantil, imaturo (tão bom)... ´

Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva disse...

Quando se é incapaz de ver o próprio eu temos de o ver no espelho dos outros.

E no fundo é mesmo só esta a resposta ao texto.

Mas quando o espelho dos outros só reflecte o comportamento bem comportado, quando os outros não percebem, também, mas apenas avaliam se pode ou não pode ser assim, então temos um conformismo de tipo 'sorriso americano' que é, realmente, insuportável.

No mundo de agora também me parece que não há espaço para se ser profundo - melhor, para se ser além do sorriso e da piada.

Claro que deve ser agradável que os outros nos sorriam sempre. Mas quando se quer chegar ao outro, quando se quer que o outro realmente veja para lá do sorriso de plástico e do optimismo palerma, é frustrante.

O que me impressiona é a quantidade de gente que vive bem com vidas de plástico.

Ontem estive a ler Unamuno, O Sentimento Trágico da Vida. Diz ele que sabendo que não somos mais do que matéria e sentindo que somos mais do que matéria gera-se uma tensão trágica e desesperada.

Diz ele que o livro captura o espírito dos seus contemporâneos. Parece que está a falar de outra espécie...

O que pensaria ele da geração das discotecas e dos telemóveis? O que penso eu dela?

E tu, Inês, o que pensas realmente dela? (Não é para responder :)

Anónimo disse...

A vaca transforma-se em cão porque foi chamada de vaca e aceitou. O cão é tão bonzinho ("a fingir que são boas pessoas")... não quer ser vaca e só consegue ser mais vaca sendo cão.

Anónimo disse...

Mas na realidade, mais que apenas ver um reflexo, essa visão transforma.

A vaca transforma-se em cão porque foi chamada de vaca e aceitou. O cão é tão bonzinho ("a fingir que são boas pessoas")... não quer ser vaca e só consegue ser mais vaca sendo cão.

Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva disse...

É, transforma e molda. Sobretudo a quem não sabe quem é.

É muito perigoso. Comentário profundo sobre a vaca ser mais vaca ao ser cão.

Anónimo disse...

Minha querida Inês
Como prometi, aqui estou a visitá-la no seu blogue. E então confesso que estou um bocado baralhada quanto ao significado da sua reflexão. Máscaras... Cão... Vaca... Ok, mas essa "retórica" é para chegar aonde? Para provar o quê? Tantas perguntas e dúvidas... excepto quanto à certeza da não-existência de Deus, esta sim, desde sempre a grande dúvida do Homem e para a qual só se pode obter a mais do que improvável resposta! Existe? Não existe? "Nomes. Quero nomes", dizia não sei quem. "Provas. Quero provas", digo eu. E agora... boa noite, que estou muito cansada depois de um dia muito cheio de coisas.
Grande beijo
Luiza

Anónimo disse...

Sei que vem fora de tempo mas...

Acho que ninguém sabe quem é. Acho que todos nos vemos nos olhos dos outros. Podemos, claro, ao longo da vida ir construindo uma imagem de nós mais sólida, mas com base nos olhos dos outros. Mas se as pessoas significativas da nossa vida vêm vacas, é muito difícil, penso eu, não vermos vacas também. Não só vermos, como sermos.

E quando temos consciência de que o outro nos vê vaca, e temos consciência do horrível que é para nós mesmos estarmos a executar esse papel, e simplesmente não conseguimos deixar de o fazer? Porque inacreditável que alguém que me ama (a minha mãe, o meu pai, o meu marido, a minha mulher, etc etc etc) me veja vaca?

É um papel, ser vaca, sim. Mas não é a fingir. É diferente ser um papel ou ser a fingir, acho eu. É a verdade naquela altura. Uma verdade horrível.