segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Oeste (clique aqui)

Há raros momentos em que sinto uma felicidade quase eterna. Também te acontece?

Mais ou menos. O que queres dizer com isso?

Momentos breves. Em que tudo o resto se desfaz. Quase como se naquele momento atingisses a compreensão absoluta de tudo. E é tão simples.

HUmm. Talvez…mas simples como? Parece-me uma coisa complicada de fazer.

Sim, é complexo. Mas de repente simples. É difícil explicar. E também não tem uma única causa, nem as várias causas são visíveis. Parece às vezes obra do acaso. Mas naquele momento, naquele preciso momento, há uma tranquilidade que chega a ser um pouco assustadora. E em que a vida se transforma em algo estranhamente simples. Andamos todos aqui às voltas, às voltas, quem tem mais poder, sempre o poder sempre o poder e falo de poderes pequenos, que cá para mim são os piores. Ou poderes escondidos. Dá-me cá qualquer coisa e eu compenso-te o esforço, olha afinal não te posso compensar, não é o meu timing. Relações. Parece-me pouco puro, entendes? Na maior parte das vezes. E depois estes momentos. Pureza será talvez a palavra mais apropriada.

Momentos como quais?

Vinha há pouco a conduzir de volta e pareceu-me atingir. Essa felicidade. Cantava ao som do CD. De novo as luzes da cidade a aparecer ao longe, já percebi que é uma imagem que me comove. Talvez por me lembrar a sensação de, em criança, vir suja e queimada do fim-de-semana. Engraçado, também vinha dos teus lados. Veio-me agora à cabeça andar de bicicleta no meio das silvas, e dos dois cães ameaçadores da quinta do espanhol. Enfim, mas o assunto não tem a ver com recordações. Ou terá, não sei se não tem tudo. E o carro a andar, uma libertação. Como se houvesse um caminho a seguir, e ele se revelasse nesse instante, enquanto andava, andava. Sim, uma revelação. Como quando de repente nos surge a resolução de um problema de matemática. Um momento breve de alívio, e em que relações tão complexas se transformam num conjunto simples. Tão simples. Tão simples. Como a imagem da praia de hoje.

Ah…gostaste? A minha praia preferida.

Tão complexamente bonito, e tão transparentemente simples. A sensação da pele queimada pelo sol. Das pernas a passar pelas silvas. Nessa altura indicavam-me o caminho, e eu deixava-me ir, deixava-me ir. E agora sou eu a conduzir. O meu caminho. Uma dificuldade em deixar que me levem, falámos hoje sobre isso. Força das circunstâncias, mas isso dará outro texto. Com o cabelo sujo, e com a imagem, clara, de que a vida é só isso. Com tudo o resto lá dentro.

5 comentários:

Anónimo disse...

Texto muito belo (estive para escrever bonito, não é a palavra exacta). Grande poder evocativo.Parabéns

Anónimo disse...

Obrigada pelo comentário. Foi muito bom recebê-lo.

Ruben disse...

Posso confessar que conheço a sensação de me sentir completo, uma plenitude desconcertante que nos leva a pensar na duração da sua presença. A propósito, sempre pequena. Não falo da sensação de felicidade , nem de realização, é algo mais, se bem entendi do que falavas, inês.
Curioso que a praia faz, também, parte do cenário dos meus breves momentos, chamemos-lhes momentos "vuuuuu", se puderem ter uma denominação, claro. E tenho repetido algumas praias, algumas de difícil acesso até. Mas... pois, tem um "mas"... era aqulilo que falavas, os momentos não se reproduzem. Existem outros ingredientes, alguns fáceis de imaginar, outros nem tanto.

Excelente regresso, inês.

Anónimo disse...

Obrigada, Ruben. É bom ter-te de volta...

Anónimo disse...

Muito mais importante que escrever bem é não ser chato. Rousseau escrevia bem mas era chato. Stendhal não escrevia muito bem, mas era incapaz de ser chato. Defoe escrevia horrivelmente, mas todos nos esquecemos disso, porque ele nunca foi chato. Flaubert, que escrevia sublimemente, era chatíssimo. Escrever bem não serve para coisa alguma: é apenas o último recurso dos chatos.