Sabes, hoje estive a pensar. Esta vida são lutos uns atrás dos outros.
Sim, as pessoas morrem.
Não é só isso.
Como não é só isso?
A vida inteira. Já viste? Fazemos o luto pelos que morrem, pelos que não morrem mas é como se morressem, pelo que fomos, pelos ideais que tinhamos e se esvaziam, pelos lugares que ocupávamos e deixámos de ocupar, pelo que pensávamos que éramos e afinal não somos, pelos nossos sonhos, pelos nossos projectos, pelo que pensávamos que iríamos ser e não fomos e não somos. Dia após dia...
Sim. Mas como querias que fosse? Não fosse assim e continuarias igual ao longo da vida.
Será? Porque é necessário sofrer para crescer? E ficarás melhor e mais adaptado? Ou apenas mais duro, frio, distante?
Um pouco de distância é necessário. Não dizias outro dia que te sentias tão bem, como se sobrevoasses os teus sentimentos? Não conseguirias isso sem experiência. Não mudarias sem experiência.
E porque é que temos de mudar?
Tudo muda. Nós, as nossas relações, ainda que com as mesmas pessoas, o que pensamos sobre nós, os outros e o mundo. Conheces por exemplo algum casal que se mantenha que não tenha evoluido? Que não tenha passado por crises?
Mas PORQUÊ?
Não te lembras do filme? Aquele do Visconti, o Leopardo...Tudo muda, para que possa continuar tudo na mesma.
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2 comentários:
na mesma, com um bocadinho de mais qualquer coisa.
não se sabe é bem o quê... pelo menos não logo depois da Queda.
uma amiga minha dizia-me que tinha saudades das fotografias a preto e branco, já amareladas, em que se mostravam famílias perfeitas, com um pai, uma mãe e os filhos.
Há uma ilusão que a câmara dá de que tudo é assente, fixo, para sempre.
Analisámos a fotografia - era a família dela. O avô tinha uma amante a quem punha casa e que não estava na fotografia; um dos filhos não se dava com o pai.
Pensámos então nela, na minha amiga, que andava com um homem casado e 12 anos mais velho do que ela. Afinal o que mudou?
Ainda assim, acho que mudou. No tempo dos meus avós um homem, uma mulher, tinham um código que não mudava nunca: um código de honra (na minha família não havia amantes), de dever, de austeridade. Os meus avós, que eu saiba, nunca questionaram verdadeiramente esse código.
Nós questionamos. Vivemos a fase em que tudo foi posto em causa, pusemo-nos a nós próprios em causa, pensamos no que somos e tentamos encontrar o caminho que se nos adequa. Nunca conseguimos completamente e daí a sucessão de crises.
As crises fazem-nos crescer, é verdade, fazem-nos mais complexos. Porque temos de nos pôr em causa temos de pensar em nós próprios. Mas é verdade o que dizes: ficamos mais frios, mais distantes de nós próprios mas também mais distantes dos outros.
Ficamos isolados. Os nossos avós também viviam isolados, mas não se queixavam disso. O isolamento fazia parte do papel. Nós queremos intimidade, queremos ser compreendidos na nossa unicidade.
Uma bisavó minha, quebrando com o marido, respondeu-lhe, depois de ele lhe dizer: 'Au revoir Madame', 'Adieu, Monsieur'. Au revoir é 'até à vista'; 'adieu' é final. Era esta a relação das pessoas.
Agora dizemos: 'mas tu compreendes-me? tu percebes o que eu quero dizer? tu partilhas os meus sentimentos mais profundos?'
Ninguém partilha nada com ninguém. Quando eu olho para uma paisagem linda, quando eu ouço uma música maravilhosa, sempre que a quis partilhar compreendi que o outro não via ou ouvia nada do que eu queria que ele visse.
Partilha-se o silêncio, partilha-se a tranquilidade pós-coito. Talvez se partilhe o amor por um filho.
Quando estamos muito, muito apaixonados e somos novos, pensamos que o estado de exaltação em que nos encontramos inclui também o outro. É nesses momentos, em que nos perdemos na contemplação dos olhos do outro, em que pensamos ver-lhe o fundo da alma e em que nos sentimos nós-um, que pensamos ter atingido o ponto de felicidade suprema.
Uma outra amiga minha disse-me, uma vez, que depois do coito, viu o namorado sorrir. Perguntou-lhe: 'em que pensas?' Esperava uma resposta romântica. O que ouviu foi a verdade: 'estava a pensar no jogo de ténis de amanhã'.
Acho que foi o Lacan que disse que a relação sexual é-o por não o ser. Isto não quer dizer nada, mas a relação sexual e a paixão são ambas formas de onanismo a dois.
É quase mais franco fazer o que uma amiga minha faz: quando sente necessidade sexual pede a um amigo que a satisfaça. São apenas amigos, ela não está apaixonada por ele. É como quando temos uma comichão num sítio onde a mão não chega e pedimos a outro que nos coce.
O amor é uma ilusão de juventude. É sexo partilhado e, na iridescência do orgasmo e do pós-coito, uma projecção no outro da exaltação que sentimos. Se ambos o sentem, pensam que estão apaixonados um pelo outro. Mas estão apaixonados apenas pelo estado em que estão.
O amor é como uma droga. É pena que sejam necessárias duas pessoas.
Pessimista? Realista?
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