Boa tarde. Que calor.
Pois, calculo. Aqui dentro não se sente nada.
E é bom?
O quê?
Não se sentir nada. Será o trabalho ideal, não sentir o frio nem o calor. Nestes quinze dias andei a pensar num tema para esta sessão.
Que mudança repentina.
E não são todas? Aí está outro tema de que gosto, mas não venho preparada para ele. E já o começámos várias vezes, não sei por que razão nunca o continuamos. Mas há já tempo que uma outra ideia me persegue e ainda não tive oportunidade de a expor aqui.
Diga.
Já reparou que também existimos nos sonhos dos outros?
Como assim?
Nunca pensou nisto? De certeza que apareceu já numa grande quantidade de sonhos de pessoas, e nem sabe. Se calhar nem elas. Quem sabe até em sonhos de pessoas que não conhece.
Humm.
Faz-me uma certa confusão esta ideia, e ao mesmo tempo sinto um certo mistério. Embora, pensando bem, não tenha mistério nenhum. São apenas imagens de nós. Aliás, como são sempre, nas cabeças dos outros e nas nossas. E lá estamos, vivos, como que noutra dimensão, e sem sabermos que estamos. Vivos. Esta incerteza cansa-me, cansa-me…Dias melhores virão, vais ver, vais ver…Que raio de optimismo irracional. Bem sei que também é irracional pensar o contrário.
A verdade é que tudo muda sempre. O tempo não pára.
Pois será, mas é desconcertante. Porque hei-de acreditar que de certeza que algo melhorará se tudo é imprevisível e sempre em mudança? Estão a prever algo imprevisível.
A certeza é a de que as circunstâncias mudam, e as pessoas também. Não que se irá sentir melhor. Mas falava-me dos sonhos.
Desculpe, esta minha cabeça dispersa. A ver se não me esqueço de aqui voltar outro dia. Pois os sonhos. Como fantasmas. Vidas paralelas. Sensação esquisita essa de existir sem saber. E um conforto.
Porquê conforto?
Não sei bem. Talvez porque aí a minha existência não depende de mim. Uma tranquilidade…
Engraçado. Sente-se bem quando perde o controlo. Sobre si.
Isso já é outro tema, Dra., depois sou eu! E esta sessão já vai longa. Demasiado longa.
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2 comentários:
Bom, não sentir nada é tarefa de defunto. Ou de quem tem medo de sofrer e então não sente nada. Não sentimos o bom, mas, que se lixe!, também não sentimos o mau, a angústia, a dor...
É curioso porque quando a nossa vida não depende de nós, como nos sonhos dos outros, o conforto vem da não-responsabilidade. Não sermos responsáveis é sempre tão confortável!
É quase melhor do que ser defunto, porque até se pode sentir alguma coisa, mas não somos nós os responsáveis, por isso é como se a dor não fosse nossa, como se estivessemos apenas a assistir a uma novela qq.
Pousar a cabeça no regaço de quem
não nos ameace;
nos ame incondicionalmente;
seja uma projecção da nossa imagem do que é ser do outro sexo,
é um sonho.
É, portanto, nos sonhos de um sonho que queremos existir.
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