segunda-feira, 10 de maio de 2010

The One

Menina. Tanto há para te dizer há já anos, que por vezes a emoção primordial vai sendo substituída, talvez por um conjunto de outras emoções menos avassaladoras. No entanto, há momentos em que, por razões desconhecidas, algo em nós quer porque quer voltar a um simples fim, que é o mesmo que chegar a um início. Quando vou ao médico acontece-me algo parecido, depois das duas horas de espera habituais toda a minha elaboração se desvanece:

- então de que se queixa?

- dói-me aqui.

e as seguintes intervenções são também respostas curtas neste tom monocórdico (sei que me ouves, meu bem). Todas as associações param então, e eu pergunto-me, neste instante, se a isso se deverá o facto de a minha ansiedade repentinamente se evaporar e surgir uma certa tranquilidade, mesmo com aquela dor que me atingiu o músculo e me despertou às 3 e 45 da manhã. Ou de outra forma te digo, assim desajeitadamente, que talvez tantas palavras e tantas frases e tantos parágrafos recheados de pormenores ansiosos que antes te dei assumissem uma função de auto-protecção. Que ela inventa emoções tão intensas que até nós temos de fingir que somos outros, menina minha, o que tendo em conta a nossa condição de personagens animadas dá um duplo fingimento. Triplo, na passagem da real vida animada para o papel.

Amanhã há escola. Que me queres dizer?

Escrevo-te desta vez com um propósito contrário, que será esta necessidade de finalmente nos condensar aos dois num qualquer centro nevrálgico. Se pudesse dava-te todo o meu amor numa palavra, apenas numa. Ficarias decerto convencida, dada a dificuldade da tarefa. Não haveria assim espaço nem tempo para ambiguidades, apesar de todas as nossas diferenças. Mas foi tanto tempo, girl, e eles têm a mania de nos ir enchendo a vida de palavras na esperança ingénua de um maior controlo, não sabendo que em vez disso causam simplesmente maior incerteza. Foi tanto tempo que lhe peço:

- por favor, podes levar-me ao mar?

- para que queres ir ao mar? tens é de ir à escola.

Por vezes diz-me isto a rir-se, com brandura e achando alguma graça ao que julga serem meus desejos (talvez a delicadeza do pedido não transparecesse a necessidade imperativa?), mas arrastando-me entretanto para o autocarro, e a seguir para o metro

- trocas no campo grande, onde há correspondência entre a linha amarela e a verde

-mas é que no mar…

É hora de ponta e o ambiente está confuso, menina, há muita gente a falar ao telemóvel, imagina que já vi gente com um em cada orelha. Não consigo perceber para onde vai toda aquela informação sob a forma de ondas electromagnéticas que só podem cruzar-se, são muitos milhões de pessoas à procura das palavras certas. Será impossível que o que é simples não se complexifique, é muita entropia electromagnética. Para onde vai tanta informação?! E nisto perco-me

- andas três estações, tens de ter cuidado na direcção, senão vais para trás, para odivelas

- mas é que no mar eu poderei…

Linha amarela. Depois verde. Corro, girl, e encho as minhas mãos de suor, na esperança de que este não me permita sentir esta tristeza por não ter ido num instante ao mar, que tu sabes que é aquele sítio onde todos os tempos se juntam. E onde eu sei que encontraria uma só palavra para te dar.

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