quinta-feira, 20 de maio de 2010

Futuro-me

Amor? Gostaria de começar este texto com uma afirmação, que bem sabes como elas são necessárias para estruturar o leitor. Comecei então a incansável busca, e nota como uma questão pode ser colocada sem no entanto haver margem para dúvidas:

- Boa tarde, Sr. Quanto custa uma afirmação?

Sabes que hoje, no metro, pude por um breve momento sentir como se fosse a primeira vez que me transportassem? Desculpa, por vezes a vida real infiltra-se na ficção, diz-me ela (a vida real) que não aguenta a rotina, insurgindo-se num acto de rebeldia adolescente, ou mesmo infanto-juvenil, como os livros que líamos quando tínhamos 13 anos.

Podes voltar à história principal? Para que te sigam.

Percorri então um mundo e o outro à procura de uma afirmação parecida com as ondas do mar, daquelas que nos transportam (sublinho a ligação com o transporte do metro) até à beirinha, e nos moem e nos reviram e nos esfrangalham e nos enchem de areia, estranho como nos sentimos lavados com tanta areia presa no fato de banho. Acho que é pelo caminho, enquanto fazem carreirinha, que elas vão colocando as perguntas (são duas personagens, que a dúvida implica a divisão), e que estas vão sendo eliminadas pelo movimento das ondas. O movimento das ondas, girls, que bom que é. E surgiu-me de repente a ideia, amor

mentirosa, a ideia estava já presente no início do texto, ou quem sabe no início de tudo

concentra-te um instante comigo, a ideia de que se todas as afirmações pressupõem uma pergunta, talvez tantos anos de procura sejam antes consequência de uma qualquer afirmação futura, e não a sua causa. O que quer dizer que o nosso passado (o meu, o teu, o nosso, que um mais um igual a pelo menos três) dependerá então da forma que dermos ao futuro, e se virmos bem compreendem-se todas as perguntas que te faço, inclusivamente a primeira de todas, lá em cima. Sabendo disto tentarei eliminá-la até terminar o texto, que faltam ainda cerca de 14 futuras linhas, muito passado pode ainda ser mudado.

- a Dra pergunta se será um grande incómodo para si alterar a consulta para 5ª feira de manhã.

A vida real adolescente a insurgir-se de novo, não contei com esta imprevisibilidade. Faltam 131 palavras para o final.

- fica combinado. Poderá transmitir à Dra., no entanto, que o nosso trabalho passará a ser o de rever o futuro para alterar o passado?

E desconfio, meu bem, que esta ideia que te apresentei começa lentamente a instalar-se em mim. Porque ao longo destas linhas de hoje começo a já não me lembrar da tristeza de ontem, talvez neste momento ela até nem nunca tenha existido. Ou então é do cansaço da hora, que este texto foi difícil. Faço então uma última tentativa de alteração da forma inicial, terminando com uma questão, na esperança de que no momento em que a escreva a primeira pergunta de todas se apague por si. Se isso não acontecer, bro, desculpa. É porque o leitor considera o título a primeira afirmação de todas. Está bem?

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