Querido Peter Pan. Desculpa a demora, mas por vezes tudo é tão rápido, que o processo de chegar até ti se torna mais lento. O que me vale é que é da tua natureza ser criança.
Estranho-te. Para que me falas?
Tentarei não fazer rodeios, e ir directa ao centro, acertando-te com a espada no coração, e desta forma libertando tudo quanto dentro dele possa estar contido. Trouxe-te também uma espada para ti, e através dela poderás expressar-te e proteger-te, são dois coelhos numa só cajadada. Há-de notar o leitor que esta minha personagem, que afinal é a primeira de todas, é um tanto misteriosa, apesar da sua constante presença vemo-la intervir pouco. Perguntei-me então qual a razão de tal incongruência, e cheguei à aterradora conclusão de que talvez tenha criado uma personagem cujo conteúdo e necessidades emocionais desconhecia, apesar da sua posição fundamental no jogo corrente.
(Silêncio do Peter, surgindo nos seus olhos as primeiras lágrimas. O seu corpo move-se lentamente em direcção à espada).
Traíste-me. E por que razão nunca me perguntaste o que sentia? Para que me criaste, se nunca quiseste saber quem era?
Talvez num desejo egoísta de crescer, presa numa crença de que, se mudasses, algo na nossa relação terminaria. Validando-te poderia perder-te, que não há melhor estratégia para ajudar alguém a mudar que dizer-lhe que está bem assim. Andaria louca em busca de uma nova personagem principal, percorreria todos os técnicos, até os da imagem e do som
- por favor, arranjem-me um novo protagonista
não tendo entendido eu, meu Pan, que apenas mudando poderias continuar a ser tu. Estas são considerações teóricas bastante difíceis de aprender, quanto mais de apreender. Nota no entanto como sempre soube da tua especial importância, querido Peter, (marejar de lágrimas por parte do Peter, o que nos dá indicação de que este conteúdo será um bom marcador para o processo de mudança. O que é o mesmo que dizer ao leitor para prestar atenção a este trecho), caso contrário nada disto teria acontecido. Não poderia dizer-to explicitamente, escancararia dessa forma a minha vulnerabilidade. Passei-te então duas mensagens fundamentalmente diferentes, dei-te importância no processo mas retirei-ta do conteúdo, e duas mensagens numa só pessoa dá um triângulo perverso, a ambiguidade é o pior maltrato, sabe disto qualquer terapeuta que se preze.
(Peter levanta-se, lentamente, colocando as pernas em posição de luta, apesar das lágrimas ainda presentes)
E aqui entre nós, vê tu bem a ironia, foi para escrever que te ocultei e por escrever que te descobri, e vem-nos de novo a ideia de como a mudança e a manutenção não existem uma sem a outra. Aparecem-me neste instante à mente algumas considerações de carácter menos teórico sobre este assunto, como esta:
- envenenou-se com o seu próprio veneno
mas ouve, Peter, desconfio que algo mais que isto se passou, caso contrário bastaria dizer-te:
- liberto-te desta dívida. Deixas neste momento de ser uma das minhas personagens, poderás antes ser quem queres
com uma voz clara mas seca, sem conteúdo emocional. Mas ao longo destes anos algo em mim foi invadindo o meu corpo de mansinho mansinho, assim como a doçura das folhas ali ao fundo a oscilar com o vento.
(A luta do Peter começou entretanto, há já algumas linhas. A personagem está agora demasiado concentrada na activação límbica e na correspondente tendência de acção de luta, motivo pelo qual não fala).
Perdoa-me, meu bem. Ofereci-te então essa espada com que te libertas e expressas e proteges, (afinal são três coelhos e não dois), conjugando-te assim a beleza da luta e a doçura das folhas. De tal modo que agora quando te olho sei que já não és um boneco, de certeza que não és.
Como sabes?
Nenhum boneco vive assim. Em mim.
Estranho-te. Para que me falas?
Tentarei não fazer rodeios, e ir directa ao centro, acertando-te com a espada no coração, e desta forma libertando tudo quanto dentro dele possa estar contido. Trouxe-te também uma espada para ti, e através dela poderás expressar-te e proteger-te, são dois coelhos numa só cajadada. Há-de notar o leitor que esta minha personagem, que afinal é a primeira de todas, é um tanto misteriosa, apesar da sua constante presença vemo-la intervir pouco. Perguntei-me então qual a razão de tal incongruência, e cheguei à aterradora conclusão de que talvez tenha criado uma personagem cujo conteúdo e necessidades emocionais desconhecia, apesar da sua posição fundamental no jogo corrente.
(Silêncio do Peter, surgindo nos seus olhos as primeiras lágrimas. O seu corpo move-se lentamente em direcção à espada).
Traíste-me. E por que razão nunca me perguntaste o que sentia? Para que me criaste, se nunca quiseste saber quem era?
Talvez num desejo egoísta de crescer, presa numa crença de que, se mudasses, algo na nossa relação terminaria. Validando-te poderia perder-te, que não há melhor estratégia para ajudar alguém a mudar que dizer-lhe que está bem assim. Andaria louca em busca de uma nova personagem principal, percorreria todos os técnicos, até os da imagem e do som
- por favor, arranjem-me um novo protagonista
não tendo entendido eu, meu Pan, que apenas mudando poderias continuar a ser tu. Estas são considerações teóricas bastante difíceis de aprender, quanto mais de apreender. Nota no entanto como sempre soube da tua especial importância, querido Peter, (marejar de lágrimas por parte do Peter, o que nos dá indicação de que este conteúdo será um bom marcador para o processo de mudança. O que é o mesmo que dizer ao leitor para prestar atenção a este trecho), caso contrário nada disto teria acontecido. Não poderia dizer-to explicitamente, escancararia dessa forma a minha vulnerabilidade. Passei-te então duas mensagens fundamentalmente diferentes, dei-te importância no processo mas retirei-ta do conteúdo, e duas mensagens numa só pessoa dá um triângulo perverso, a ambiguidade é o pior maltrato, sabe disto qualquer terapeuta que se preze.
(Peter levanta-se, lentamente, colocando as pernas em posição de luta, apesar das lágrimas ainda presentes)
E aqui entre nós, vê tu bem a ironia, foi para escrever que te ocultei e por escrever que te descobri, e vem-nos de novo a ideia de como a mudança e a manutenção não existem uma sem a outra. Aparecem-me neste instante à mente algumas considerações de carácter menos teórico sobre este assunto, como esta:
- envenenou-se com o seu próprio veneno
mas ouve, Peter, desconfio que algo mais que isto se passou, caso contrário bastaria dizer-te:
- liberto-te desta dívida. Deixas neste momento de ser uma das minhas personagens, poderás antes ser quem queres
com uma voz clara mas seca, sem conteúdo emocional. Mas ao longo destes anos algo em mim foi invadindo o meu corpo de mansinho mansinho, assim como a doçura das folhas ali ao fundo a oscilar com o vento.
(A luta do Peter começou entretanto, há já algumas linhas. A personagem está agora demasiado concentrada na activação límbica e na correspondente tendência de acção de luta, motivo pelo qual não fala).
Perdoa-me, meu bem. Ofereci-te então essa espada com que te libertas e expressas e proteges, (afinal são três coelhos e não dois), conjugando-te assim a beleza da luta e a doçura das folhas. De tal modo que agora quando te olho sei que já não és um boneco, de certeza que não és.
Como sabes?
Nenhum boneco vive assim. Em mim.