Bom dia Dra.
Bom dia Rosa. Conte-me, trouxe-me o trabalho de casa?
Trouxe sim.
Então diga-me. Nome.
Eva.
Onde vive.
Na Austrália.
Porquê na Austrália?
Porque imagino os cangurus.
Quais são as cores predominantes?
Verde e cor de laranja. A rapariga é ruiva.
Imagem.
Um cavalo a andar muito depressa.
Hum hum. Pensou muito, ou essa imagem veio-lhe espontaneamente?
Pensei bastante. Mas foi espontânea. Essa ideia de que a verdade é mais imediata é antiga, Dra. Complicado será aceder ao primitivo e exprimi-lo nesta nossa lógica. Não sei como hei-de dizer-lhe.
Já experimentou fazê-lo directamente?
Que quer dizer “directamente”? A partir do momento em que o exprimo deixará de ser directo. Queria que sentisse sem ter de lhe dizer. Sempre pensei que era óbvia, Dra. Gabava-me da minha transparência. Entretanto disse-me que eu era incompreensível. E compreender a minha própria incompreensão foi terrível. Tu devias ser ruiva, era o que me dizia. Nasceste para ser ruiva. Morena nunca irás ser compreendida. E bem sabe que todos temos este sonho que nos abarquem.
Porquê ruiva?
Talvez associe a cor ao fogo, e o fogo à luta. E a imagem do cavalo a correr bate certo, não? Estou pronta para uma sessão de psicanálise.Talvez seja má ideia, imagino a interpretação do cavalo a correr. Mas atenção Dra, apesar de tudo eu estava consciente. Não entendem eles que a angústia é natural, e que o facto de a afirmar me faz tranquilizar-me nela. E a luta pode ser alegre, imagina um fogo triste? A minha angústia é cor de fogo. E o cavalo do meu sonho é castanho, quase preto. Imagino que preto deva ser morte nos sonhos sonhados, afinal é uma sinestesia básica. Será esta uma angústia de morte?! Dra! Onde veio parar a associação livre! Devia chamar-se antes angústia de vida, mudava-lhe logo o significado e provavelmente deixaria de ser fonte de insónias. Mas descanse, porque a minha imagem tem verde, e cor de fogo, e ainda a Austrália, que não sei que cores terá, e cangurus. Sonhar com cangurus deve ser sinal de vitalidade, não? Sempre aos saltos…Vou terminar, Dra. Que isto da associação livre é muito cansativo, e estas cores todas confundem-me e eu hoje estou em modo controlador, preciso de alguma ordem. Pode terminar a dra? Custa-me tanta liberdade.
Daqui a duas semanas? Cá a espero, à mesma hora. Desta vez sem trabalhos de casa.
Bom dia Rosa. Conte-me, trouxe-me o trabalho de casa?
Trouxe sim.
Então diga-me. Nome.
Eva.
Onde vive.
Na Austrália.
Porquê na Austrália?
Porque imagino os cangurus.
Quais são as cores predominantes?
Verde e cor de laranja. A rapariga é ruiva.
Imagem.
Um cavalo a andar muito depressa.
Hum hum. Pensou muito, ou essa imagem veio-lhe espontaneamente?
Pensei bastante. Mas foi espontânea. Essa ideia de que a verdade é mais imediata é antiga, Dra. Complicado será aceder ao primitivo e exprimi-lo nesta nossa lógica. Não sei como hei-de dizer-lhe.
Já experimentou fazê-lo directamente?
Que quer dizer “directamente”? A partir do momento em que o exprimo deixará de ser directo. Queria que sentisse sem ter de lhe dizer. Sempre pensei que era óbvia, Dra. Gabava-me da minha transparência. Entretanto disse-me que eu era incompreensível. E compreender a minha própria incompreensão foi terrível. Tu devias ser ruiva, era o que me dizia. Nasceste para ser ruiva. Morena nunca irás ser compreendida. E bem sabe que todos temos este sonho que nos abarquem.
Porquê ruiva?
Talvez associe a cor ao fogo, e o fogo à luta. E a imagem do cavalo a correr bate certo, não? Estou pronta para uma sessão de psicanálise.Talvez seja má ideia, imagino a interpretação do cavalo a correr. Mas atenção Dra, apesar de tudo eu estava consciente. Não entendem eles que a angústia é natural, e que o facto de a afirmar me faz tranquilizar-me nela. E a luta pode ser alegre, imagina um fogo triste? A minha angústia é cor de fogo. E o cavalo do meu sonho é castanho, quase preto. Imagino que preto deva ser morte nos sonhos sonhados, afinal é uma sinestesia básica. Será esta uma angústia de morte?! Dra! Onde veio parar a associação livre! Devia chamar-se antes angústia de vida, mudava-lhe logo o significado e provavelmente deixaria de ser fonte de insónias. Mas descanse, porque a minha imagem tem verde, e cor de fogo, e ainda a Austrália, que não sei que cores terá, e cangurus. Sonhar com cangurus deve ser sinal de vitalidade, não? Sempre aos saltos…Vou terminar, Dra. Que isto da associação livre é muito cansativo, e estas cores todas confundem-me e eu hoje estou em modo controlador, preciso de alguma ordem. Pode terminar a dra? Custa-me tanta liberdade.
Daqui a duas semanas? Cá a espero, à mesma hora. Desta vez sem trabalhos de casa.
2 comentários:
Pois a angústia é da vida, não da morte. Quem está morto não se angustia, porque a angústia vem toda do Ser e do querer ser. Quando não se é, nem se quer ser, não se sofre. Também não se tem prazer.
É como a música. Tudo é uma questão de dissonâncias. Quando a música começa tem um tom. Depois vai-se transformando (e uma modulação é quase sempre torcida, angustiada) e pode chegar longíssimo. E é sempre depois a tensão entre consonância – distensão – e dissonância –tensão. Algumas dissonâncias são boas, saborosas –como o prazer– outras são puro horror. A música acaba com o reestabelecimento do tom inicial.
Digo que a música e a vida se parecem porque a morte (a não vida) não tem tensões nem distensões, não tem angústia nem prazer, tal como o silêncio antes da música.
A Austrália é vermelha, cor de barro.
Que saudades, anónimo...
A Austrália é vermelha? As coisas que sabemos sem saber...:)
Beijinhos muitos!
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