segunda-feira, 18 de maio de 2009

Os olhos da Rosa

Bom dia Dra.

Bom dia Rosa. Sente-se. Que se passa? Pareceu-me que tudo andava tranquilo.

E anda. Mas ontem quando acordei, achei que estava a ver mal. Fomos então ao oftalmologista.

Fomos? A quem se refere? E o que lhe aconteceu?

Fui com a Rosa. Porque foi ela que me deu a indicação de que algo não estaria bem.

A Rosa?

Disse-me ela, assim que acordei, que algo de estranho se passava. Que não era eu. Comecei por dizer-lhe que seria talvez por ser cedo, e não é meu costume fazer-me ver com o sol em determinada posição. Sabe como o contexto influencia, ainda mais a posição do sol. Mas ela disse-me que não, porque até a cor dos meus olhos tinha mudado.

O que se passou na noite anterior? A Rosa sentiu algo de diferente?

Ela sentiu. Mas não conseguia nomear, além da diferença nos meus olhos. Implorou-me para que voltasse, que me deixaria ser o que eu quisesse, que nunca mais me faria uma fita. Chorava como uma criança. Que não conseguiria olhar para mim com outros olhos.

Quais?

Os meus. E os dela, bem sabe que depende dos quatro. E, na verdade, enquanto a Rosa me falava dos olhos, senti-me absolutamente triste, embora tranquila. Ela não notava, mas começou a ficar com uma cor de pele esquisita, e a cabeça dela aumentou. Ficou parecida com um feto com seis meses de gestação.

O que lhe disse?

Acalmei-a, claro. Que não mudaria nunca. Mas enganei-a, Dra. Não podemos mudar de olhos e dizermo-nos os mesmos. E também não lhe falei da cabeça a aumentar, e da sua meninice que brotava, com todas aquelas lágrimas grossas, ainda que tudo isso me enchesse de ternura. Até porque, pensei, seria a nova cor dos meus olhos a responsável, e não seria justo inquietá-la por algo sobre o qual não teria qualquer poder. Já bastava a minha mudança. Corri para o espelho, e ela sempre comigo, e os nossos quatro olhos fitavam-nos do lado de lá, o que no conjunto dá oito olhos, todos a olharem uns para os outros. Era demasiada gente a dar a sua opinião sobre uma coisa que, algo me dizia naquele momento, seria simples, pequeno, apaixonadamente reduzido, apesar de todo aquele estardalhaço. A Rosa pôs-se então aos gritos, esses já de mulher e na fase de raiva, que julgo que é a seguinte. Que não era possível, como podia enganá-la assim, e ter-lhe escondido uma coisa destas. Haveria pior traição? E eu dizia as balelas de sempre. Que não, que os outros olhos sempre tinham sido dela, inteiramente dela. Olhei-a então, a agarrá-la com os novos olhos, como quando apertamos algo com força na esperança de que não se evapore.

E ela?

Ela disse-me, através dos oito olhos que nos viam, que lhe desse uns minutos, para se despedir. E se a seguir ia com ela ao oftalmologista. Parecia-lhe andar a ver mal.

Sem comentários: