sábado, 9 de maio de 2009

Há aqui rãs (clique aqui)

Porque achas que a descrição tranquiliza?

Não sei. Talvez por associares directamente uma realidade a um texto. Por achares que compreendes, ou mesmo que sabes.

Estou tão cansada hoje, que preciso de descrições. Que inveja tenho daquele bebé. É tudo ainda para ser, e não falo apenas na possibilidade de ser futebolista, ou gestor, ou bailarino, ou cantor, ou. Falo de ser. Descrevo-te como que para tentar que existas além da minha forma de te descrever, não dando conta que mesmo a descrição é um engano. És mais do que a forma que te dou, amor. E gosto tanto de ti. Nunca poderei ver-te, ainda que na minha ingenuidade tentasse fazer um retrato factual. Agora que penso em ti, não me lembro se tens bigode. Tens bigode?

Estou aqui ao teu lado, passarinho. Que te aconteceu com a memória?

Sabes que tenho má memória visual…que confusão me faz não saber se tens bigode. Ouves as rãs? Voltaram. Com os grilos. Porque será que este ano as rãs se sobrepõem aos grilos? Nada à volta mudou, os sons são os mesmos. Perco-me pensando no que sou, e se os grilos serão os mesmos e apenas eu terei mudado. Quem sou eu nesta nova forma? Quero tanto que me digas, e no entanto peço-te silêncio. Poderás dizer-me quem sou em silêncio?

Sabes que isso será impossível, conhecemo-nos um ao outro nas formas que assumimos. Continuas a andar com o papel do bolo. Só não sei o que te deu para comeres esse queijo com papel de propósito. Que comportamentos estranhos tens.

Queria sentir-me…e cala-te, amor, porque me apagas com as tuas palavras. Porque não me dás o teu silêncio? Mas aquele silêncio presente, como quando te concentras a ouvir os grilos.

Entende, passarinho. Gosto de ti e por isso te aconselho. Tira-te quando vais para a rua, como tiras os sapatos quando entras em casa. E se não o fazes devias fazer. Cada coisa no seu lugar, passarinhos para um lado e humanos para o outro. Imagina-te, com as penas todas sujas de palavras. E o humano cheio desse passarinho, que poderão pensar? Até a frase é esquisita, quanto mais a realidade que representa.

Ouve as rãs que te dou. Vou-te dando os vários animais, na esperança que me entendas. Arranjei esta bem alto, só para ti. Não andarás um pouco surdo? Compreendes agora porque se sobreporão elas este ano, esta rã fala altíssimo. Mas não a tomes como realidade, é um efeito de som. Na verdade, um duplo engano, nem de uma reprodução se trata. Não fiques triste, meu bicho. Porque eu te prometo, do fundo do coração que te prometo. Apesar de ser um efeito, esta rã existe mesmo.

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