Dizem que os gatos não gostam que os olhem nos olhos.
Não é o meu caso. Vês como te olho fixamente? E como depois fecho os olhos, enternecida com o teu olhar protector?
Minha gatinha…
Porque gostaremos de olhar nos olhos dos outros? E porque tanto vasculhas nesses papéis velhos? Vês este rato? Brinca.
É o mesmo rato de sempre. Como não te cansas?
Mas brinca com atenção. Sabes que isso se nota. Não te lembras de pedires que te olhassem a saltar da piscina? É a mesma coisa. Sabias quando olhavam verdadeiramente. Quem te ensinou a saltar? Que pernas esticadas pões. E como te disponibilizas para o salto. A atenção. É a intensidade que te permite tanta atenção. Foca-te…volta a focar-te como antes, tenho saudades…
Ainda não. Ando a aprender a resistir à frustração, e a recaída faz parte do processo. Focar-me no objectivo sem que dependa dele. Dizem que os momentos de verdadeiro prazer exigem que a atenção depositada esteja num nível adequado às oportunidades existentes. Terei de aprender a reconhecê-las. Às oportunidades. Não me peças saltos tão rápidos.
Vem brincar…o que fazes que é mais importante do que vir brincar?
Releio a minha correspondência. Sabes que de vez em quando tenho de o fazer, parece que me devolve. Já de pequena guardava rascunhos de tudo quanto enviava. Devia adivinhar-me 20 anos depois, nesta necessidade de me rever.
Anda brincar. Anda! O futuro presente está à tua frente. Não te ruborizes dessa maneira. O que dirás daqui a 20 anos? Estás a falar com um animal, e são duas da manhã! E sabes que tudo agora fica registado…o nome, o dia, a hora, o local, o número de visitas. Mesmo que decidas retirar as conversas de circulação, tudo isso fica guardado. Sempre me perguntei para onde iria toda a informação. Sou bicho, mas também faço perguntas. Quando te ponho a cabeça assim de lado, em forma de interrogação. É quando te pergunto porque não brincas. Uma informação que fica do outro lado, do outro lado do mundo. Ou será noutro mundo? Vês esta carta? Tinhas dez anos e escreviam-te que a vida era difícil. Como poderia ela parecer-te não ser, se tudo isso ficou escrito, inscrito em papel celular? E este número de telefone, ainda com sete algarismos. Porque guardas? Porque choras? Porque ris? Desculpa, dirás que a relação não é de causa efeito, mas mais uma vez te digo que sou bicho, compreende. Isso, ri-te. E chora. E ri-te, e chora, e ri-te e chora. Se aumentares a velocidade, as duas coisas começarão a acontecer ao mesmo tempo, e isso é maravilhoso. Vem brincar agora. Terminaram as perguntas. É uma ordem.
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6 comentários:
miaaau ;)
Já há bastante tempo que não vinha fazer uma visita. Mas valeu a pena. Como sempre :-)
Gostei especialmente do "...E ri-te, e chora, e ri-te e chora. Se aumentares a velocidade, as duas coisas começarão a acontecer ao mesmo tempo, e isso é maravilhoso."
Obrigado!
Obrigada fifi ;)
Obrigada Luis, pelas suas palavras :)
Que belo texto. Estou-te a ver - como sempre, mesmo sem te ter ao perto - e à gata. Gosto de ti e gosto de gatas. Muito profundo e muito elegante. Que belo texto.
Um texto com muita sabedoria... ao qual me apeteceu responder com um poema do 'meu' Fernando Pessoa:
'Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Beijinhos ***
Inês
Anónimo,
O "meu anónimo" reapareceu...:)
Inês,
Obrigada pelas palavras e pelo poema. Gostei muito.
Beijinhos
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