Diz-me. Por favor diz-me que era mentira, quando com a tua voz clara, colocada, projectada, me disseste que nos iríamos encontrar sempre. Para todo o sempre.
Era mentira, meu amor. Apesar de nos irmos encontrar sempre.
Diz-me que era mentira quando me disseste que os meus pés eram os mais bonitos do mundo.
Era mentira. Apesar dos teus pés serem de facto tão bonitos.
Diz-me, por favor diz-me, que era mentira quando me chamaste. E que é mentira quando me chamas. Que tudo isso que dizes no meio do silêncio é uma distorção dos meios de comunicação utilizados. E que no fundo não queres dizer nada. Que nenhuma das palavras que de vez em quando te passam pela cabeça tem qualquer ligação comigo.
Era mentira. Penso em ti tantas vezes sem nunca pensar em ti.
Diz-me que é mentira este sofá. E a televisão, e o puff, e o cortinado novo. E as árvores, e o metro, e um pouco mais longe aquele edifício, o que ganhou um prémio, e um pouco mais longe a tua casa onde já não vives. Diz-me. Que os meus olhos e os meus ouvidos e a minha boca são teoria com que vejo o mundo. Que a matéria não existe, diz-me. Diz-me que morreste. Diz-me que ainda que os meus olhos te vejam não existes, que nunca exististe. Diz-me que estou tremendamente enganada, que toda a minha vida foi um engano. Mas di-lo com carinho. Diz que a culpa foi das circunstâncias e não minha. Diz-me que apesar de ter escolhido tudo mal não escolhi mal porque não tinha outra escolha. Diz-me que apenas o meu riso é verdadeiro, diz. Que o meu riso existe realmente, essencialmente, não há nada a fazer, porque fica preso noutras memórias para todo o sempre, mesmo quando as memórias morrem. Diz-me que a memória não existe, é coisa inventada por nós para existirmos. Quais hipocampos e adenosinas. Diz-me assim. Mas sempre com os teus braços abertos e compreensivos, como quem compreende não só com a cabeça mas também com os olhos e os ouvidos e a boca, e ainda a pele. Diz-me que é verdade que o meu sol voltou. E que é verdade aquele instante em que julgo entrar em comunhão com deus, mesmo sendo agnóstica. E que é verdade aquela imagem de que o mundo começou sem tempo, e que nós o inventámos, ao passado e ao futuro, como connosco. Se não houvesse passado e futuro tudo estava certo, e eu não precisava de te pedir nada, nem de esclarecer nada, nem de fazer a minha árvore genealógica, nem o meu genograma, nem o meu genodrama. Não existiria nada para comparar, nem nada a transformar. Eu ficaria sem trabalho de vez, não haveria tempo para transformações. Não querido, não haveria tempo é uma expressão literal, não é uma forma de falar da pressa das pessoas. Seria isso que querias dizer com o cantinho que nos arranjaste? Um cantinho sem tempo. Diz-me que é verdade. Que tudo isto é mentira. Que nenhum de nós existiu, e que apenas porque não existes e eu não existo e ele não existe e nós não existimos e eles não existem, me podes, ou me pode, é melhor começar a tratar-te na terceira pessoa, sempre mantemos a distância, dizer que sim, que é mentira.
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3 comentários:
Postulado da ciência e da razão: mentimos SEMPRE quando dizemos que é para sempre.
Postulado do coração e do sentimento: não mentimos NUNCA quando dizemos que é para sempre.
Mas até a ciência aponta para a relatividade das coisas e do tempo. Um Viva! ao Einstein por essa coisa tão prática que é a relatividade!
Eu, por exemplo, sei que vou amar e ser feliz até à eternidade. Seja essa eternidade um segundo ou uma vida. Será a minha eternidade. O interessante de ver as coisas assim é que podemos ter várias eternidades na nossa vida. Pessoalmente acho essa possibilidade extraordinária. Sermos, de certa forma, imortais. Viver várias vidas. Aceitar a quase inevitabilidade de ter de percorrer diferentes caminhos ao longo da vida. Podem não durar para sempre. Mas trazem-nos a sua dose de beleza e de crescimento. Preparam-nos para os caminhos futuros.
Quanto a escolhas na vida, todas elas são más. Porque implicam abdicar de alguma coisa. Mas todas elas são boas. Porque nos fazem crescer. Mal era se não tivéssemos de as fazer de vez em quando.
Muita conversa, não é?...
Minha querida Nê.
O tempo... ultimamente tenho pensado tanto no significado que tem. Será possível voltarmos atrás e fazer outras escolhas? Será possível viajarmos ao futuro para prever o resultado dos nossos actos?
Tenho-me perguntado se o tempo não será apenas uma ilusão, se o passado, o presente e o futuro não estão a acontecer aqui e agora.
Por vezes dou por mim a falar com outras pessoas e parece-me que estou a falar comigo própria, como se essas pessoas fossem o meu 'eu' daqui a alguns anos...
É complicado de explicar, muito complicado... já alguma vez te sentiste assim?
Quanto às escolhas que fazemos na vida, acho que nunca são erradas, aprendemos com elas e podemos tirar algo de positivo de cada experiência e de cada pessoa que encontramos.
Gostei muito de te encontrar neste caminho que é a minha vida! É(s) uma querida =)
Beijinhos ***
Inês
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