domingo, 8 de fevereiro de 2009

A ordem das coisas

Podes atender o telefone, por favor?

Vai ser para ti. Porque tenho de ser sempre eu? Estou?



Estou? Quem fala?

Sou eu, Vera.

Pedi-te que não me falasses.

Mas Vera, não percebeste. Tinha de contar o que se anda a passar. Fui falar com ele, e vim tão comovida, que não podia deixar de te dizer. Não a ti. Nem que fosse por aqui. Vim a pensar que ali estava o segredo do seu sucesso, na forma como simplesmente está.

De que falas? Por onde andas? Porque não falaste mais cedo?

Ora, sabes bem que não podia. Os teus silêncios autoritários não mo permitiam. Tu sabias quem eu era, não me quiseste ver. As minhas surpresas revelavam-me, mas nem sequer precisavas delas. Percebeste-me no primeiro instante, e sei que sabes. Não entendi como pudeste deixar escapar o que sabias ser tão verdadeiro. Talvez o mais verdadeiro. Será que a primeira impressão é a mais verdadeira? A imagem, a imagem…A imagem ficou aí tão feia, perante as memórias de outros momentos, que tive de apagar. Excluir, cliquei. Serviu apenas como último arranhão.

O que queres?

O que quero não sei. Resolvi surpreender-me a mim mesma, e fui até ao Seixal. Sabes como adoro viajar, desta vez de carro. Como será que as novas ideias nos surgem? Comecei a pensar no que me dá realmente prazer, e percebi que terá a ver com a aparente impossibilidade. A solução está lá, sei-o. Como sabia que tinha de falar, durante aquela sessão. E de repente fiquei presa, bloqueada, em branco. No piano um horror, porque teria de ser aquele ré a seguir ao dó, caso contrário estragaria tudo. Mas ali não. Como quando te deixei aquelas coisas à porta de casa. O melhor de mim à porta de tua casa. Ocorreu-me aquilo ali, naquele momento, sem saber muito bem porquê. Mas o que é certo é que o significado se tornou depois bastante perceptível. O absurdo. Será que a ordem, ou o significado, lhe demos nós depois, já na quentura da casa? Ou existe uma ordem no aparentemente caótico? Hoje em dia parece-me tudo tão óbvio que é até assustador.

Sabes que acho que constróis o óbvio. Terás de ter atenção à forma da construção, porque nos habituamos a construir o significado sempre da mesma maneira. A ideia não é nova para ti, a verdadeira transformação está na forma diferente da conjugação das partes no todo. O que te disseram no Seixal?

Quem é ao telefone, Vera?

Não me lembro bem. Ficou sobretudo a vontade. De tocar.

Não faço ideia. Acho que era engano.

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