Então minha menina, como anda? Conte-me. Lembro-me que andava agitada há 15 dias atrás.
Sim. Pega no carro, percorre a cidade, estaciona, concentra-te, pega no carro, percorre a cidade. Ouve, decide, age, a cabeça às voltas, às voltas. Aprendemos assim Dra., desde que nascemos.
Como assim desde que nascemos?
Acorda. Come. Sorri. Responde aos estímulos, senão que infelicidade. Anda, não te esqueças da mala, não te esqueças do passe, não te esqueças de prestar atenção. Concentra-te. Vê bem todas as perguntas. Um mundo justo em que estamos, se responderes sempre a todas as perguntas. Vais conseguir. Não sei bem o quê mas consegues. Anda, não pares. Acho que desaprendemos, Dra.
Desaprendemos o quê?
Desaprendemos a ouvir-nos. E à nossa vontade.
Não estou a entender.
Andar na linha, na linha, sempre na linha. Tudo traçado. Cabeça fria, por vezes gelada. Pergunto-me para quê. Regras necessárias. Dirão até que em nosso bem, para sermos felizes…um dia. Com o trabalho certo, o amor certo, os filhos certos, as casas certas, não barafustes senão levas sapatada, e isto funciona filha, acredita, chegará o teu dia, chegará o teu dia. Que frase estúpida esta. E falsa. Existem muitos dias e nem damos conta. À procura, sempre à procura. A inquietação devia ser outra.
Qual?
Uma vontade. Uma vontade natural e também inquietante, mas de outra forma. Já observou bem o seu corpo a mover-se? Outro dia estive assim uma hora. Uma vontade natural, e no entanto só minha. Para quê a linha? E no entanto não consigo deixar de fazer parte dela, e de me sentir tão mal quando não a sigo. E de me sentir tão mal por constatar que é mentira.
O que lhe acontece se não a seguir? E seguir a outra vontade? Uma vontade talvez mais…ancestral.
Tinha de voltar a aprendê-la Dra.
sábado, 26 de julho de 2008
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3 comentários:
Mais do mesmo, ou o constante caos aleatório! :) Por vezes torna-se difícil parar o processo habitual, especialmente quando não há lógica.
Existe-se; feliz de quem vai largando o peso pelos dias fora.
Brilhante, cara Inês, brilhante!
*
Cat
Pois é difícil parar...mesmo quando há lógica, mas não nos faz sentido.
Obrigada, Cat.
Beijinhos!
"Feliz de quem vai largando o peso pelos dias fora". Gostei. Por vezes apanham-se é outros pesos pelo caminho, à medida que largamos os velhos. Como se quiséssemos andar sempre carregados com qualquer coisa, percebem? Como quando dormimos no verão só de lençol e nos parece estranho, falta qualquer coisa, o peso dos cobertores. Não é que seja preciso, mas já estamos tão habituados...
Mas a 'conversa do divã' encaixou que nem uma luva aqui deste lado... Foi como se desse com as palavras, perdidas, algures no caminho, e de repente apercebo-me que elas são também minhas. Que dizem, tal e qual, aquilo que sinto sem nunca o ter verbalizado assim. Não somos únicos, sim, mas sabe sempre bem confirmá-lo... (nas coisas más, pelo menos)
O processo de sair da linha, de tentar ouvir a nossa própria voz, leva por vezes a caminhos inusitados. Diferentes. Não esperados. Nem melhores, nem piores, diferentes. Quero dizer, melhores e piores, mas sobretudo diferentes porque são o resultado da nossa opção e não de uma qualquer forma de imposição.
Mas obrigam-nos realmente ao confronto interior, a reaprender, e a aceitarmos aquilo que, afinal, parece que somos verdadeiramente, e não a mentira que construímos para os outros, que se transforma, invariavelmente, na mentira em que vivemos e com a qual nos enganamos.
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