Parabéns. Um beijinho.
Vem cá. Dá-me mesmo.
Dou.
Sabes que estou sempre aqui. Ou aí.
Claro. Das únicas certezas que tenho. Ainda ontem olhava a fotografia. Eu devia ter uns dez anos. De vez em quando dou volta às fotografias. Tento identificar as personagens, uma dificuldade.
Pois é natural. Com o passar dos anos. A pele envelhece.
Uma identidade conhecida e desconhecida ao mesmo tempo. Tu. Eu. Nós. O nós também muda de identidade. Uma integração difícil, do nós antigo com o nós actual. No nosso caso é diferente, só eu vou mudando. E tu, aos meus olhos. Esta nossa memória está sempre a mudar. Espalham-se as fotografias pela mesa. E pelos móveis. E pelas paredes. E pelo chão. Ando a abusar dos “e” nestes textos, mas que hei-de fazer, sai-me assim espontaneamente. Tiques de linguagem que também nos caracterizam. Esta sou eu. Sou mesmo eu?
És tu, és. No fotógrafo lá em baixo.
Sempre a mudar, sempre a mudar. E no entanto os mesmos. Das fotografias. Ontem tive necessidade de tirar umas novas. Há mais de um ano que não tirava. Preciso de me renovar. Não me posso arriscar a ficar sem provas. E se me falha a memória? Que ainda por cima não é fotográfica.
Falha sempre. Mesmo nas fotografias. Sorrisos inventados.
Nesta não, estamos todos distraídos. Por acaso com um ar um pouco triste, mas tranquilo. Que se teria passado?
Era o meu dia de anos.
É verdade.
Dá cá um beijinho.
Dou. Parabéns avô.
domingo, 29 de junho de 2008
terça-feira, 24 de junho de 2008
O botão (clique aqui)
Dá-me a mão.
Espera, fiquei com o papel do bolo na mão. Tenho este hábito.
Tem graça. Eu ando com um botão. Gosto de mexer nele. Sabes porquê?
Porquê?
Estava mesmo a perguntar-te! Se tem algum significado…
Pois isso terá sempre. Mas entendo a necessidade de dar um significado comum a algo que só fazemos nós, ou que achamos que só fazemos nós. Normaliza, dentro da anormalidade. Deve dar segurança. O botão.
Mexo e remexo. Uma agitação quando o perco. E um alívio quando o encontro. Ao botão. Como uma pele em que toco e me descansa. Mais ainda, sentir a minha pele nele, e a minha mão a agarrá-lo. Que tranquilidade. Mas uma ansiedade ao mesmo tempo.
Ansiedade?
Ah claro. Um aperto na barriga. E se uso calças sem bolsos e não o posso ter na minha mão a andar de um lado para o outro como costumo? E se alguém nota que ando com ele no bolso todos os dias? E se o perco? E se deixo de conseguir viver sem ele? O botão.
Pois, o perigo da dependência. Mas todas as relações são de alguma dependência, se intensas. O peso da palavra. Dependência. Faz parte do DSM, um susto fazer parte do DSM. E no entanto, somos dependentes de algumas coisas para viver. De comida, por exemplo. Por falar nisso, aquela massa com atum estava óptima. Digo-te isto porque fiquei com a sensação há bocado de que poderia não ter mais oportunidade de te dizer, e temos de aproveitar aquilo que podemos fazer, na altura em que podemos fazer. Já basta o que basta. Se ficam momentos, que fique esse também na nossa história. E o jardim. Ficou-te também a imagem do jardim? E dos grilos. E dos disparates e de nos rirmos com eles, que como sabes é o que mais gosto de fazer. Rir. Uma dependência equilibrada, dizem, se não queres fazer parte do DSM. E de afecto, também somos dependentes de afecto. E dos próprios hábitos. E de papéis na mão. E de botões. Dão segurança.
Espera, fiquei com o papel do bolo na mão. Tenho este hábito.
Tem graça. Eu ando com um botão. Gosto de mexer nele. Sabes porquê?
Porquê?
Estava mesmo a perguntar-te! Se tem algum significado…
Pois isso terá sempre. Mas entendo a necessidade de dar um significado comum a algo que só fazemos nós, ou que achamos que só fazemos nós. Normaliza, dentro da anormalidade. Deve dar segurança. O botão.
Mexo e remexo. Uma agitação quando o perco. E um alívio quando o encontro. Ao botão. Como uma pele em que toco e me descansa. Mais ainda, sentir a minha pele nele, e a minha mão a agarrá-lo. Que tranquilidade. Mas uma ansiedade ao mesmo tempo.
Ansiedade?
Ah claro. Um aperto na barriga. E se uso calças sem bolsos e não o posso ter na minha mão a andar de um lado para o outro como costumo? E se alguém nota que ando com ele no bolso todos os dias? E se o perco? E se deixo de conseguir viver sem ele? O botão.
Pois, o perigo da dependência. Mas todas as relações são de alguma dependência, se intensas. O peso da palavra. Dependência. Faz parte do DSM, um susto fazer parte do DSM. E no entanto, somos dependentes de algumas coisas para viver. De comida, por exemplo. Por falar nisso, aquela massa com atum estava óptima. Digo-te isto porque fiquei com a sensação há bocado de que poderia não ter mais oportunidade de te dizer, e temos de aproveitar aquilo que podemos fazer, na altura em que podemos fazer. Já basta o que basta. Se ficam momentos, que fique esse também na nossa história. E o jardim. Ficou-te também a imagem do jardim? E dos grilos. E dos disparates e de nos rirmos com eles, que como sabes é o que mais gosto de fazer. Rir. Uma dependência equilibrada, dizem, se não queres fazer parte do DSM. E de afecto, também somos dependentes de afecto. E dos próprios hábitos. E de papéis na mão. E de botões. Dão segurança.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Vidas paralelas
Boa tarde. Que calor.
Pois, calculo. Aqui dentro não se sente nada.
E é bom?
O quê?
Não se sentir nada. Será o trabalho ideal, não sentir o frio nem o calor. Nestes quinze dias andei a pensar num tema para esta sessão.
Que mudança repentina.
E não são todas? Aí está outro tema de que gosto, mas não venho preparada para ele. E já o começámos várias vezes, não sei por que razão nunca o continuamos. Mas há já tempo que uma outra ideia me persegue e ainda não tive oportunidade de a expor aqui.
Diga.
Já reparou que também existimos nos sonhos dos outros?
Como assim?
Nunca pensou nisto? De certeza que apareceu já numa grande quantidade de sonhos de pessoas, e nem sabe. Se calhar nem elas. Quem sabe até em sonhos de pessoas que não conhece.
Humm.
Faz-me uma certa confusão esta ideia, e ao mesmo tempo sinto um certo mistério. Embora, pensando bem, não tenha mistério nenhum. São apenas imagens de nós. Aliás, como são sempre, nas cabeças dos outros e nas nossas. E lá estamos, vivos, como que noutra dimensão, e sem sabermos que estamos. Vivos. Esta incerteza cansa-me, cansa-me…Dias melhores virão, vais ver, vais ver…Que raio de optimismo irracional. Bem sei que também é irracional pensar o contrário.
A verdade é que tudo muda sempre. O tempo não pára.
Pois será, mas é desconcertante. Porque hei-de acreditar que de certeza que algo melhorará se tudo é imprevisível e sempre em mudança? Estão a prever algo imprevisível.
A certeza é a de que as circunstâncias mudam, e as pessoas também. Não que se irá sentir melhor. Mas falava-me dos sonhos.
Desculpe, esta minha cabeça dispersa. A ver se não me esqueço de aqui voltar outro dia. Pois os sonhos. Como fantasmas. Vidas paralelas. Sensação esquisita essa de existir sem saber. E um conforto.
Porquê conforto?
Não sei bem. Talvez porque aí a minha existência não depende de mim. Uma tranquilidade…
Engraçado. Sente-se bem quando perde o controlo. Sobre si.
Isso já é outro tema, Dra., depois sou eu! E esta sessão já vai longa. Demasiado longa.
Pois, calculo. Aqui dentro não se sente nada.
E é bom?
O quê?
Não se sentir nada. Será o trabalho ideal, não sentir o frio nem o calor. Nestes quinze dias andei a pensar num tema para esta sessão.
Que mudança repentina.
E não são todas? Aí está outro tema de que gosto, mas não venho preparada para ele. E já o começámos várias vezes, não sei por que razão nunca o continuamos. Mas há já tempo que uma outra ideia me persegue e ainda não tive oportunidade de a expor aqui.
Diga.
Já reparou que também existimos nos sonhos dos outros?
Como assim?
Nunca pensou nisto? De certeza que apareceu já numa grande quantidade de sonhos de pessoas, e nem sabe. Se calhar nem elas. Quem sabe até em sonhos de pessoas que não conhece.
Humm.
Faz-me uma certa confusão esta ideia, e ao mesmo tempo sinto um certo mistério. Embora, pensando bem, não tenha mistério nenhum. São apenas imagens de nós. Aliás, como são sempre, nas cabeças dos outros e nas nossas. E lá estamos, vivos, como que noutra dimensão, e sem sabermos que estamos. Vivos. Esta incerteza cansa-me, cansa-me…Dias melhores virão, vais ver, vais ver…Que raio de optimismo irracional. Bem sei que também é irracional pensar o contrário.
A verdade é que tudo muda sempre. O tempo não pára.
Pois será, mas é desconcertante. Porque hei-de acreditar que de certeza que algo melhorará se tudo é imprevisível e sempre em mudança? Estão a prever algo imprevisível.
A certeza é a de que as circunstâncias mudam, e as pessoas também. Não que se irá sentir melhor. Mas falava-me dos sonhos.
Desculpe, esta minha cabeça dispersa. A ver se não me esqueço de aqui voltar outro dia. Pois os sonhos. Como fantasmas. Vidas paralelas. Sensação esquisita essa de existir sem saber. E um conforto.
Porquê conforto?
Não sei bem. Talvez porque aí a minha existência não depende de mim. Uma tranquilidade…
Engraçado. Sente-se bem quando perde o controlo. Sobre si.
Isso já é outro tema, Dra., depois sou eu! E esta sessão já vai longa. Demasiado longa.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Foi um jeito?
Ai Sr. Dr, doi-me muito aqui.
Exactamente onde?
Exactamente não sei. Dói-me aqui no peito. Terá sido um jeito? Percorre-me este lado todo.
Humm. E como é a dor?
Uma dor…profunda. Tão profunda que me custa a crer que foi um jeito.
Mas pode ser…às vezes os jeitos causam dores bastante agudas.
Não é aguda. É profunda. É diferente.
Entendo. Fez algum esforço?
Tantos…
Mas algum particular nesta zona?
Isso é mais difícil de saber. Mas talvez. Sem me dar conta. Mas se fiz só passado um tempo é que dei conta da dor. Para não me lembrar…
Pois é natural, dado o tipo de dor. E a mexer-se, dói?
A mexer-me e parada. É constante. Uma dor que mói, uma moinha, uma moinha…
Há algum momento em que não sinta a dor? É importante saber as excepções. Mas isto provavelmente não lhe interessa. Pergunto-me frequentemente se devo dizer e explicar o que estou a fazer ou apenas fazê-lo. Às vezes quando digo perde o efeito. Adiante. Perguntava-lhe das excepções…
Não sei se a dor deixa de existir ou se sou eu.
Que é a Sra? A fazer o quê?
A deixar de existir.
Exactamente onde?
Exactamente não sei. Dói-me aqui no peito. Terá sido um jeito? Percorre-me este lado todo.
Humm. E como é a dor?
Uma dor…profunda. Tão profunda que me custa a crer que foi um jeito.
Mas pode ser…às vezes os jeitos causam dores bastante agudas.
Não é aguda. É profunda. É diferente.
Entendo. Fez algum esforço?
Tantos…
Mas algum particular nesta zona?
Isso é mais difícil de saber. Mas talvez. Sem me dar conta. Mas se fiz só passado um tempo é que dei conta da dor. Para não me lembrar…
Pois é natural, dado o tipo de dor. E a mexer-se, dói?
A mexer-me e parada. É constante. Uma dor que mói, uma moinha, uma moinha…
Há algum momento em que não sinta a dor? É importante saber as excepções. Mas isto provavelmente não lhe interessa. Pergunto-me frequentemente se devo dizer e explicar o que estou a fazer ou apenas fazê-lo. Às vezes quando digo perde o efeito. Adiante. Perguntava-lhe das excepções…
Não sei se a dor deixa de existir ou se sou eu.
Que é a Sra? A fazer o quê?
A deixar de existir.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
(Des)Encanto
Achas que eu vou ser feliz?
Tenho a certeza.
Como podes ter?
Tenho. Nunca te faltei à palavra.
Como no filme que fomos ver outro dia?
Parecido com esse.
Parecido como? Ela preferiu ficar neste mundo. Não entendo.
Neste mundo as pessoas também são felizes, mas de outras maneiras.
No outro pareciam-me mais. Tenho medo. São muito felizes neste?
Nuns dias são mais, noutros menos. E algumas vezes são muito felizes. Uns dias compensam os outros. No mundo de onde ela vinha estavam sempre felizes.
Porque preferiu ela então este mundo? “Sempre” é melhor do que algumas vezes.
Não sei…Se calhar porque no outro não era tão genuíno.
O que é genuíno?
É de verdade.
Ah. No castelo era tudo a fingir?
Não, acho que não. Tudo não…mas algumas coisas. Ela preferiu que não fosse nada a fingir.
E ela pensa que aqui não é a fingir?!
Se calhar.
Fazes-me mais massagens nas pernas, que eu vou adormecer?
Tenho a certeza.
Como podes ter?
Tenho. Nunca te faltei à palavra.
Como no filme que fomos ver outro dia?
Parecido com esse.
Parecido como? Ela preferiu ficar neste mundo. Não entendo.
Neste mundo as pessoas também são felizes, mas de outras maneiras.
No outro pareciam-me mais. Tenho medo. São muito felizes neste?
Nuns dias são mais, noutros menos. E algumas vezes são muito felizes. Uns dias compensam os outros. No mundo de onde ela vinha estavam sempre felizes.
Porque preferiu ela então este mundo? “Sempre” é melhor do que algumas vezes.
Não sei…Se calhar porque no outro não era tão genuíno.
O que é genuíno?
É de verdade.
Ah. No castelo era tudo a fingir?
Não, acho que não. Tudo não…mas algumas coisas. Ela preferiu que não fosse nada a fingir.
E ela pensa que aqui não é a fingir?!
Se calhar.
Fazes-me mais massagens nas pernas, que eu vou adormecer?
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Anormalidades
E diga-me, depois desta pequena introdução, qual é o seu objectivo ao vir aqui?
Eu quero ser normal.
Humm, o pedido mais comum. O que entende por normalidade?
O que a palavra indica. Estar dentro da norma.
Em relação a que aspecto?
Isso não sei. Gostava que a Dra descobrisse, para me ajudar a mudar esta situação.
Mas então como sabe que não é? Normal.
O meu marido disse-me, e eu confio plenamente no seu juízo. Porque eu não tenho nenhum. Juízo, entenda-se.
Esta sessão está a ser um pouco diferente do habitual. Espere um momento, tenho de reformular rapidamente a minha forma de actuar.
Está a ver…confirma a minha hipótese. Até em sessão parece que sou diferente do habitual.
Mas se fossemos todos iguais não teria graça nenhuma. A Rosa é uma criativa. Isso é um dom, não uma anormalidade.
E o que é que eu ganho com essa troca de palavras? Eu quero é viver bem. Dar-me bem com os outros. Viver tranquilamente. Não acordar com as mãos suadas de excitação por um novo projecto, uma nova ideia, um novo amor. Não acordar com as mãos suadas por nada. Não fazer surpresas, nem esperar surpresas. Não esperar grandes feitos. Nem feitios. Viver o presente. Presente, presente, Rosa, mete na cabeça que é presente e não o futuro nem o passado! Não amar perdidamente. Não fazer nada perdidamente. E se me perco de vez?
O seu discurso está cheio de deveres. Além disso, assim não seria a Rosa. É indispensável que se sinta bem, mas na sua pele. Um equilíbrio entre o que é esperado socialmente e aquilo que sente que é. Integrar a diferença no que é comum.
Pois aí está o problema. Não sentimos o que somos isoladamente, sentimos com os outros. Não é um processo individual, não depende apenas de mim. Era preciso que a pele dos outros também mudasse.
E quem lhe diz que não muda?
Ora, Dra…
Eu quero ser normal.
Humm, o pedido mais comum. O que entende por normalidade?
O que a palavra indica. Estar dentro da norma.
Em relação a que aspecto?
Isso não sei. Gostava que a Dra descobrisse, para me ajudar a mudar esta situação.
Mas então como sabe que não é? Normal.
O meu marido disse-me, e eu confio plenamente no seu juízo. Porque eu não tenho nenhum. Juízo, entenda-se.
Esta sessão está a ser um pouco diferente do habitual. Espere um momento, tenho de reformular rapidamente a minha forma de actuar.
Está a ver…confirma a minha hipótese. Até em sessão parece que sou diferente do habitual.
Mas se fossemos todos iguais não teria graça nenhuma. A Rosa é uma criativa. Isso é um dom, não uma anormalidade.
E o que é que eu ganho com essa troca de palavras? Eu quero é viver bem. Dar-me bem com os outros. Viver tranquilamente. Não acordar com as mãos suadas de excitação por um novo projecto, uma nova ideia, um novo amor. Não acordar com as mãos suadas por nada. Não fazer surpresas, nem esperar surpresas. Não esperar grandes feitos. Nem feitios. Viver o presente. Presente, presente, Rosa, mete na cabeça que é presente e não o futuro nem o passado! Não amar perdidamente. Não fazer nada perdidamente. E se me perco de vez?
O seu discurso está cheio de deveres. Além disso, assim não seria a Rosa. É indispensável que se sinta bem, mas na sua pele. Um equilíbrio entre o que é esperado socialmente e aquilo que sente que é. Integrar a diferença no que é comum.
Pois aí está o problema. Não sentimos o que somos isoladamente, sentimos com os outros. Não é um processo individual, não depende apenas de mim. Era preciso que a pele dos outros também mudasse.
E quem lhe diz que não muda?
Ora, Dra…
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