quinta-feira, 8 de abril de 2010

Charlie?

Charlie…

Querida.

Compraste-me bolachas? Charlie, queria dizer-te, antes que o momento passasse. Por vezes surge uma certeza que permite a felicidade na dúvida. Como se todas as perguntas sobre todas as espécies de animais fossem abarcadas por um ponto. Pensando bem, um ponto talvez não seja a melhor forma de representar isto que sinto, teremos de criar um qualquer outro sinal de pontuação.

Não tem conteúdo visível isso que sentes. Como o silêncio de que precisas para saber que o som existe. Talvez uma pausa? Trouxe também pão, havia pão quente.

Charlie querido, afirma por favor a tua existência, diz-me que és tu que aí estás. É que nota, a certeza surge sempre na tua ausência. Eu olho para ela e rio-me, que eu sei (nesse momento eu sei tudo) que isso é ela a ver se eu sobrevivo à dúvida sobre o facto de existires, mesmo quando te vejo (pausa para respirar. Silêncio, que talvez esta seja a ideia principal do texto). Rio-me assim disfarçadamente, como quem não quer a coisa, na esperança de que a dúvida não se instale e não me estrague o meu rico banho. Na tua ausência eu sei-te concentrado, um silêncio constituído por todas as séries harmónicas. Talvez por isso ela te tenha feito boneco neste texto, dando assim ideia aos leitores que existes não existindo. Porque essa é a verdade, e ela gosta de ser verdadeira nas suas descrições. Isto independentemente das coisas existirem sem quem as observe, ou das múltiplas interpretações que poderás dar às minhas palavras, isso serão outras histórias. Nesse momento de silêncio em que eu perco a noção do tempo, talvez por não se ouvir o tic tac do relógio, tu transformas-te numa real personagem, querido Charlie. E aqui a palavra “real” assume propositadamente dois significados, que no silêncio todas as minhas personagens são reis e rainhas. Vê tu que diz o dicionário que o significado da palavra “real” é oposto a “imaginário”. Dizem que terás de ser palpável para seres real, querido Charlie, que cruéis são para ti! Enfim, numa outra definição terás antes de ser genuíno, e isso eu posso garantir-lhes até mesmo em frente a um juiz. Digo-lhe:

- em primeiro lugar, sr. dr. juiz, todas as personagens aqui são genuínas, não lhe seria útil a ela criar personagens falsas. Este será já um argumento de peso, que o sr. dr. juiz bem sabe que no mundo de hoje ninguém cria nada se não for para lhe dar um qualquer uso. Além de mais a questão da utilidade é assunto já discutido ao mais alto nível intelectual, dr. juiz, não duvide por isso da cientificidade das minhas afirmações.

Julgo que talvez tenha sido a primeira vez que utilizo dois pontos por aqui, é visível a minha necessidade de nova pontuação. Em seguida, querido Charlie, termino então a minha argumentação, que eu ando menina cansada e isso pesa, sabes a energia que é necessária para aliar o discurso à emoção. E se não chegar, recorremos. Remato então a questão:

- Sr juiz, tratemo-nos agora por tu que o assunto não é para formalismos. Segredo-te, para que ele não me ouça, que o Charlie é uma criança, todas as noites me pede uma luz de presença. Surge nos meus silêncios e infiltra-se no meu coração. E eu rendo-me, o que farias no meu lugar? Esta prova não é refutável. Mas eu garanto-lhe, sr. dr. juiz, que ela é verdadeira.

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