sábado, 26 de julho de 2008

Desaprender (clique aqui)

Então minha menina, como anda? Conte-me. Lembro-me que andava agitada há 15 dias atrás.

Sim. Pega no carro, percorre a cidade, estaciona, concentra-te, pega no carro, percorre a cidade. Ouve, decide, age, a cabeça às voltas, às voltas. Aprendemos assim Dra., desde que nascemos.

Como assim desde que nascemos?

Acorda. Come. Sorri. Responde aos estímulos, senão que infelicidade. Anda, não te esqueças da mala, não te esqueças do passe, não te esqueças de prestar atenção. Concentra-te. Vê bem todas as perguntas. Um mundo justo em que estamos, se responderes sempre a todas as perguntas. Vais conseguir. Não sei bem o quê mas consegues. Anda, não pares. Acho que desaprendemos, Dra.

Desaprendemos o quê?

Desaprendemos a ouvir-nos. E à nossa vontade.

Não estou a entender.

Andar na linha, na linha, sempre na linha. Tudo traçado. Cabeça fria, por vezes gelada. Pergunto-me para quê. Regras necessárias. Dirão até que em nosso bem, para sermos felizes…um dia. Com o trabalho certo, o amor certo, os filhos certos, as casas certas, não barafustes senão levas sapatada, e isto funciona filha, acredita, chegará o teu dia, chegará o teu dia. Que frase estúpida esta. E falsa. Existem muitos dias e nem damos conta. À procura, sempre à procura. A inquietação devia ser outra.

Qual?

Uma vontade. Uma vontade natural e também inquietante, mas de outra forma. Já observou bem o seu corpo a mover-se? Outro dia estive assim uma hora. Uma vontade natural, e no entanto só minha. Para quê a linha? E no entanto não consigo deixar de fazer parte dela, e de me sentir tão mal quando não a sigo. E de me sentir tão mal por constatar que é mentira.

O que lhe acontece se não a seguir? E seguir a outra vontade? Uma vontade talvez mais…ancestral.

Tinha de voltar a aprendê-la Dra.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Logicamente

Piano.

Canto.

Pássaro.

Lobo.

Uivar.

Não vale verbos.

Que chata, que interessa essa regra? Uivo.

Estou cansada. Podemos parar? Este jogo.

Também estou cansada, sim. Mas vicia. Encadeiam-se de tal maneira, ficava horas. Ainda bem que resolveste parar.

Não gosto. Ou não gosto nesta altura. Preciso de tranquilidade. Aí está uma diferença.

Em quê?

Em mim. Noutra altura continuaria. Um equilíbrio difícil mas necessário, porque também tem vantagens. O jogo. Leva-me a produzir. A cabeça rodopia, o estômago aperta, a tensão aumenta, até que sai. Não sei se o processo tem necessariamente de ser assim. Porque se tem…

Se tem…

Se tem não quero. Vou mudar de vida. Não tenho nervos de aço.

Oh, e achas possível mudar? Mesmo que não tenhas mais palavras, arranjarás outra forma. De tensão.

Talvez. Mas sentia que havia um caminho diferente. Uma necessidade de paz. Um gosto pelo silêncio. Sem jogos.

Isso não existe.

Uma solidão que também leva a uma tensão, mas de outro tipo, ou talvez de outra forma. Uma mente cheia também, mas não de novelos de palavras. Lá vem o novelo outra vez, mas olha, não me apetece trocar. Um bloqueio produtivo. Nas palavras. Abrir possibilidades, dizem os terapeutas. Confundir. Surpreender. Bloquear para desbloquear. Lá vou eu parar aos mesmos temas, eu bem tento misturá-los.

Não percebo. Porque não consegues ter um discurso lógico?

Bloquear a lógica habitual, dizem. Tenho as minhas dúvidas. O que é certo é que a aprendemos, esta lógica. E por alguma razão ela sobreviveu. Resta saber se é a mais adequada. A das palavras. Porque incrustamos em lógicas não adaptativas? No sentido de não nos fazerem felizes.

Olha Rosa, deixa-me aqui na esquina, escusas de estar a dar a volta para me deixares em casa. Amanhã às 10.30. O de sempre. E cuida-te…!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Táxi! (clique aqui)

Boa tarde.

Boa noite, menina.

É verdade, já é boa noite. É para a rua dos fanqueiros, por favor.

Sim Sra. Porque já é crescida. Vamos aqui por baixo, é mais longo mas apanha menos sinais.

Sim sim, nunca vim por aqui, mas está bem.

Não veio?

Não, quer dizer, nunca fiz este caminho. Não é costume vir para aqui. Por isso seguimos o que achar melhor.

Ah. Que chatice, não é normal este comboio passar a estas horas. Acasos. Sabe menina, temos de aproveitar as coisas quando elas nos aparecem.

Tem razão.

Se lhe aparecer uma oportunidade não a desperdice. Tem é de saber que é ele.

É ele?

O momento.

Tem razão. Bom, mas muitas vezes não sabemos.

Pois olhe, ou sabemos uns quantos anos depois.

Foi o seu caso?

Já lá vão 40 anos…teimosia menina, pura teimosia. E agora olhe.

Então? E não o encontrou mais? Ao momento.

Foi com o autocarro. Não vou pensar mais nisso. Não acha? Se calhar se o fosse ter aproveitado, outros não teriam acontecido.

Bom, então no fundo acha que não estava destinado. Tê-lo aproveitado.

Pois isso não sei. Acho é que tinha sido mais feliz, agora se estava destinado ou não…

Que triste. E não pode recuperá-lo?

Está a ver, não apanhámos sinais nenhuns. Do longe se fez perto. E aquele comboio foi posto ali para nós.

Se não tivesse passado não me tinha contado essa história triste…

Não é triste, senhora. Menina. Por ser menina a vê triste. Mas se a vir, não a desperdice.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Personalidades

Esta rapariga é cheia de personalidade.

É doida, queres tu dizer.

Que disparate.

O que queres dizer com ter personalidade? Todos temos, não? Um conceito ultrapassado, esse.

Ora, é linguagem do senso comum. Se quiseres podemos começar uma conversa mais profunda. Sobre o eu, ou o facto de termos ou não uma estrutura definida. Mas não era minha intenção neste momento estar a maçar-te com isso.

Podem-se utilizar ideias simples para conceitos complexos. Há quem seja perito. Escusamos de entrar neste jogo. É engraçado, acontece-me tanto…Estão a falar, e vão-me passando coisas pela cabeça, mas resolvo não dizer, não sei porquê. Bom, normalmente ideias esquisitas. Ponho-me a falar com outros não presentes. Ou presentes, mas na minha cabeça.

Como assim?

Tenho consciência de que há várias personagens. É difícil. Contribui para esta minha indecisão. Discutem entre si. Seremos todos assim?

Não sei.

Depois há alturas em que sinto muito claramente. Bom, mas esse é outro campo, o do sentir. Ou não será?

Não sei.

Uma entrega. Vou indo, vou indo. Aí não há indecisão. Um eu uno, se quiseres. Uma lógica diferente. Uma única personagem a sentir. Talvez por isso me sinta tão bem nessa altura. Será possível conciliar?

O quê?

Esses dois lados. E será possível pensar sem diálogo? Que confusão que está esta cabeça. Uma bola de lã com umas pontas, ficou a imagem de outro dia. Quando eu achava que ela se estava a desenrolar, embrulhou-se ainda mais. Gostas da palavra embrulho? Utilizei-a porque dá a ideia de presente. Novidade. Mudança. Ai, pára-me, já viste como estou?

Tu és é doida.

Não, tenho é muita personalidade.