domingo, 18 de março de 2018

O chão da minha rua da janela da minha casa


Há uma árvore ao pé da minha casa que é um castanheiro. Diz o meu pai, que não é perito em botânica, que se chama castanhas do diabo ao que de lá cai no chão. O chão da minha rua estava cheio de castanhas do diabo até há bem pouco tempo, que elas caem lá para Novembro e a seguir o vento/o tempo

Voa-as

E por que razão não há-de ser assim? Todas as palavras são verdadeiras no momento em que são ditas, e a seguir o tempo

Silencia-as.

sem as calar. De modo que para mim, pode-se dizer que as palavras são a maior invenção de todas, porque têm este dom de serem sempre verdadeiras mesmo quando mentimos, tendo-me permitido ser-nos a fingir de verdade. Isto porque o amor não é uma invenção, senão naturalmente que seria a maior. E a segunda maior invenção é o tempo, que como é lógico vem depois do início, contra factos há argumentos, mas são pobres. Ao lado do castanheiro está um pinheiro manso, posso afirmá-lo com todas as letras, porque aprendi há muito tempo que os pinheiros pequenos, largos e côncavos eram mansos, é uma associação fácil de fazer, mesmo quando somos crianças. Enquanto perco horas a ler poemas ou à procura de uma verdade que me convença a pele ou por fim a encontrar as palavras que lhe traduzam os silêncios, o que talvez vá dar tudo ao mesmo, passo muitas vezes os olhos pelas árvores, que se vêem daqui da janela. É preciso tempo para acreditarmos

- come devagar, que te engasgas

e olhar para as árvores dá-me/dá-lhe frutos, que queres que te diga? Porque o tempo das árvores é mais longo do que o nosso, que é curto. Na outra árvore ao lado do pinheiro, que eu não sei como se chama (nem o meu pai), há papagaios verdes com uma cauda longa. São mesmo papagaios, não tenho dúvidas, porque nos/os fui procurar ao dicionário dos símbolos,

“É [o papagaio] uma personificação específica de conteúdos que são repetidos sem questionamento e sem que se pare para fazer avaliação. Costuma levar ainda a projecção de ser um símbolo do inconsciente”

palavras com certeza sábias, e porventura certas, porque terão sido escritas por um(a) perito(a) em simbologia e em papagaios. Há uma árvore, ao pé da minha casa, que dá uns frutos que têm uma casca dura e castanha, parecidos com as castanhas mas maiores. Diz o meu pai, que apesar de não ser perito em botânica é bastante convincente, que são castanhas do diabo. Mas espera, que o vento voa-as e então eu desço as escadas e pergunto ao tempo que passa notícias do meu

coração que não sente os olhos que não vêem a pele que não toca a boca que não fala a boca que não cala

e o vento nada me diz. Não encontrei castanha nenhuma, nem daquelas que se escondem nos silêncios. Vi de repente isto tudo, com estes olhos que a terra há-de comer. Zero. Sendo que o zero é a terceira maior invenção do mundo, porque é uma linha fechada cheia de

- come devagar, que te enganas. Que queres realmente dizer?

Nada.

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