Quando o meu avô me comprava palmiers cobertos sempre que me ia buscar ao piano, eu gostava tanto do amor que vinha agarrado que nunca fui capaz de lhe dizer que os bolos me enjoavam, nunca fui capaz. Os bolos são excelentes para lhes colocarmos amor, porque são doces e por isso agarram melhor, a outra comida exige maior perícia. Pensava
Se lhes retiro a cobertura, para onde vai o amor que vem agarrado?
e um desejo secreto que o meu avô passasse a comprá-los simples por um afortunado acaso, talvez hoje não haja no tatu. Eu comi muitos bolos porque eu tinha piano todas as semanas, e era um conforto entrar no carro e ver um embrulho do tatu. Eu gosto muito de ouvir histórias, não apenas porque o som das palavras me tranquiliza, mas também porque as memórias vêm cheias de pormenores amorosos
Pára de comer bolos antes de jantar
que eu transformo em canção/oração que me serve de embalo quando me deito. Quando te beijo talvez possamos dizer que o amor dos bolos do meu avô chega até ti apesar de já terem passado muitos anos, pois nessa altura ele ainda seria uma criança. Quando eu te beijo e tu me beijas, é provável que os nossos avós se beijem entre si, uma imagem um tanto estranha mas creio que verdadeira, seja lá o que for isso da verdade. Eu tenho medo que me roubem os detalhes, mudando-me por exemplo as vírgulas de sítio ou o sabor dos teus beijos de cereja
Para onde vai o amor que vem agarrado?
e eu prometi ao meu avô que lhe dava um beijo de cereja porque eu já lá tinha muitos guardados no armário branco, esse mesmo. Eu tenho tantas saudades das mãos do meu avô que por vezes no silêncio eu juro que as vejo. Eu vejo todas as vírgulas das suas mãos a estender-me o embrulho do tatu, e a vida a roubar-me o silêncio e o despertador a tentar colocar pontos finais na minha história, logo essa que não tem princípio nem fim
Para onde vai?
porque eu a guardei em meio aquoso, e toda a gente sabe que a água é um solvente universal capaz por isso de dissolver tudo, até princípios. E depois vai andando andando até dissolver também os fins, já te disse que é universal
Afinal são de pêra
Não é possível avô, são de cereja
e o meu coração a bater descompassadamente, o que significa a um ritmo incerto tum tum tum pausa pausa tum pausa. O coração sabe antes de nós qual é o fim da história, e eu aposto que o leitor também sabe que no final deste texto os teus beijos são de pêra e então podemos todos juntos ir andando andando
e a vida a roubar-me o silêncio e o despertador a tentar colocar pontos finais na minha história
Afinal não é tua a boca
Eu vejo todas as vírgulas das suas mãos a estender-me o embrulho do tatu
Afinal não são teus os olhos
Eu tenho tantas saudades das mãos do meu avô que por vezes no silêncio eu juro que as vejo.
Afinal não és tu
Para onde vai, se lhes retiro a cobertura?
Até chegar ao princípio.
4 comentários:
Que bela estreia para 2012!
E que saudades, que este blog também é muito doce, e não há água que as atenue.
E, entre palmiers, pêras e cerejas, desejo-te uma doce Páscoa!
Minha querida. Como és linda.
o teu poster é mesmo doce, como tu aliás, e estes doces não engordam, só nos derretem.
E o doce pode ser pera, cereja ou amêndoas, mas sobretudo está em quem nos ama e nos deixa perceber isso. Porque amar é também saber dar.
Gostava mesmo de um dia ser assim recordada pelos meus netos, quem sabe?
Beijinhos menina linda.
Queridos e doces são estes comentários. Tão bom recebê-los. Tão bom.
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