Começo assim, que além do tempo escassear, a escrita quer-se científica, directa, sem rodeios. Ando a descobrir que tudo pode ser simultaneamente bom e mau, bonito e feio, e mais um ou outro par de antónimos. Como se a vida começasse a fazer sentido na falta de sentido que tem. Fui então ao baú das minhas personagens e resolvi que talvez tu, querida Vera, fosses a mais apropriada para eu reinventar neste curto espaço temporal que disponho para te falar, no meio dos outros tantos papéis que nos vemos obrigados a desempenhar.
Quem fala?
Daqui satélite. Esta piada é privada, e colocando-a aqui crio rapidamente uma pequena aliança com quem a reconhece. Ao escrever-te existes sem existires, e isso é maravilhoso, porque me dá segurança constringindo-me as possibilidades da minha própria existência (que afinal não dizem que são só metade nossas, as palavras?), deixando-me no entanto uma liberdade considerável no sentir. Desculpa criar-te assim, repentinamente e sem avisar, ando ainda a aprender a controlar esta impulsividade. Mas às vezes a indefinição torna-se tão insuportável, Vera
Quem fala? Quem é?
que assim ao perguntares-me quem sou sempre me vejo um pouco obrigado a definir-me, ou no mínimo ao que sinto. Estou bem! Seguido de um descanso. Porque Vera, começo lentamente (que se vires atentamente não colidirá com a palavra “repentinamente”, o segredo da vida está na elasticidade na conciliação dos advérbios), repito, lentamente, a ter um problema grave, porque constato que, tal como com a música, poderemos estar bem e mal ao mesmo tempo, e ser trágicos e cómicos e tranquilos e românticos e tensos e lentos e rápidos e felizes e infelizes e ficção e realidade. Quando não existes, querida, querido, começo a não saber se estarei bem ou mal ou mesmo alguma coisa. E de repente, Vera, amor, sou imagens e sons e lágrimas e sorrisos e sons de novo e a lamparina confunde-se comigo, juro! ela confunde-se comigo e com a música e com o livro de física e com o candeeiro a abanar porque está vento, e com a gata no seu ritual de limpeza. São seis elementos contando comigo, numa harmonia que se tu soubesses...nem sei o que farias. Nada disto é limpo mas é tão limpo, e eu às vezes acho que a gata sabe de tudo isto tão bem e guarda segredo. Aposto contigo que ela guarda segredos propositadamente, talvez para manter a sua individualidade não se expondo, ou então para se vingar de eu chegar tarde a casa. É o conjunto, a mistura, a mixórdia, no limite o sujo, que lhe dá sentido e beleza. Se tu soubesses como é simples e está aqui tão perto, Vera, está aqui mesmo nestes metros que nos separam. Se tu soubesses como toda a vida cabe nesta lamparina nesta lamparina nesta lamparina. Se tu soubesses.
Quem fala?
Mas eu não te digo.
Quem fala?
Daqui satélite. Esta piada é privada, e colocando-a aqui crio rapidamente uma pequena aliança com quem a reconhece. Ao escrever-te existes sem existires, e isso é maravilhoso, porque me dá segurança constringindo-me as possibilidades da minha própria existência (que afinal não dizem que são só metade nossas, as palavras?), deixando-me no entanto uma liberdade considerável no sentir. Desculpa criar-te assim, repentinamente e sem avisar, ando ainda a aprender a controlar esta impulsividade. Mas às vezes a indefinição torna-se tão insuportável, Vera
Quem fala? Quem é?
que assim ao perguntares-me quem sou sempre me vejo um pouco obrigado a definir-me, ou no mínimo ao que sinto. Estou bem! Seguido de um descanso. Porque Vera, começo lentamente (que se vires atentamente não colidirá com a palavra “repentinamente”, o segredo da vida está na elasticidade na conciliação dos advérbios), repito, lentamente, a ter um problema grave, porque constato que, tal como com a música, poderemos estar bem e mal ao mesmo tempo, e ser trágicos e cómicos e tranquilos e românticos e tensos e lentos e rápidos e felizes e infelizes e ficção e realidade. Quando não existes, querida, querido, começo a não saber se estarei bem ou mal ou mesmo alguma coisa. E de repente, Vera, amor, sou imagens e sons e lágrimas e sorrisos e sons de novo e a lamparina confunde-se comigo, juro! ela confunde-se comigo e com a música e com o livro de física e com o candeeiro a abanar porque está vento, e com a gata no seu ritual de limpeza. São seis elementos contando comigo, numa harmonia que se tu soubesses...nem sei o que farias. Nada disto é limpo mas é tão limpo, e eu às vezes acho que a gata sabe de tudo isto tão bem e guarda segredo. Aposto contigo que ela guarda segredos propositadamente, talvez para manter a sua individualidade não se expondo, ou então para se vingar de eu chegar tarde a casa. É o conjunto, a mistura, a mixórdia, no limite o sujo, que lhe dá sentido e beleza. Se tu soubesses como é simples e está aqui tão perto, Vera, está aqui mesmo nestes metros que nos separam. Se tu soubesses como toda a vida cabe nesta lamparina nesta lamparina nesta lamparina. Se tu soubesses.
Quem fala?
Mas eu não te digo.