sábado, 17 de outubro de 2009

Azul marinho (clique aqui)

Psiiiiu. Estás a dormir?

Não.

Em que pensas?

Estava a pensar que esta bola de Berlim estava mesmo boa.

Escreves? É tarde.

Sabes que gosto de escrever a estas horas.

É dramático?

Ainda não sei, mas julgo que não.

Mas tens as mãos suadas.

É verdade, mas sabes que não bastam as sensações corporais. A música é de certa forma tranquila.

Dizes isso porque não entendes a letra da canção. E a cor? Qual é a cor?

Talvez azul, mas marinho, como aquele azul da Córsega.

Assim chamas outras personagens para a conversa. E a imagem?

Sabes que é estranho? Porque a imagem é de prédios. A rua vazia, e os prédios cheios de gente, de um lado para o outro de um lado para o outro, agarram nos pratos e nos talheres e há também os fornos cheios de comida quente. E nessa imagem eu estou cá fora e vejo-os a todos, e de repente tenho milhares de olhos. O olho é um órgão extraordinário, não te parece?

Quais são as emoções associadas?

A quantidade de perguntas faz-me mudar de contexto, dra. E tenho de dizer-lhes isso de alguma forma, para que me possam seguir. Gostava de não falar sobre as emoções, ou pelo menos deixá-las para o fim, tenho medo de varrer assim o pré-frontal, e desatar a chorar aqui e inundar-lhe o consultório. Sabia que a composição química das lágrimas muda conforme a razão por que choramos? E se depois elas me invadem, e de certa forma me embalam, e não tenho tempo de voltar ao lugar seguro? Porque tudo isto é muito rápido, e muitas vezes sinto que o tempo cronológico não coincide com o meu. Ainda estou a processar o séc. XVIII e já estamos no XXI. Imagino-me com aqueles vestidos e ainda sem existirem prédios cheios de luzes, quero aqueles fatos mais um pouco, só mais 5 minutos, não me quero deitar já. A imagem agora saltou dra, estão a puxar-me para a frente e eu cravo os pés e dobro os joelhos e faço força para trás e digo ao tempo, que é ele que me está a puxar, digo-lhe que sou lenta. Ele responde-me que deixar-se passar faz parte da sua definição, e tem razão, que eu fui confirmar ao dicionário. Inicio então um novo diálogo com o tempo, porque são eles, os diálogos, que me dão o presente, e eu preciso tanto tanto dele. E das bolas de Berlim e da minha imagem a rir-me no jardim do campo grande, e quando ela aparece é um bocadinho de presente outra vez, e neste caso presente é também uma oferta, ofereço-me essa memória e sinto-a agora, e sentir já são emoções, não ponho pontos para não me perder pelo caminho porque estamos mesmo mesmo quase dentro do sistema límbico apesar de ser através das palavras. Não percebo a letra da canção mas tenho a certeza que ela diz isto que sinto, não poderia ser de outra forma. Ouço-a repetidamente para compor a memória, que às vezes anda descomposta. Só mais 5 minutos dra, que é o tempo de ela tocar, e de chegarmos ao passado no presente. Eu avisei-a de que ia inundar-lhe o consultório.

3 comentários:

ZeTomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ZeTomes disse...

Na realidade menti, não acordei a pensar na côr e já tinha um texto na cabeça. A luz quando bateu na cortina foi saboreada de manhã nem me magoava. Cheirava a dia e sentia um doce no olhar, já tinha ruguinhas pois penso que sorria. Olhei para o tecto em espelho enquanto vislumbrava um ocre que me perfumava. Eram os olhos ou era boca ou era uma ruguinha ou era tudo já não me lembro. Ou era eu a cheirar a almofada pensando que via a cores.

Ou era um rio que corria cá dentro ou era o tacto a sentir electricidade, uma rocha fresca e molhada, uma nascente branca. Ou então sonhava ou estava a adormecer a tentar vê-la, ou era a minha personagem com quem dialogava descrevendo-me sensações, projectando-me fantasias, entretenimentos de solitário. O peito aperta mas não é dor, talvez seja da luz que o aquece, ou talvez seja eu que esteja tapado e me queire destapar. Já vejo as minhas mãos e contemplo-as vivendo a memória dos espelhos das rugas e das esmeraldas.

Lembro-me do texto e quero escrevê-lo sem saber dele e digo-me qualquer coisa e depois escondo-me debaixo dos lençóis, torno-me perfeccionista, o peito aperta mas não é dor e fica quando toca a tecla da memória que vem e puxa-me as calças e fico desnudado acabrunhado e quero esconder-me. Quero agarrar as letras pelos cornos e lanceto o peito, depois oiço a nota e corro com as tripas de fora nos braços pela casa adentro. O cão ladra e moi como se fosse a tecla. Fumo cigarros, mordo o filtro quando procuro a cicatriz do peito. Radiografias ao tempo, o coração lá está, já me habituei à dor quando mordo o lábio e trinco o fumo. As letras pesadas da máquina são cruas para quem tem as tripas de fora. Escrevo-as quando as possa apagar, já de peito cosido que aperta e sulca o papel mas não é dor.

Anónimo disse...

This my excavation and today is kumran
Everything that happens is from now on
This is pouring rain
This is paralyzed

I keep throwing it down two-hundred at a time
It's hard to find it when you knew it
When your money's gone
And you're drunk as hell

On your back with your racks as the stacks as your load
In the back and the racks and the stacks are your load
In the back with your racks and you're un-stacking your load

I've twisting to the sun I needed to replace
The fountain in the front yard is rusted out
All my love was down
In a frozen ground

There's a black crow sitting across from me; his wiry legs are crossed
And he's dangling my keys he even fakes a toss
Whatever could it be
That has brought me to this loss?

On your back with your racks as the stacks as your load
In the back and the racks and the stacks of your load
In the back with your racks and you're un-stacking your load

This is not the sound of a new man or crispy realization
It's the sound of the unlocking and the lift away
Your love will be
Safe with me

Beijinhos!