Este texto é sobre o meu cabelo. Algumas das personagens são
tão importantes quanto os liliputianos da história de Gulliver: a sua aparente existência
é fundamental para a história, mas o seu nome pouco importa
um nome para um corpo que não é meu
Eu, quem escreve, sou a escritora, e por impossibilidade
real nunca poderei ser quem pensavas que fosse (pretérito imperfeito, a
gramática não mente!). Às vezes, se te
lembras, procurava-te, retinha-te, esgotava-te (são de outro as minhas
palavras) e oferecia-te as ondas do meu cabelo. Desde pequena que à noite, no
silêncio, observo o meu cabelo, e todos os dias me pergunto
- onde foi parar a onda de ontem?
e então lembro-me de todas as ondas que te dei, e
pergunto-me por onde andarão. Seria triste se as tivesse perdido. Se tivessem ido com
o vento
Vuuuuuuu
ou com o barulho do mar,
vshhhhhhhhhhhhhhhhhh
apesar da poesia/beleza da imagem (o que já seria de monta, pois
constatar a beleza é um conforto nos dias que correm). Porque nas minhas ondas
está o seu riso, mesmo ainda antes de ele existir (o seu nome importa, não
correspondendo a um mero liliputiano da história de Gulliver, mas nunca vos
será revelado. O verdadeiro/real entendimento a seu tempo, peço paciência ao
leitor). Sempre imaginei que o som do silêncio seria parecido com o do mar,
dado o facto de ambos conterem tudo, e por isso eu vou (presente do indicativo)
até lá, ao mar, para ouvir aparentemente nada. Meto-me no carro, e deixo-me
conduzir até ao Max, que é o meu cão
- Tu não tens nenhum cão
- Eu não tenho nenhum
cão mas sempre que vou até à praia imagino que sim, e que ele anda
comigo sem trela mas nunca foge. (foram minhas estas palavras no pretérito
perfeito do verbo ser. Para mim foi mais que perfeito, por vezes a gramática é um
pouco mentirosa)
- ou se é ou se não é! Mentirosa!
e ficamos os três a observar as ondas a ir e a vir.
Vshhhhhhhhhhh. As memórias todas contidas nas ondas e eu garanto que nunca se
esvaem com a espuma, esse é um engano de quem não aguenta tanta vida com medo
de morrer
Ó mãee! (o seu riso nos meus cabelos, mesmo antes de existir)
dizia eu: tanta vida com medo de morrer, que é talvez o que
quer dizer a expressão morrer na praia. Só
se perde/morre o que verdadeiramente não existe, e este é um paradoxo difícil de
entender, até para mim que o escrevo. Digamos que a verdade tem o dom de
permanecer, não contempla a perda
para onde vai o amor
que vem agarrado?
tal como o silêncio ou as palavras que vos dou, que em vez
de os perder me são devolvidos em dobro ou em triplo, dependendo de quantos
sois, cavalheiros, a dar-me a vida de volta. Tanta vida antes de ir dormir, que
por vezes rezo um pai nosso antes de me perder de ti (o nome pouco vos/nos
importa), ou canto uma cantiga
No alto daquela serra, no alto daquela serra, está um lenço está um lenço de mil cores, está um lenço, está
um lenço de mil cores
Dizendo, viva quem
ama, dizendo viva quem ama, morra quem, morra quem não tem amores, morra quem
morra quem não tem amores
Isto porque a simplicidade de uma canção protege pela sua convicção,
como uma verdade sem refutação possível. como a tia L a dizer palavrões que
afinal existem: putice!
e o silêncio que vai chegando no gerúndio, ou seja devagarinho
Vshhhhhhhhhhhhhhhhh
E enquanto chega e não chega, e enquanto realmente morres em
ti/em mim (ao critério do leitor, a escolha é irrelevante), reencontro as ondas
do meu cabelo que te tinha dado (mais que perfeito composto do indicativo) mas desta
vez não em dobro, pois só devolve vida quem tem verdadeira/real
existência, que é o mesmo que dizer quem tem nome, como o Max, o meu cão
imaginário
Ó mãeee!
e constato que o seu riso continuará para sempre nas ondas do meu cabelo
(futuro do indicativo), mesmo quando eu já não existir, porque a verdade é que
Shhhhhh…são horas de acordar.