terça-feira, 16 de novembro de 2010

Notícia

Princesa, escondei-vos! Ouço os seus cavalos. Estou seguro que vêm em busca das palavras.

Não os temo. Ninguém tem de saber que as roubei, nem que as guardei secretamente nos caixotes verdes que tenho na varanda. Ninguém tem de saber que todas as minhas palavras eram vossas, que durante toda a minha vida não fiz senão plagiar-vos. Agora que sabeis que existo, e até onde moro, receei que désseis conta que era eu que vos roubava durante todo este tempo, e assim justifico o longo mês de silêncio. Perdoai-me, mas foi muito tempo à espera do meu outro amor, tinha de entreter-me a juntar as vossas palavras em novas frases e novos parágrafos. Já a tratar-te por tu, desconstruí-te, desmantelei-te, desfiz-te em sílabas e por vezes mesmo em fonemas. Passei então longo tempo a reenlaçar todos os elementos, tentando a todo o custo fazer uma nova história, ou quem sabe uma nova canção, que é por vezes mais fácil dizer tudo isto a cantar.

Rogo-vos, escondei os vossos passos, fugi para sul, onde sabeis poder encontrar o silêncio do mar.

E então, deliciada com os novos sons das novas histórias que entretanto ia criando enquanto te esperava, sorria nua pela casa a despir-me e a vestir-me com as tuas frases que eram já minhas, que tudo o que nos dá trabalho parece-nos nosso por direito adquirido.

Julgo que apenas lá podereis ter toda a calma que mereceis, princesa.

Não quero ter calma alguma, confesso a minha ansiedade por chegar ao fim deste texto. E devagar, que apesar de ser ansiosa sou lenta, fui vestindo as minhas várias personagens animadas, imaginando-lhes velhos nomes. Cavaleiros aprumados, meninas blondinas, Peters voadores, ofereci-lhes os vossos substantivos e adjectivos e tantos advérbios de modo, tantos tantos que me perco, meu bem. De tal forma tudo isto é real e não apenas um sonho (juro-vos!) que a determinado momento eu soube que as palavras já não seriam tuas (e nota como para espelhar este processo te plagio descaradamente no início do texto, o que não acontece já neste final).

Princesa, apressai-vos na resolução da história, estamos há demasiado tempo no clímax, dói-me o peito de aflição por vós.

E apercebi-me então que elas também não seriam minhas, não poderei devolver-tas, perdoa-me. Que neste processo de dar voz às personagens já não sei mais quem é de quem, e numa apreciação justa direi que sou eu que lhes pertenço, às palavras. São já elas que me desconstroem, me desmantelam, me desfazem em sílabas e por vezes mesmo em fonemas, e eu já sem ar só de o escrever. Cavaleiro, agora que sabeis que existo e que as vossas palavras se encontram nas minhas caixas verdes que estão na varanda, peço-vos, não nos afastais roubando-me delas. Finjamos antes, proponho, que não sabemos que ambos lhes pertencemos, e que não somos nós que nos amamos através das palavras, mas antes elas que vivem através de nós. Shhhhhhh. Ninguém tem de saber.