segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O teu cabelo



Este texto é sobre o meu cabelo. Algumas das personagens são tão importantes quanto os liliputianos da história de Gulliver: a sua aparente existência é fundamental para a história, mas o seu nome pouco importa

um nome para um corpo que não é meu

Eu, quem escreve, sou a escritora, e por impossibilidade real nunca poderei ser quem pensavas que fosse (pretérito imperfeito, a gramática não mente!). Às vezes, se te lembras, procurava-te, retinha-te, esgotava-te (são de outro as minhas palavras) e oferecia-te as ondas do meu cabelo. Desde pequena que à noite, no silêncio, observo o meu cabelo, e todos os dias me pergunto

- onde foi parar a onda de ontem?

e então lembro-me de todas as ondas que te dei, e pergunto-me por onde andarão. Seria triste se as tivesse perdido. Se tivessem ido com o vento

Vuuuuuuu

ou com o barulho do mar, 

vshhhhhhhhhhhhhhhhhh

apesar da poesia/beleza da imagem (o que já seria de monta, pois constatar a beleza é um conforto nos dias que correm). Porque nas minhas ondas está o seu riso, mesmo ainda antes de ele existir (o seu nome importa, não correspondendo a um mero liliputiano da história de Gulliver, mas nunca vos será revelado. O verdadeiro/real entendimento a seu tempo, peço paciência ao leitor). Sempre imaginei que o som do silêncio seria parecido com o do mar, dado o facto de ambos conterem tudo, e por isso eu vou (presente do indicativo) até lá, ao mar, para ouvir aparentemente nada. Meto-me no carro, e deixo-me conduzir até ao Max, que é o meu cão

- Tu não tens nenhum cão

- Eu não tenho nenhum cão mas sempre que vou até à praia imagino que sim, e que ele anda comigo sem trela mas nunca foge. (foram minhas estas palavras no pretérito perfeito do verbo ser. Para mim foi mais que perfeito, por vezes a gramática é um pouco mentirosa)

- ou se é ou se não é! Mentirosa!

e ficamos os três a observar as ondas a ir e a vir. Vshhhhhhhhhhh. As memórias todas contidas nas ondas e eu garanto que nunca se esvaem com a espuma, esse é um engano de quem não aguenta tanta vida com medo de morrer

Ó mãee! (o seu riso nos meus cabelos, mesmo antes de existir)

dizia eu: tanta vida com medo de morrer, que é talvez o que quer dizer a expressão morrer na praia. se perde/morre o que verdadeiramente não existe, e este é um paradoxo difícil de entender, até para mim que o escrevo. Digamos que a verdade tem o dom de permanecer, não contempla a perda

para onde vai o amor que vem agarrado?

tal como o silêncio ou as palavras que vos dou, que em vez de os perder me são devolvidos em dobro ou em triplo, dependendo de quantos sois, cavalheiros, a dar-me a vida de volta. Tanta vida antes de ir dormir, que por vezes rezo um pai nosso antes de me perder de ti (o nome pouco vos/nos importa), ou canto uma cantiga

No alto daquela serra, no alto daquela serra, está um lenço está um lenço de mil cores, está um lenço, está um lenço de mil cores
Dizendo, viva quem ama, dizendo viva quem ama, morra quem, morra quem não tem amores, morra quem morra quem não tem amores

Isto porque a simplicidade de uma canção protege pela sua convicção, como uma verdade sem refutação possível. como a tia L a dizer palavrões que afinal existem: putice!

e o silêncio que vai chegando no gerúndio, ou seja devagarinho

Vshhhhhhhhhhhhhhhhh

E enquanto chega e não chega, e enquanto realmente morres em ti/em mim (ao critério do leitor, a escolha é irrelevante), reencontro as ondas do meu cabelo que te tinha dado (mais que perfeito composto do indicativo) mas desta vez não em dobro, pois só devolve vida quem tem verdadeira/real existência, que é o mesmo que dizer quem tem nome, como o Max, o meu cão imaginário

Ó mãeee!

e constato que o seu riso continuará para sempre nas ondas do meu cabelo (futuro do indicativo), mesmo quando eu já não existir, porque a verdade é que

Shhhhhh…são horas de acordar.