segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A mentira do assalto

Eu tenho uma varanda onde coloco as coisas da minha gata e onde estavam também caixotes cheios de palavras que fui roubando, na esperança romântica de tas poder dar um dia, se possível de chofre (abertura). Cheguei mesmo a arquitectar planos

- aquela palavra tem de ser minha

desenvolvendo mecanismos mirabolantes que me permitissem fixá-las antes de as colocar nos meus cadernos vermelhos de capa dura. Foram anos a roubar palavras e a guardá-las em histórias. Mas justiça foi feita, desta vez não na floresta: roubaram-me tudo. Não me vendo a recomeçar semelhante empreitada, mas aproveitando ainda uma réstia do romantismo que se esqueceram de levar no meio da correria, resolvi então inventar-te. De modo que tudo o que te escrever será pura invenção, uma mentira pegada e sem qualquer tipo de significado. Todas as palavras que aqui utilizar são novas, até os artigos indefinidos, pelo que terás de imaginar que tudo isto é uma ilusão. Que não são 15h30 e que a bandeira não está amarela. Que não há pessoas com raquetes à minha frente e que as raparigas aqui ao lado não jogam às cartas enquanto eu escrevo para alguém que não és tu, cavaleiro que te atrasas. Que não existe um farol no canto superior direito da imagem reflectida pelos meus olhos, e que Agosto não está quase a terminar. Que o mar não está a vazar e não é quase lua nova e os meus dedos não ficaram enrugados de tantos mergulhos. Que não corre uma brisa e que eu não tenho nenhum cão que aparece sempre que me encontro nestes estados emocionais, pressentindo que preciso de o ver correr na praia

- Max! Apanha!

Que o céu não está encoberto e que eu não tenho saudades de uma palavra qualquer que não sei qual é, mas que acho que roubei quando andava com o meu pai a subir uns montes que antes havia em Lisboa, e que eu na altura achava que eram muito maiores do que na realidade seriam. Que nem tudo é relativo, há coisas que são assim e pronto. Que lá em Dois Portos não havia cerejas mas havia muitos medos como há hoje

- E se eu soltasse as mãos e voasse?

Que não há silêncios, apenas espaços entre as palavras que me roubaram e as novas que ainda não inventei. Que não são já 23h55 e que a bandeira está amarela. Que apesar da memória, nada de essencial se perde

- Não esqueço

e já não há pessoas com raquetes à minha frente e as raparigas aqui ao lado jogam às cartas enquanto eu te escrevo e existe um farol no canto superior esquerdo da imagem reflectida pelos teus olhos e o mar hoje estava cheio de ondas e Agosto entretanto já terminou

- E que vos disse o mar?

Que a Ísis não tem saudades do vento nem da tua pele. E que tudo isto de me terem roubado as palavras não passa de uma mentira que eu criei só para te poder inventar (fecho).