domingo, 30 de março de 2008

Bonecas

Já ouviste falar das bonecas que imitam mulheres?

Todas as bonecas imitam mulheres. Ou meninas.

Não, mas estas não só imitam visualmente, como também no toque, e até na forma como reagem. Estão a aperfeiçoá-las para se parecerem cada vez mais com mulheres reais. E são compradas por homens. Uma onda que começou na China. Há homens que até coleccionam, levam-nas para a natureza, tiram fotografias…

Tiram fotografias?!

Sim. Constroem uma relação com elas, a todos os níveis. Não só sexual, mas parece que também emocional. Ligam-se às bonecas, dão-lhes afecto, e recebem. Ou fingem que recebem.

Oh coitados, como andam as coisas na China…Tiram fotografias?!

Achas que por cá está muito diferente?

Bom, não existem estas bonecas. Os homens continuam a dar-se com as mulheres reais.

Tens razão, bonecas ainda não vi. Destas, pelo menos. Mas isso de se continuarem a relacionar com mulheres reais…uma solidão que eu vejo…desculpa a repetição do tema, é que repetir coisas estrutura. Dizem os peritos que é na repetição da história em vários contextos que ela se vai consolidando. E temos de agir consoante a nova história, também. Mas também, porque quero eu consolidar ideias sobre a solidão dos humanos? Desculpa, lá estou eu a meter conversas dentro de conversas. Há momentos em que pululam. As ideias. Tenho a certeza que vi a palavra pulular há pouco tempo, mas não me lembro onde. Não é palavra minha. Vamos continuar directamente com o tema inicial, esquece esta parte se quiseres. Conheço cada vez mais mulheres a dizer que os homens não têm o que lhes interessa, e os homens a queixar-se das mulheres, e sem saber como dar-se com elas. Mas todos à procura uns dos outros.

Humm. Sim, tudo isso é muito estranho. Mas sabes o que mais me choca? As fotografias…

domingo, 23 de março de 2008

A luta

Gosto tanto de ti…

E eu de ti?!

És fantástica.

Oh, tu é que és.

Uma doçura.

Tu é que és uma ternura.

É que dizes coisas mesmo interessantes…

E tu?! Tu sabes tanto, discutes qualquer assunto.

Amo esse teu ar ingénuo e ao mesmo tempo sabedor.

Oh, e tu tão sociável mas sempre com alguma distância.

Adoro os teus cabelos.

E eu as tuas mãos.

És tão sensível.

E tu tão forte.

Pensando bem, és hipersensível.

Bom, e tu uma fortaleza...

Fortaleza?! Tu és mesmo totó.

Totó?! E tu desconfiado. Parvo

Parva.

Estúpido.

Cabra.

Pensando bem, odeio-te

E eu a ti?!

terça-feira, 18 de março de 2008

Não toque aí que me dói.

Pois é assim mesmo, tem de doer para curar.

Oh, não se lembra daquela história da mãe que pôs álcool nos olhos da filha para curar e ela ficou cega?

Sim. Temos de saber bem o quê para o quê.

Mas aqui não sabe. Nem sabe bem o que tenho. Duvido até que possa saber exactamente algum dia. Ainda que entenda bem…não é a minha pessoa. Engraçado, falava ontem disto.

Por isso a palpava levezinho.

Pois, mas sabe, do que precisava era de um apalpão daqueles…talvez me desengonçasse um bocado e tudo se rearranjasse depois por si. Quer dizer, por mim.

Mas se lhe fizesse isso ainda doeria mais!

Tem razão, não sei o que quero. Nem sei bem o que quero com este texto. Acabemos.

Estás a cortar comigo?

Interessante, passámos à 2ª pessoa. Porque te disse que queria terminar tudo. Não chores, passarinho…quem deveria chorar era eu, que tenho aqui esta dor…

Eu é que tenho dores…insuportáveis. Mas não, aguento-me aqui sem mais nada. Sou ou não corajoso? Mas tenho esta dor…insuportável. Mas não me queixo. Uma dor insuportável. E nada, nem um piar. Só esta dor insuportável.

Corajoso, tu? Tu és é…insuportável.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Do que é que gostas mais na vida?

De algumas coisas.

Por exemplo?

Gosto de pormenores. Apesar da minha tendência de olhar para o todo.

Pormenores? Como assim?

Gosto do cheiro dos livros, por exemplo. Sempre gostei. Mas agora gosto mais.

E mais?

Gosto de alguns sons. Gosto de lençóis lavados, do frio dos lençóis, e sentir-me a aquecer neles lentamente. Gosto do barulho da máquina a lavar a loiça. Gosto do camião do lixo a passar àquela hora. Gosto de marcas no corpo, daquela marca de quando caí quando tinha 3 anos e ficou no meu joelho. Olho para ela de tempos a tempos. Gosto de conduzir. Gosto de pianos. Gosto de repetir palavras. Gosto de algumas fotografias. Como aquela em que me apanhaste a rir desalmadamente.

Oh, essa fotografia está tão gira.

Não, gira não.

Que chata com os termos. Pronto, genuína.

Que é feito dela?

De quem?

Da fotografia.

Está no armário, onde querias que estivesse?

Podes procurá-la?

Não posso…e tu tens tão pouco que fazer. Faz isso por ti.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Máscaras

Há pessoas que vivem mascaradas.

Não viveremos sempre mascarados?

Sim, de certa forma. Apesar de termos a sensação de sermos muito verdadeiros. E somos, ainda que mascarados. Mas não falo disso.

Então?

É que há pessoas que parece que vivem a fingir. Não fazem disparates. Sempre a fingir. A fingir que se riem. A fingir que choram. A fingir que são muito bons, ou muito maus. A fingir que são decididos. A fingir que são bem comportados. Não chafurdes na lama, filho, arruma isso, filho, és muito lindo, filho, mas só fazes disparates e no fundo precisas de mim, filho, não te dou beijinhos porque cheiras mal da boca, vai antes lavar os dentes e depois vamos aos beijinhos, e olha, porque não te lavas antes de irmos para a cama? Não faças isso, não fales alto que ouvem, não digas essas coisas porque apesar de deus não existir ele castiga, vou agora dizer isso, ainda alguém me faz alguma coisa, isto há que estar sempre atento, sempre verticalmente atento, és tão querida, és gira, mas hoje toma lá que és uma vaca, mas não era isso que queria dizer, coitada de ti, és tão boazinha, agora uma vaca…és um cão, pronto, um cão, toma lá festas, que mais queres? Não vás por aí cão, senta cão, dá beijinhos, que queridos os cães, agora vaca… A fingir que são boas pessoas. A fingir que sentem. A fingir que amam. A fingir que vivem.

Não fazem disparates?! Coitados...

quarta-feira, 5 de março de 2008

Sinal

Dr., aconteceu-me uma coisa estranha.

Diga diga. Mas vá subindo aqui para a balança.

Despida?

Sim, despida.

Lembra-se daquele sinal? Aquele...

Humm, está mais pesada. Bom sinal.

O outro sinal. Aquele que foi crescendo, crescendo...

Sim sim.

Pois aconteceu-me uma coisa muito estranha.

Hummm. As análises também estão boas.

Desapareceu.

Como desapareceu?!

Desapareceu, Dr. Não sei como. Acordei e ele já não estava lá. Foi terrível.

Terrível? Mas isso é óptimo! Não terá de fazer aquela intervenção...

Oh não, eu não a iria fazer...passei a amar o meu sinal.

Não a estou a entender.

Descobri que o amava. Foi um processo longo...e agora este luto...

Isso é bom sinal. Talvez. Que o tenha passado a amar. Ao sinal.

Sim. Odiei-o um dia. Como sabe...

Oh sim, se sei. Até lhe disse na altura que era disparatado, no fundo até era um sinal bonito.

Bonito não era. Era feio. Nojento para alguns. Lembra-se como não podia mostrar o meu pescoço...Pois bem, agora andava sempre de cabelo apanhado, como que a exibi-lo.

Faz bem, tem um pescoço lindo.

Mas e agora? O que faço? Será sinal de alguma coisa?

domingo, 2 de março de 2008

Dra, acha que os gatos são felizes?

Bom, há 15 dias que não falamos. Essa conversa é um pouco estranha para mim. O que andou a ler?

Nada. Tive tempo para pensar.

Aaaaaah

Sei que não é uma ideia nova, mas às vezes gostava de ser gato. Ou cão, ou outro bicho qualquer.

Porquê?

Porque gostava de apenas sentir. De desfrutar do sol a entrar na janela sem pensar nisso ao mesmo tempo.

Mas não desfrutaria. O gato não conhece a palavra desfrutar. Não tem esse conceito.

Está-me a dizer que ele não é feliz nesse momento?! Com aquele ar que ele põe quando se põe ao sol, não é feliz?!

Hummm...será. Mas não sabe que é. De que lhe serviria isso a si?

É que estou farta das palavras.

Compreendo.

Acha que é possível amar alguém sem palavras? Quer dizer, não é só sem as dizer. É sem as pensar.

Francamente, acho que não. Para quando marcamos a próxima conversa?